Sou Historiadora formada pela Universidade Veiga de Almeida, especialista em História e Cultura Afrodescendente pela PUC-Rio. Atualmente, trabalho com Treinamento e Desenvolvimento (T&D) com foco em Diversidade e Inclusão (D&I).
Meus pais, cada um com suas origens e influências, moldaram diretamente minha jornada. Meu pai, um baiano exigente com os meus estudos e apaixonado pela gastronomia regional, cultivou em mim a paixão eclética pela música, da MPB passando pelo blues ao jazz, e minha fascinação pelo cinema. Enquanto minha mãe, uma campista de criação rigorosa e expressiva, compartilhava com meu pai o apreço pela culinária interiorana, bem como o amor pela elegância e pela sofisticação expressos na estética pessoal.
Desde pequena, fui incentivada a explorar diferentes formas de expressão. O apreço pela leitura, pela escrita e pela arte foi introduzido em minha vida ainda pequena, através dos quadrinhos da Turma da Mônica, do cinema blockbuster infanto-juvenil dos anos 90 e da influência do mundo analógico que transitava lentamente para novas tecnologias no entretenimento infantil. Me recordo de colocar papel manteiga por cima dos quadrinhos e contornar o formato dos personagens com canetinhas coloridas. Entre os meus brinquedos havia bonecas, bolinhas de gude, instrumentos musicais de plástico e bambolês. Ao mesmo tempo, sou da geração que exibia toda faceira um Tamagotchi - um animal de estimação virtual – e jogava Super Mario World quando chegava da escola.
Assisti aos desenhos clássicos da Disney no cinema. E isso, caro leitor, era um senhor evento. O investimento em produção, trilha sonora com orquestras fabulosas, compositores renomados e cantores considerados verdadeiras lendas, como Whitney Houston, Mariah Carey, Elton John entre outros, proporcionavam uma riqueza cultural para crianças das décadas de 80 e 90. Eu adorava ir às exposições de arte do CCBB, fazia parte do coral da escola, amava participar das peças de teatro e apresentações de dança. Atribuo a essa infância rica em referências o meu apreço pelos temas que escreverei aqui em minha coluna.
Tive a sorte de receber uma criação diferente daquilo que meninas habitualmente experimentam. Eu não fui criada para ser dona de casa, embora tenha recebido instruções de como me portar, me sentar e me vestir. Mas a cozinha de casa não tinha gênero e a boa aparência e o zelo com a casa eram preocupações que não eram legadas apenas às mulheres. Sabemos que em uma família preta periférica, a boa aparência tem outros contextos, mas posso dizer que nunca comi uma moqueca de peixe melhor do que a do meu pai. Essa reflexão será uma base importante para os temas de pesquisa que perseguirei como pesquisadora.
Sou a caçula entre sete filhos de pais que não puderam concluir o ensino fundamental e que, apesar das dificuldades, regaram em mim a semente que quebraria todo um ciclo de falta de oportunidades e me tornaria uma mulher livre, questionadora, criativa e dona de um repertório diversificado de experiências. Nascida e criada no Complexo do Alemão, um dos maiores conjuntos de comunidades do Rio de Janeiro, posso afirmar que sou a prova viva de que a educação, a arte e a cultura têm o poder transformador de resgatar vidas e promover esperança. Me considero privilegiada pela oportunidade de brincar e estudar, num contexto em que meninas da minha idade já eram mães e/ou precisavam trabalhar para ajudar em casa.
Em 2013, com o apoio da minha família e minha própria determinação, tracei meu caminho rumo à universidade e conquistei uma bolsa integral através do Programa Universidade para Todos (ProUni). Mergulhei de cabeça nos estudos da história e da cultura brasileira, em especial a história do negro no Brasil. Cada descoberta, cada pesquisa, era como desvendar um novo capítulo da nossa rica e complexa história, que muitas vezes é invisibilizada nas narrativas oficiais.
No mesmo ano, assumi a posição de Coordenadora de Projetos Sociais no projeto Albergue da Comunidade no Vidigal e no Complexo do Alemão, executando iniciativas que visavam proporcionar uma fonte de renda adicional aos moradores locais, por meio da gestão de aluguéis por temporada de quartos e casas. Essa experiência foi marcada pela promoção de intercâmbio cultural e social entre moradores e hóspedes, além de oportunidades de aprendizado de novos idiomas. Posteriormente, em 2016, ingressei como colaboradora do Meninas Black Power, um coletivo comprometido com o empoderamento de meninas e mulheres negras, incentivando a valorização de sua estética natural, em um contexto em que essa abordagem ainda carecia de ampla difusão.
A partir dessa experiência, impulsionada também por um confronto pessoal da minha própria estética – marcada por anos de uso de alisantes, permanentes, tranças e apliques que mascaravam o meu fio crespo – e da minha vivência na favela observando mulheres, principalmente negras, experimentando condições extremas de adversidades, decidi me aprofundar nos estudos de gênero, raça e desigualdades sociais. No decorrer da graduação, conquistei uma bolsa integral para estudar Políticas Públicas e Justiça de Gênero pelo Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (CLACSO) e integrei a equipe de pesquisadores assistentes no Programa de Iniciação Científica (PIC) da Universidade Veiga de Almeida, atuando no setor de História e Relações Internacionais. Ao longo desse período, desenvolvi habilidades analíticas e de pesquisa, contribuindo significativamente para a compreensão crítica das dinâmicas geopolíticas contemporâneas.
Recebi um convite especial de Karina Vieira, integrante do coletivo Meninas Black Power e atual roteirista no Afetos Podcast, para substituí-la em uma mesa no Núcleo de Estudos de Políticas em Direitos Humanos (NEPP-DH) da UFRJ. Foi incrível ser palestrante convidada da mesa "Mídia e Opressões de Gênero, Raça, Sexualidade e Orientação Sexual" no IV Curso de Extensão Mídia, Violência e Direitos Humanos. A experiência internacional nos estudos de gênero, associada à experiência adquirida na pesquisa e na arguição do tema, me permitiram concluir a graduação com nota máxima na monografia intitulada "Mulheres Negras nas Américas: o olhar interseccional de Angela Yvonne Davis", em que analisei a situação social de mulheres negras no Brasil e Estados Unidos através de fontes primárias oficiais de ambos os governos.
Ao longo dos anos, adquiri experiência como palestrante e facilitadora de treinamentos corporativos sobre diversidade racial e questões de gênero em universidades, ONGs, empresas e Institutos de pesquisa. A convite de André Sena e Luciene Carris, escrevi o capítulo "Questão de Cor e de Gênero no Brasil e nos Estados Unidos: uma perspectiva comparada interseccional em tempos de crise internacional" no livro "Iselu Agbayê: 11 jovens vozes negras discutindo política e relações internacionais" (Metanoia Editora, 2022). Tive a honra de apresentá-lo em entrevista ao Jornal O Globo e na FLUP 2023. Concluí minha especialização na PUC-Rio abordando o tema D&I na saúde.