Do fundo das cabanas da humilhação
Me levanto
Do fundo de um pretérito enraizado na dor
Me levanto
Sou um oceano negro, marulhando e infinito,
Sou maré em preamar
Para além de atrozes noites de terror
Me levanto
Rumo a uma aurora deslumbrante
Me levanto
Trazendo as oferendas de meus ancestrais
Portando o sonho e a esperança do escravo
Ainda me levanto
Me levanto
Me levanto.

(Maya Angelou, Still I Rise)

Dois países com um passado vergonhoso de escravidão, Brasil e Estados Unidos encontraram redenção e orgulho recentemente, quando duas mulheres negras subiram ao pódio em uma competição de ginástica artística. Rebeca Andrade, do Brasil, conquistou o ouro, enquanto Simone Biles, dos Estados Unidos, ganhou a prata. Inicialmente, Jordan Chiles, também americana, havia conquistado o bronze, mas, após uma reavaliação das notas pelo Tribunal Arbitral do Esporte (TAS), a medalha foi transferida para a romena Ana Barbosu, e Jordan foi ordenada a devolver sua medalha.

Este feito ainda histórico não apenas destaca a excelência esportiva de Rebeca e Simone, mas também simboliza uma vitória contra um passado de opressão e um presente ainda marcado por desafios raciais. Jordan Chiles, embora tenha perdido sua medalha, continua sendo uma promessa do esporte e sua trajetória é um exemplo de superação e força.

O passado vergonhoso compartilhado

Brasil e Estados Unidos têm uma história dolorosa de escravidão que continua a repercutir nas sociedades contemporâneas. A escravidão no Brasil foi oficialmente abolida em 1888, tornando-o o último país das Américas a fazê-lo. Nos Estados Unidos, a escravidão foi abolida em 1865 após uma brutal Guerra Civil. Ambos os países ainda enfrentam as consequências dessa história, com desigualdades raciais profundas e um sistema estrutural que frequentemente desfavorece as pessoas negras.

Neste contexto, a ascensão de Rebeca Andrade e Simone Biles ao topo do pódio é especialmente significativa. Essas atletas não apenas desafiam as probabilidades em um esporte que historicamente tem sido dominado por pessoas brancas, mas também se tornam símbolos de resistência e superação para milhões de pessoas ao redor do mundo.

Rebeca Andrade: o ouro do Brasil

Rebeca Andrade, com sua elegância e força, conquistou o primeiro lugar, trazendo o ouro para o Brasil. Rebeca, que superou inúmeras lesões ao longo de sua carreira, é um exemplo de perseverança e determinação. Sua vitória é um marco não só para o esporte brasileiro, mas também para a representação negra em áreas tradicionalmente exclusivas.

Rebeca vem de uma origem humilde em Guarulhos, São Paulo, e começou sua carreira de ginasta em um projeto social. Sua vitória é um poderoso lembrete de que o apoio às comunidades carentes pode resultar em conquistas extraordinárias. Em 2021, Rebeca fez história ao se tornar a primeira ginasta brasileira a ganhar uma medalha olímpica na ginástica artística, e sua vitória recente reforça ainda mais seu legado.

Simone Biles: A rainha da ginástica

Simone Biles, frequentemente considerada a maior ginasta de todos os tempos, continua a impressionar o mundo com sua habilidade e graça. Com sua medalha de prata, Biles reforça sua posição como uma lenda do esporte. Além de suas conquistas atléticas, Simone tem sido uma defensora aberta da saúde mental, inspirando outros atletas a priorizarem seu bem-estar.

Simone tem tatuada em seu corpo a frase Still I Rise, título do icônico poema de Maya Angelou, que celebra a resiliência e a capacidade de superar adversidades. Esta tatuagem simboliza sua própria jornada e luta contínua.

Jordan Chiles: uma trajetória de superação

Embora Jordan Chiles tenha sido inicialmente uma das medalhistas deste pódio histórico, sua medalha de bronze foi posteriormente contestada. O Tribunal Arbitral do Esporte decidiu em favor da ginasta romena Ana Barbosu, que recebeu a medalha após uma reavaliação. Ainda assim, a jornada de Jordan Chiles não deve ser esquecida. Jordan superou inúmeros desafios em sua carreira e continua a ser uma grande promessa da ginástica artística. Sua trajetória ilustra a importância da perseverança e do trabalho árduo no esporte de alto rendimento.

Uma vitória contra a opressão

Estas vitórias — e a jornada de superação de Jordan — são declarações poderosas contra a opressão e o racismo sistêmico. No Brasil, onde a discriminação racial ainda é prevalente, a vitória de Rebeca Andrade é um farol de esperança para milhões de meninas negras que aspiram alcançar o sucesso em qualquer campo. Nos Estados Unidos, as conquistas de Simone Biles ecoam de maneira semelhante, reforçando a mensagem de que as barreiras impostas pela sociedade podem e devem ser quebradas.

Como Angela Davis afirmou: “Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”. As conquistas de Rebeca, Simone e Jordan (mesmo sem o bronze) nos lembram da importância de manter as pautas de raça e gênero em destaque. Suas histórias são poderosos lembretes de que a luta por justiça e igualdade deve ser constante, e que cada vitória, seja no esporte ou na vida, é um passo crucial para um mundo mais justo e inclusivo.