Mundial realizado na Austrália e Nova Zelândia bateu recordes, envolvendo o futebol masculino e feminino, no mundo todo, tanto de transmissão como de público.
Desde pequena sempre soube qual era meu esporte favorito: o futebol. Não escondia de ninguém minha paixão pela modalidade. Mas foi só com sete anos que entrei para uma escolinha. O engraçado, é que só tinham três meninas, eu e mais duas, mas elas saíram com o decorrer dos meses e me deixaram sendo a única representante do sexo feminino no meio de tantos homens. Naquela época, falo de 2005, era difícil encontrar clubes que tinham um time direcionado só para mulheres, quem quisesse jogar, precisava se juntar aos garotos, como eu e mais outras fizemos para poder realizar o nosso sonho.
Contando assim, parece que mulher no futebol era algo inovador, mas não. A modalidade existe desde a década de 80 e teve a primeira Copa do Mundo realizada em 1991, na China. Desde o princípio, os Estados Unidos se tornaram uma potência do esporte. A primeira Liga dos Campeões foi realizada em 2001, que teve o Frankfurt como campeão. Vale dizer que entre 1941 e 1979, era proibido, por lei, que as mulheres jogassem futebol no Brasil.
Apenas na década de 80, o futebol feminino foi totalmente regulamentado no país, e a partir de 1991, a CBF assumiu definitivamente a seleção feminina, mas com muito amadorismo. Se fizermos o recorte para o Brasil, o primeiro Campeonato Brasileiro com a chancela e organização da CBF, foi apenas em 2013. Passados três anos dessa conquista, a Conmebol decretou que todo time masculino que quisesse participar da Libertadores e Sul-americana, precisaria ter, até 2019, equipes femininas.
Hoje, as coisas são diferentes, o futebol feminino evoluiu e há mais patrocínio em cima dele. Os jogos estão até sendo exibidos no canal aberto, coisa que há alguns anos era impossível de se pensar. O Mundial feminino, disputado na Austrália e Nova Zelândia, é uma prova desta evolução. São recordes atrás de recordes sendo quebrados e mostrando, não só como as coisas mudaram, como, diferente do que se pensava, futebol feminino dá, sim, audiência e as pessoas têm interesse em assistir.
Na Copa do Mundo feminina de 2023 foram quase 1,27 milhão de ingressos até o fim do evento, uma média de público de quase 36 mil pessoas em cada um dos 35 jogos no país, com uma lotação média dos estádios de 93%. Esses números começaram a ser vistos logo nos primeiros dias da competição, que aconteceu em 20 de julho e se encerrou no dia 20 de agosto.
A partida entre Nova Zelândia e Noruega, que abriu o Mundial, registrou em território neozelandês a maior audiência de um jogo de futebol em mais de 20 anos - entre homens e mulheres. Mais de um milhão de pessoas acompanharam as neozelandesas derrotando a Noruega e conquistando sua primeira vitória em Copa do Mundo após cinco participações. Segundo dados da Fifa, cerca de 39% das televisões ligadas estavam transmitindo a primeira vitória da Nova Zelândia em Mundiais.
O jogo de estreia do Brasil na Copa, diante do Panamá, deu à Rede Globo a maior audiência no horário desde agosto de 2008 e cresceu 100% em comparação com a faixa nas quatro segundas anteriores. Segundo dados preliminares do Kantar Ibope, a Globo registrou 16 pontos com a bola rolando entre Brasil e Panamá, das 8h01 às 9h57, no PNT (Painel Nacional de Televisão). O canal no Youtube do streamer Casimiro também obteve bons resultados. O jogo chegou a ter mais de 1 milhão de aparelhos conectados ao mesmo tempo, na estreia da Seleção.
Despedida de gigantes
O Mundial da Austrália e da Nova Zelândia, o primeiro a ser realizado em dois países ao mesmo tempo, já era cotado como o maior evento, e ele cumpriu com a previsão. Porém, mais do que falar em número, é preciso destacar grandes nomes que sempre foram referências, e que vão continuar sendo, mas não mais dentro de campo. Essa Copa, que marcou um avanço do futebol feminino, mesmo ainda tendo muito a se desenvolver, também foi o adeus de gigantes que lutaram para que a gente visse o que vemos hoje. Marta, do Brasil, Megan Rapinoe, dos Estados Unidos, Christine Sinclair, do Canadá, Wendie Renard, da França, se despediram de suas seleções.
Delas, Marta e Renard não conseguiram nenhuma Copa ou Olimpíada, o que faz o adeus ser o mais doloroso. Todas essas atletas deixaram o Mundial de forma precoce. O Brasil e o Canadá não passaram da fase de grupos, e os Estados Unidos caíram, pela primeira vez, nas oitavas de finais. A França também não conseguiu avançar para a semifinal. Apesar de não ter sido o ‘tchau’ que nenhuma delas desejava, seus legados nunca vão ser apagados e elas vão continuar servindo como referências para todas as gerações, tanto aquelas que já estão atuando, como as que ainda sonham em ingressar no futebol.
A Marta acaba aqui. Não tem mais Copa para a Marta. Mas estou muito grata pela oportunidade que tive de jogar mais uma Copa. Mas, estou muito contente com tudo o que acontece no futebol feminino, que está evoluindo. E do que vem para elas, que é só o começo. Mas para mim é o fim da linha.
Afirmou Marta em sua despedida, no empate do Brasil com a Jamaica.
“É o fim da Copa do Mundo e provavelmente não irei jogar outra Copa do Mundo. Estou deixando o campo, pela última vez, em uma Copa do Mundo”, afirmou Sinclair, em entrevista à “TSN”, após a derrota por 4 a 0 para a Austrália. “As “crianças” estão tomando conta. O que é uma coisa ótima. Muitas jogadoras do nosso time são jovens e talentosas. Eu acho que são 13 ou 14 jogadoras em sua primeira Copa do Mundo, então todas estarão de volta e melhor em apenas quatro anos. É triste. Temos algumas das melhores jogadoras no campo e fora que a Copa do Mundo já viu, Marta e Sinclair. Ser capaz de estar na atmosfera com todas essas jogadoras ao mesmo tempo, foi muito especial. Agora é a hora para seguirmos em frente e as mais novas surgirem. Estamos vendo no torneio e no nosso time. Este é um período de transição. É um futuro muito emocionante para o futebol.”, informou Rapinoe.
O caminho para igualdade entre mulheres e homens, não é fácil e já dura muitos anos, sendo uma árdua missão das mulheres mudarem o olhar de boa parte da sociedade sobre elas. O futebol ainda é um esporte desigual e machista, mas que está dando curtos passos para uma melhora. Os últimos quatro anos foram importantes para as conquistas e avanços, mas ainda há uma grande estrada para pavimentar.
Para mim, como uma pessoa que enfrentou as dificuldades do futebol feminino, como jogadora, e lidou com o preconceito no esporte como jornalista, é gratificante vir aqui após 16 anos do meu ingresso na história do futebol feminino e relatar que hoje já possuem times direcionados só para mulheres, transmissões de campeonatos, patrocinadores pagando a mesma quantia e alguns outros benefícios que até 2005 nem sonhava poder ser possível.
Outro orgulho que carrego comigo, é poder ter participado da cobertura deste Mundial que, não só foi tido como o maior de todos os tempos, como realmente foi. Trabalhar na Copa e ajudar a dar visibilidade para o futebol feminino por meio da minha profissão, é uma sensação de dever cumprido. Não fui uma jogadora que lutou dentro de campo, mas sempre serei alguém que estará do lado de fora lutando para não deixar o futebol feminino voltar a ficar de lado.