O despoletar da Primavera Árabe foi um acontecimento importante no mundo da política e das relações internacionais, no entanto, o ano de 2010 e as implicações que estas ocorrências tiveram, principalmente no raio de ação em que se sucederam, parecem estar condenadas ao esquecimento. Quando o desfecho não é exatamente aquele que se projetou, os apoios tendem a ir escasseando e as atenções - políticas, económicas, mediáticas - acabam por se virar para outros quadrantes do globo.
A esta onda revolucionária de manifestações e protestos de ordem política, cultural e económica que se sucedeu no Médio Oriente e no Norte de África, com génese na Tunísia, a 18 de dezembro de 2010, deu-se o nome de Primavera Árabe.
Estes movimentos de ordem social tiveram lugar em diferentes Estados, nomeadamente as revoluções no Estado tunisino e no Egito, a guerra civil na Líbia, e grandes protestos na Argélia, Bahrein, Djibuti, Iraque, Jordânia, Síria, Omã e Iémen. Complementarmente, são dignos de nota, ainda que em menor escala, os protestos no Kuwait, Líbano, Mauritânia, Marrocos, Arábia Saudita e Sudão.
Neste período de instabilidade regional, e como consequência natural destes movimentos, três chefes de Estado foram depostos e vários líderes anunciaram a sua intenção de renunciar ao poder. O presidente do Iémen, Ali Abdullah Saleh, declarou que não tentaria a reeleição prevista para 2013, terminando o seu mandato de 35 anos. Do mesmo modo, o presidente do Sudão, Omar al-Bashir, anunciou que não seria candidato às eleições de 2015 (apenas abandonou o poder em 2019).
Na Tunísia, epicentro desta revolução, as principais causas apontadas como originadoras do fenómeno foram a alta taxa de desemprego (com grande expressão nas faixas etárias mais jovens), a elevada taxa de inflação, a corrupção, a falta de liberdade de expressão e o facto de grande parte da população viver no limiar da pobreza. Estes fatores conduziram ao processo que culminou na queda do presidente tunisino, Zine El Abidine Ben Ali (que fugiu para a Arábia Saudita a 14 de Janeiro de 2011) e nas primeiras eleições livres tunisinas desde a sua independência em 1956.
Observando o Egito, o despoletar deste movimento surgiu no mesmo contexto da Tunísia, juntando-lhe ainda alegadas fraudes relativas ao processo eleitoral. O presidente Hosni Mubarak renunciou ao mandato no dia 11 de fevereiro de 2011, após 18 dias de protestos em massa, terminando o seu longo mandato de 30 anos.
No Estado líbio, acresce aos demais fatores enunciados uma grande discrepância de natureza étnica, fonte de várias rivalidades. Há que ter em conta que os rendimentos proporcionados pelo petróleo e o facto de a população ser reduzida, faz com que este país tenha um dos maiores rendimentos per capita de África. Existe, contudo, uma deficiente distribuição desses rendimentos. As classes mais baixas têm dificuldades na obtenção de alimentos devido, também, a restrições nas importações. A Líbia é um dos exemplos de um Estado que não teve qualquer tipo de benefício com o surgimento da Primavera Árabe, bem pelo contrário: assolada por Guerras Civis, Resolução 1973 do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) - proibição de viagens e o congelamento de ativos no exterior -, embargo comercial e de venda de armamento por parte do Conselho Europeu, intervenção militar da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN/NATO) e ainda a deposição e assassinato do presidente Muammar al-Gaddafi. Atualmente o governo do país ainda se encontra a cargo do Conselho Nacional de Transição (CNT).
A “revolução democrática” é considerada como a primeira grande onda de protestos laicos e democráticos do mundo árabe no século XXI. Os protestos partilharam técnicas de resistência civil e campanhas sustentadas que envolviam greves, manifestações e comícios, bem como o uso de algumas redes sociais, como o Facebook, Twitter e Youtube, para organizar, comunicar e sensibilizar tanto as populações locais como a comunidade internacional.
Após o aparente sucesso das revoluções na Tunísia, Egito e Líbia, os media ocidentais consideraram, quase unanimemente, a Primavera Árabe como uma forma de “protesto democrático”. Quaisquer contestações que fossem contra os regimes instalados nos países já mencionados, eram vistas como expressões de democracia, sem qualquer tipo de análise específica no que concerne às suas ideologias base. No entanto, a realidade é que muitos dos incidentes que acabaram por se verificar provinham de um flagelo bem mais profundo, em que a ascensão de um Islão político e a recuperação das sociedades islâmicas nos mundos Árabe e Muçulmano eram fatores a considerar e que acabaram por se verificar corretos, como o demonstraram alguns dos Estados em questão (ex. Egito).
Apesar de a Primavera Árabe ter apresentado um conjunto de fatores refrescantes e ter contido a semente suscetível de introduzir a democracia em regiões anteriormente resistentes à mudança, é fundamental que todo este processo seja sempre analisado com alguma reserva. É necessária uma visão mais alargada de todo o movimento sem qualificar as ideologias políticas com base em análises binárias do tipo “bom vs. mau” ou “democracia vs. autoritarismo”.
A Primavera Árabe alterou drasticamente os pratos da balança de poder na política do Médio Oriente. Apesar dos seus resultados efetivos terem ficado aquém do que era espectável, é possível observar que se registou uma mudança dos sistemas de segurança da região. Ao longo dos séculos, a chamada região MENA (Middle East and North Africa) tem sido palco de uma conflitualidade permanente. Porém, ao analisarmos os principais problemas securitários na região, não é o conflito entre os Estados que a compõem que coloca mais desafios à sua segurança. O principal problema de segurança decorrente do movimento em apreço deve-se à elevada complexidade dos problemas estruturais dos países que integram a região MENA.
Juntamente com a instabilidade política resultante da queda dos antigos regimes, há que considerar que estes países se caracterizam por um elevado nível de desemprego jovem, um aumento significativo da população, um historial de “Estados Fracos/ Falhados” e a existência de estruturas de segurança que se focam mais na repressão do que no objetivo de proteger as populações. Deste modo, os avanços no sentido democrático e a tentativa de respeito pelos direitos humanos não são elementos suficientes para alcançar a segurança na região em questão.
De forma a melhorar a segurança interna e, consequentemente, a segurança regional, é necessário eliminar ou neutralizar os elementos potenciais de perturbação resultantes, não apenas de um movimento revolucionário mas, também, das próprias características intrínsecas da sociedade. Continuam a ser necessárias mais reformas que permitam criar Estados fortes, capazes de proporcionar segurança às suas populações e de agir no sentido de combater a iniquidade própria das sociedades em questão, contribuindo para uma estabilização interna e institucional.
Nesse sentido, é possível observar alguns avanços a nível da segurança na região. A Tunísia, a Líbia e o Egito demonstraram empenho no aumento dos controlos fronteiriços e na cooperação entre Estados, de modo a combater o terrorismo e o crime organizado. No entanto, a estabilidade e a segurança na região dependem, não apenas da cooperação entre os Estados mas também do sucesso em lidar com os seus problemas estruturais internos.