Para falar sobre tal tema, a análise deve partir de um desmembramento do título, isto é, ética e espaço virtual.

De acordo com Kolb1, a diferença entre os espaços consiste, basicamente, no meio utilizado (tecnologia, máquina), na velocidade da informação, no espectro que abrange, em como mensurar o reflexo da conduta antiética, na facilidade do anonimato e em como conter as consequências (ao que a doutrina denomina information assessment, que se concentra na identificação, na ponderação e na quantificação das consequências involuntárias, indiretas e de longo prazo ocasionadas pela tecnologia da informação).

Singela comparação poderia ser feita com relação ao desenvolvimento de um dos meios de transporte, o carro. Quando criado o automóvel, houve alterações nas cidades. Ainda na análise de Kolb2, o “não matarás” do sistema de valores na época de carroças e cavalos permaneceu, sendo adotado, inclusive, pela legislação (no caso do Brasil, pelo Código de Trânsito Brasileiro).

Assim, não é difícil concluir que toda conduta considerada ética no espaço real, das relações palpáveis estabelecidas, é considerada ética no espaço virtual.

Reitere-se que a grande diferença, consiste, sim, na velocidade em que circula a informação (que hoje tem valor de mercadoria) e no espectro que ela atinge, o que se pode constatar quando da ocorrência de algumas infrações penais (que, antes mesmo do caráter ilícito, já contêm um aspecto antiético), como a difamação, a injúria, a calúnia em redes sociais etc.

Verificando a importância da temática, não só houve um aprimoramento das legislações internacional e nacional, como houve iniciativas de organizações, no sentido de combater atos antiéticos no espaço dito virtual. No caso do Brasil, a Lei n. 12.737-2012 foi promulgada, dispondo sobre a tipificação de delitos informáticos, como a invasão de dispositivos informáticos alheios, detentores de mecanismos de segurança.

Diante do que fora apresentado, uma série de questionamentos pode surgir, especialmente no que tange à utilização das informações pessoais obtidas a partir de rastreamento por empresas de e-mails e de sites de relacionamento (Facebook, Google+, Instagram, Twitter, Thread, entre outros), para fins de direcionamento da publicidade.

Da mesma forma, deve-se questionar o rastreamento pelo governo de dados pessoais, visando ao monitoramento dos cidadãos (hábitos, tendências políticas). Na obra Cypherpunks, do autor Assange3 consta trecho instigante:

Quando nos comunicamos por internet ou telefonia celular, que agora está imbuída na internet, nossas comunicações são interceptadas por organizações militares de inteligência. É como ter um tanque de guerra dentro do quarto. [...] Nesse sentido, a internet, que deveria ser um espaço civil, se transformou em um espaço militarizado. Mas ela é um espaço nosso, porque todos nós a utilizamos para nos comunicar uns com os outros, com nossa família, com o núcleo mais íntimo de nossa vida privada. Então, na prática, nossa vida privada entrou em uma zona militarizada. É como ter um soldado embaixo da cama.

O espaço virtual4, por sua vez, possibilita ampla divulgação de informações. Todavia, sabe-se que muitas das informações podem possuir caráter falso - fruto da ignorância, no sentido de desconhecimento de quem publica tais informações, ou, de fato, da intencionalidade do agente.

Assim, compreende-se que o espaço virtual não dispensa a capacidade de juízo crítico das informações, e este juízo crítico ou consciência crítica não é produto do espaço virtual, mas, sim, do sistema educacional.

Portanto, apenas a consciência crítica é capaz de anular interferências negativas produzidas no mundo online. Neste sentido, é significativo o desenvolvimento de áreas que produzem, exatamente, sujeitos críticos, capazes de realizarem leituras razoáveis e, assim, não serem vítimas de manipulação.

Existe uma consequência direta, criada a partir do desenvolvimento da Internet. Tem-se a criação de uma mentalidade tecnológica que, por sua vez, desenvolve novos comportamentos e atitudes. Tais atitudes podem gerar pontos positivos nas relações sociais. Por exemplo, existe uma clara diminuição dos espaços geográficos, em detrimento de aproximações promovidas pela virtualidade.

Porém, existem também aspectos negativos a serem salientados, como a chamada “ultra conexão”. Isto é, a viciação de sujeitos que estão substituindo sua vida social e, até mesmo, afetiva, em razão do excesso de tempo dedicado a redes sociais, jogos online, enfim, ao acesso ininterrupto à internet. O efeito nocivo de tal comportamento é social, mental e, também, físico, pois cria uma geração altamente sedentária.

Também pode acontecer (geralmente acontece) a criação de crenças falsas (Fake News), em relação ao status quo adquirido, supostamente, pela propriedade de produtos tecnológicos. Smartphones, tablets, celulares, entre outros, criam na população uma falsa noção de participação efetiva na sociedade. Ora, ter acesso a tais produtos que veiculem os sujeitos ao mundo virtual não garantem os direitos fundamentais que formam a cidadania.

Chega-se, pois, à questão fundamental do presente texto: a relação entre a ética e o espaço virtual. Primeiramente, os sujeitos de ação são os mesmos; o que muda é o meio, onde são praticadas tais ações.

Quando é referido o tema “ética”, logo, incluem-se questões morais. E, por sua vez, as questões da moralidade relacionam-se com os valores. Sabe-se que nem todos os valores são morais. Podemos falar de valores econômicos ou familiares.

Todavia, os valores não possuem valor em si. O valor é dado pelos sujeitos em relação aos objetos, sejam estes naturais ou produzidos. Neste sentido, afirma Vázquez5 que o valor não é propriedade dos objetos em si, mas propriedade adquirida graças à sua relação com o homem como ser social.

Quando se fala em valores morais, como a bondade ou a justiça, estes são morais na medida em que o sujeito da ação prática atos bons ou justos. Mas apenas são morais se estes atos, bons ou justos, são praticados livremente e com consciência. Pode-se afirmar que todo ato moral é dependente de liberdade e consciência, capaz de atribuir ao sujeito da ação o critério de responsabilidade.

Somos, assim, responsáveis por nossas ações, sejam estas realizadas no espaço virtual, ou em qualquer outro espaço físico. O problema - particularmente relacionado à virtualidade - é a grande propagação de atos negativos realizados virtualmente. Aqui, entram questões como o bullying, o racismo e a violência, que, iniciados no ambiente virtual, repercutem no mundo físico.

Por conseguinte, existe uma clara relação entre o espaço virtual, a sociedade, a política e o poder. A sociedade é afetada diretamente pela comunicação virtual, modificando-se e criando novas formas de manifestação, produção e difusão de informação e de conhecimento. O espaço político aprende a usar as novas tecnologias, bem como os eleitores aprendem novas maneiras de atuar politicamente. Todavia, existem ações de Estado que visam a controlar as ações dos indivíduos no espaço virtual, sob o pretexto da segurança nacional. Conforme encontra-se em Assange6, houve um investimento gigantesco em vigilância porque as pessoas no poder temiam que a internet pudesse afetar seus métodos de governança. Existe, neste sentido, enorme cerceamento da liberdade.

Porém, isso não impede - e nem impediu - que o espaço virtual se tornasse poderosa ferramenta de difusão do que ocorria, por exemplo, nos países árabes, no que foi chamada a primavera árabe. Estando a impressa proibida de permanecer no país, a própria população, via comunicação virtual, colocou o mundo a par dos acontecimentos internos que ocorriam em diferentes países do Oriente Médio. Neste ponto, contribui Assange7 (2013, p. 45), quando sentencia:

Podemos citar como exemplo o protesto organizado por meio do Facebook em 2008, no Cairo. Ele pegou o governo Mubarak de surpresa, e como resultado as pessoas que estavam usando o Facebook para protestar foram rastreadas. Além deste, podemos destacar, ainda, os diversos protestos políticos que aconteceram no Brasil. Em diversos destes casos, tais eventos foram criados e compartilhados nas redes sociais (Facebook, Instagram, Whatsapp, etc.).

Em 2011, em um manual que foi um dos documentos mais importantes utilizados na Revolução Egípcia, a primeira e a última páginas recomendavam: “Não use o Twitter nem o Facebook” para distribuir o manual. Mesmo assim, muitos egípcios usaram o Twitter e o Facebook. Eles só sobreviveram porque a revolução foi um sucesso. Caso contrário, essas pessoas estariam numa posição muito, muito difícil. E não vamos esquecer que logo no começo o presidente Mubarak cortou a internet no Egito.

E, claro, se existem relações sociais e políticas, existem relações de poder; logo, há técnicas de dominação. E, aqui, o poder tem sentido amplo, pois é ferramenta da sociedade civil e de suas instituições, mas, também, de corporações e empresas multinacionais que visam à manipulação de consumidores e que criam imensos estímulos ao consumo de produtos. Michel Foucault8, sobre a relação de poder, afirma que:

[...] efetivamente, aquilo que faz com que um corpo, gestos, discursos, e desejos sejam identificados e constituídos enquanto indivíduos é um dos primeiros efeitos de poder. Ou seja, o indivíduo não é o outro do poder: é um de seus primeiros efeitos.

Também o espaço virtual foi consequência do poder, do poder tecnológico associado ao poder militar. Foi esta a associação que originou o espaço virtual. A virtualidade é o resultado da ação real da inteligência humana. Todavia, os espaços virtuais, assim como o espaço físico, são reais. “O virtual não nega a existência,” como escreve Pierre Lévy9. (1996, p. 15).

Lévy é conhecido pela defesa positiva que apresenta em relação ao avanço e propagação, do que ele denomina de “cibercultura” e “ciberespaço”. Conforme a definição do próprio autor, o ciberespaço é o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores10. (1999, p. 17). Mas, salienta o autor11, que o ciberespaço não se refere apenas às máquinas, mas também às informações e às pessoas que alimentam o ciberespaço. E, na sequência, tem-se:

[...] cibercultura, especifica aqui o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço”. (1999, p. 17).

Portanto, o espaço virtual, apesar de ter sido criado pelo homem, desenvolve-se para além deste. No sentido de possibilitar, conjuntamente ao avanço de áreas específicas, o desenvolvimento de tecnologias que modificam e postulam novas formas de compreensão do mundo. Mas, apesar de seu desenvolvimento, em certa medida, estar além do homem, é, também, dependente deste homem, porque a tecnologia deve estar a serviço da humanidade e, aqui, tem-se a direta relação com a ética. De modo que se pode inferir que, quando a tecnologia superar o homem, não haverá mais a humanidade.

Diz-se da tecnologia, porque o espaço virtual existe em função dela. O que lhe dá sentido, utilidade e, portanto, lhe oferece valor, é o homem que a opera.

Notas

1 Kolb, Anton (et. al.). Cibernética – responsabilidade em um mundo interligado pela rede digital. São Paulo, Loyola, p. 63, 2001.
2 Kolb, Anton (et. al.). Cibernética – responsabilidade em um mundo interligado pela rede digital. São Paulo, Loyola, p. 62, 2001.
3 Assange, Julian (et. al.). Cypherpunks, liberdade e o futuro da internet. São Paulo: Boitempo, p. 10, 2013.
4 Na página 15 do livro O que é Virtual? do autor Lévy, “a palavra virtual vem do latim medieval virtualis, derivado por sua vez de virtus, força, potência. Na filosofia escolástica, é virtual o que existe em potência e não em ato”.
5 Vázquez, A. Ética. Trad., João Dell’Anna. 30. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, p.141, 2008.
6 Assange, Julian (et. al.). Cypherpunks, liberdade e o futuro da internet. São Paulo: Boitempo, p. 44, 2013.
7 Assange, Julian (et. al.). Cypherpunks, liberdade e o futuro da internet. São Paulo: Boitempo, p. 44, 2013.
8 Foucault, M. Microfísica do Poder. Org. e Trad., Roberto Machado. Rio de Janeiro: Edições Graal, p. 183, 2010. 9 Lévy, P. O que é Virtual? Trad., Paulo Neves. São Paulo: Editora 34, p. 15, 1996.
10 Lévy, P. Cibercultura. Trad., Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Editora 34, p. 17, 1999.
11 Lévy, P. Cibercultura. Trad., Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Editora 34, p. 17, 1999.