Estava um jovem lobo acinzentado, de peito estufado e narina para cima, com olhos cor de mel fixos no crepúsculo que sondava o lugar, sob uma pedra quase da cor dele. Em sua mente ressoava – dormir ou caçar? comer, dormir, chorar ou surtar? Dormir é que não vai dar. Em prontidão observava e esperava a noite chegar, porque esse era seu terrível foco.
Próximo à pedra, uma pequena casa. Nela, chão sujo e íngreme, vermelho cor de sangue, com uma cama, banheiro, mesa e cadeiras, além de corpos incontavelmente destruídos no chão.
Nada disso satisfez o lobo, que até de dentes limpos da carnificina já estava, e ainda assim considerava-se insaciado.
Mas ainda havia uma outra vida acinzentada, em cima do telhado — um gato que deitado observava tudo calado, porém logo falou ao lobo:
“O que esperas?”
O lobo, pouco interessado e sem desviar o foco do que idealizava acontecer ao sol se pôr, não respondeu. Mantinha-se com seu habitual semblante, sem piscar as pálpebras. Para ele qualquer vida animal era inferior. O gato então bocejou e indagou:
“O que te espera então?”
O lobo rude e imóvel, não respondia. O gato, não importando-se com as razões das quais aquele lobo usou para dar como resposta à sua pergunta, olhou serenamente a lua começando a brilhar e pensava em como poderia descer do telhado sem correr riscos.
Aquele gato temia o medo, a morte e o lobo ao mesmo tempo em que tinha pena deste último. No fundo, o gato sabia que jamais o lobo iria alcançá-lo no telhado ou em qualquer local mais alto do que ele.
Subitamente, como flecha disparada de um arco, o lobo saiu do chão. O gato, que não estava aquém dos movimentos do lobo, desceu do telhado e seguiu os passos do lobo.
Bobo que não era, subiu em árvores e decidiu nelas manter-se, evitando qualquer proximidade com o lobo. Em meio aos galhos espessos, o gato ouviu um uivo – que soava como um pedido de socorro. Ao sair detrás das folhas das árvores, avistou o lobo e preso em uma armadilha — a boca de lobo. O gato, que queria rir, aproximando-se dele disse:
“O que esperava?”
Possuído pela fúria, com sangue nos olhos e na voz, o lobo decidiu que nem ali, na hora da morte, iria falar com aquele gato estranho. Mesmo assim, frente a frente do lobo, o gato sentou-se, levantou a sobrancelha e falou:
“Ainda assim, não vai me dizer nada?”
Antes de o lobo pensar em alguma resposta, os dois animais ouviram vozes humanas que diziam as direções para encontrar o que se havia capturado.
O gato em um piscar de olhos se escondeu, o lobo mesmo firme, se estremeceu e seu semblante mantinha-se em alerta.
Dois homens saíram de dentro dos arbustos e ao se depararem com a cena e olharem para o lobo naquele estado, mostraram-se decepcionados. Os homens se olharam e um deles disse:
“Tanto tempo esperando e é isso que nos aparece” “Esse lobo nos fez perder uma boca de lobo” – disse um deles rindo “Quem diria, o lobo morreu pela boca dele mesmo” – o outro concordava e também ria “Não trouxemos armas, vou pegar, já que o urso não apareceu” – disse o primeiro, e logo saiu
O lobo por dentro grunhiu. estava inútil, desolado e afastado de todos – assim como sua vida que passava diante dos seus olhos.
Ele não esperava a morte agora. Não na hora em que a noite, (“a minha hora”, ele pensava) estava bem ali, do lado dele ali fora.
Também pensava com angústia e desacreditado de que o corpo dele cederia agora depois de mais de vinte anos sobrevivendo de armadilhas.
“Eu não estou esperando nada” – pensava o lobo em silêncio
Um dos homens que ficou onde o lobo estava, o olhou com vontade de rir e disse:
“Hoje não foi seu dia lobinho, um dia caçador e outro dia você é a caça!” – gritou e chutou o lobo para longe
Arremessado pelo chute, o lobo começou a uivar por não aguentar a dor. Ele estava apenas esperando a morte. Aquele homem mais uma vez indo de encontro ao lobo para chutá-lo, ouviu um grito e vários gemidos de seu colega e não entendeu.
Antes que o homem fosse verificar o ocorrido, eis que seu amigo surge com uma aparência assombrosa – sujo de sangue, roupas rasgadas e com a cabeça cortada ao meio como se alguém o tivesse usado de laranja, e por fim um de seus olhos sangrava.
Seu corpo, cansado de resistir caiu de frente ao seu amigo, que começará a gritar por socorro. O lobo já aceitara sua condição mesmo sem esperar o que havia acontecido em sua frente. O homem, que nada tinha entendido, pegou a arma do bolso do amigo e atirou para cima dizendo:
“Malditos sejam esses animais selvagens e sua selvageria!” – gritou e atirou várias vezes nas copas das árvores ao redor Os pássaros e morcegos voavam para longe enquanto este homem rasgava os céus escuros com balas e palavrões.
Ainda de joelhos e olhando para o céu, algo pulou no rosto dele, arrancando-lhe os olhos e desfigurando tanto o rosto, quanto o espírito dele.
O homem, incrédulo do que estava acontecendo, incapaz de reagir a qualquer movimento e derrotado, caiu para trás próximo ao corpo do lobo que olhava para a cena descrente, porém em alerta para o que lhe poderia acontecer.
“Ainda sem esperar algo?” – disse a criatura que havia derrotado os homens
O lobo não conseguia acreditar que aquele mísero gato estranho, de baixa estatura, magro e estranho, teria feito tamanha atrocidade.
“Um dia é o da caça e outro, o do caçador. Uma coisa te digo, lobo: depois de punir e vigiar, duvide dando passos para trás” – disse o gato, lambendo as patas sujas de sangue
O lobo continuou sem dizer uma palavra para o gato. Só sentia dor, esperava a morte e estava, agora, temendo que o gato finalizasse sua vida ali. o gato sorriu e disse:
“O gato comeu sua língua ou você morreu na boca do lobo?” “Por que você me ajudou?” – disse o lobo
O gato, que finalmente conseguira fazer o lobo falar, sorriu. O lobo movido pela fúria, xingou o gato e gritou:
“E o que você está esperando?”
O gato miou e saiu do cenário, desaparecendo nos arbustos que faziam barulhos e soltavam folhas, restando o os olhos amarelos do lobo no breu.
O lobo, que esperava palavras, só obteve silêncio que engoliu a seco. No fim, ele sabia que não iria adiantar esperar até o amanhecer para ver outra noite como essa acontecer.