O início da temporada futebolística sempre é um grande evento para os amantes de futebol, principalmente competições internacionais. O início da atual temporada europeia nos traz novos desdobramentos da questão política e geopolítica na esfera esportiva, apresentando um fato interessante acerca dos movimentos feitos por países no ambiente internacional e como isso afeta clubes, seleções e atletas de todos os esportes.
Dito isto, o destaque será o campeonato ucraniano de futebol, que surge como alvo de discussão e reflexão acerca dos impactos nas dinâmicas esportivas decorrentes da guerra russo-ucraniana. Especialmente pontuando sobre o FC Shakhtar Donetsk que não recebe jogos em seu estádio em Donetsk desde 2014.
Para entendermos todo contexto é necessário lembrarmos que desde a dissolução da União Soviética em 1991, Rússia e Ucrânia possuem uma relação complexa e por muitas vezes, uma relação tensa até o início do conflito em 2014 e consequentemente em 2022. A guerra russo-ucraniana trouxe consequências catastróficas não só para a região mas abalou o sistema internacional, trazendo novos desdobramentos para conflitos que estavam adormecidos e afetando a economia e o comércio de diversos países.
A guerra russo-ucraniana trouxe impactos inimagináveis para ambos os países, no esporte não seria diferente. A Rússia enfrenta o banimento de todas as modalidades e nenhum de seus atletas podem usar a bandeira russa em nenhum esporte, seja ele de categorias individuais ou de equipes. No futebol, o banimento da seleção nacional e de clubes russos por parte da FIFA e UEFA isolou mais ainda o futebol russo, forçando os clubes a disputarem uma competição alternativa fechada e sem visibilidade por parte do público e da mídia internacional.
Na Ucrânia os grandes impactos foram imediatos, além da onda de refugiados que aumentou consideravelmente nas primeiras semanas, os bombardeios destruíram grande parte de instalações esportivas, residências, estádios e etc. O campeonato ucraniano de futebol e outros campeonatos que estavam em curso foram suspensos logo após a imposição da Lei Marcial na Ucrânia. O deslocamento em massa de atletas estrangeiros afetou os contratos, logo, a FIFA permitiu a suspensão de contratos de atletas estrangeiros que atuavam em clubes ucranianos e russos, o que causou a debandada de jogadores que atuavam em clubes como Shakhtar Donetsk, Zorya Lugansk, Metalist, Dnipro, Dinamo Kiev, entre outros.
Na atual temporada, que se iniciou em julho de 2023 conta com 16 clubes na primeira divisão, os jogos estão sendo realizados em estádios de regiões mais ao oeste do país, próximo da fronteira de países aliados como a Polônia e a Eslováquia o mais longe possível do conflito com a Rússia. A Ucrânia possui um representante atuando nas competições internacionais, o Shakhtar Donetsk que joga a Champions League que manda seus jogos em Hamburgo na Alemanha.
Desde o início da guerra russo-ucraniana, a UEFA decidiu que para a condição de visitado os clubes ucranianos não poderiam disputar jogos em território ucraniano no caso das competições europeias. Logo, o Shakhtar Donetsk que jogou as últimas edições da Champions League precisou fazer alguns acordos para receber os jogos, na temporada 2022/23 recebeu os jogos na Pepsi Arena em Varsóvia na Polônia, e nesta temporada 2023/24 atua na Volksparkstadion, estádio alemão do Hamburg SV.
Porém o Shakhtar Donetsk possui uma história recente de constantes mudanças, e assim como todos os clubes da Ucrânia sofrem desde o início do conflito russo-ucraniano. O Shakhtar Donetsk foi fundado em 1936 na cidade de Donetsk, próximo à fronteira com a Rússia. Como dito anteriormente, Rússia e Ucrânia sempre possuíram uma relação complexa desde o fim da URSS, porém após as crises políticas entre ambos e a anexação da Crimeia pela Rússia em 2014, as relações ganharam novos contornos ainda mais complexos até o estouro do conflito direto entre ambas nações em 2022.
Ainda em 2013, a crise política que assolava a Ucrânia com a onda de protestos por mais integração com a União Europeia e por providências contra a corrupção e interferência russa na economia ucraniana, os protestos pressionaram o até então presidente ucraniano Viktor Yanukovych a ser deposto do poder, o que logo aconteceu após mais de 3 meses de protestos da Euromaidan. Enquanto os protestos da Euromaidan aconteciam em Kiev, na província de Donbass aconteciam protestos pró-Rússia de grupos separatistas, protestos esses que culminaram logo em um embate direto entre os grupos separatistas pró-Rússia e o governo ucraniano. A turbulência política vivida pela Ucrânia durante aquele período deteriorou as relações com a Rússia, e no início de 2014 a Rússia anunciou a anexação da Criméia como parte do território da própria Rússia, o que só piorou a situação política e diplomática entre ambos os países.
O futebol precisou de mudanças em meio a temporada, os fortes protestos em Kiev fizeram com que a UEFA transferisse de Kiev para Nicósia (capital do Chipre) a partida entre Dínamo Kiev e Valencia pela Europa League. A questão política entre ambos os países era preocupante, logo a Federação Russa de Futebol, a Federação Ucraniana e a UEFA optaram que em nenhuma ocasião os clubes ucranianos devem enfrentar clubes russos em competições europeias. Além disso, a UEFA fez algumas mudanças no fluxo de jogos na Ucrânia, decidindo em quais cidades poderiam receber jogos internacionais.
Algumas semanas após a decisão da UEFA, a Donbass Arena, o estádio do Shakhtar Donetsk foi bombardeado, o que destruiu boa parte da estrutura do estádio, dias depois houveram bombardeios no centro de treinamentos e invasões na sede do clube, não houve registros de feridos e mortos. A cidade de Donetsk vive nestes 10 anos um clima de guerra desde então, de um lado grupos separatistas de maioria russa que dominam a região estão em confronto com o governo ucraniano desde 2013, o confronto se acentuou ainda mais após 2022. As constantes revisões nos regulamentos da UEFA para competições internacionais passou a ser em todos os anos, principalmente no que se diz respeito aos sorteios de clubes e seleções russos e ucranianos nas competições internacionais.
A equipe do Shakhtar Donetsk precisou abandonar a cidade de Donetsk para proteger seus funcionários, jogadores e seus familiares e para dar continuidade aos jogos do campeonato ucraniano. O clube se viu forçado a mudar-se para Lviv, ao extremo oposto de Donetsk, porém a situação do clube era incerta, em 2016 o clube anunciou a construção do CT em Kiev. Entre 2017 e 2020 o clube atuou em Kharkiv, cidade mais ao norte da Ucrânia, algumas horas distante de Donetsk, e ao final da temporada 2019-20 o clube pôde atuar em Kiev, sendo sua última mudança até os dias atuais, para receber jogos do campeonato ucrâniano a equipe pode atuar em Kiev mas para jogos não só do Shakhtar, mas como de outras equipes na Champions, Europa League e Conference League devem ser mandados fora da Ucrânia, como dito anteriormente.
A história recente do Shakhtar Donetsk é uma das tristes histórias no futebol. Para a torcida que não pôde sair de Donetsk, fica a esperança de dias melhores para que todos consigam ver o clube do coração retornar e atuar em sua casa novamente.