A ilusão da perfeição é enorme, gigante e por vezes suprema. Vivemos na ilusão da perfeição e sonhamos numa utopia generalizada. Somos tentados a dar de nós o melhor, mesmo sem esse melhor vir sequer de nós, mas por uma ilusão perfeita de vidas que não são nossas e muito menos ideais. São ilusórias.
Baixamos o nosso timbre de voz ou somos apelidados de peixeiros. Alteramos o nosso vocabulário para coisas que nem 2023 incluiu no dicionário. Trocamos as nossas roupas intemporais para roupas de moda com um gosto sazonal. Gastamos dinheiro que não temos, porque a nossa mentalidade o pede. Somos transformados em robôs, seres automáticos e cada vez mais incultos, contrariando todas as nossas capacidades. Transformamos a nossa vida num oito, num loop de criação de desejo que nos tira tempo de vida precioso para os nossos objetivos. Enquanto vivemos a vida do vizinho do lado, a nossa passa a anos de luz de nós. Perdemos consciência num sonho, enquanto desejamos ser alguém que não somos, perdemos capacidades de investir. Não estamos a investir em nós nem nas nossas prioridades. Esgotamos os nossos recursos e os dias deixam de fazer sentido, não são vividos por nós.
Alteramos o nosso penteado, porque não está aceitável. Pintamos as unhas, porque estão simplistas demais. Fazemos sobrancelhas e compramos maquilhagem cara, partilhamos dicas de influenceres, e desejamos ser quem não somos. Colocamos base para tapar borbulhas e pontos negros, nem sempre por querermos, mas porque os filtros não permitem. Tudo isto, porque deixamos que a nossa imagem mande mais do que a nossa voz.
Ignoramos a nossa pronuncia da terrinha, que tanto orgulho nos trás. Escondemos hábitos religiosos, livros que lemos por vergonha da infantilidade ou adultez. Perdemos a nossa identidade por uma beleza instagramável. Vivemos uma vida de arquétipos perfeitos e esquecemo-nos que a beleza começa na nossa diferença pelo outro.
E somos enganados. Não sabemos quem somos, o que gostamos ou queremos. Vamos na onda de imaginação do conhecido, porque ele sabe, ele tem popularidade, bom emprego e dinheiro. E para a grande população, esse é o sábio, o exemplo de vida a seguir. Seguimos contas de redes sociais com vidas perfeitas e desejamos alcançar o mesmo, mas com tanto desejo esquecemo-nos do caminho que um dia nos poderá levar aos nossos objetivos. Se não o fizermos por nós, ninguém nunca o irá fazer.
Sonhamos com coisas que na verdade não queremos, achamos que temos desejos quando no fundo são gerados no nosso subconsciente por forças que não sabemos ainda lidar. Queremos ter um feed de Instagram bonito, comer taças de fruta e aveia organizada pela manhã, enquanto o sol bate radiante numa pele jovem e tratada. Achamos que o que mais queremos é receber mais de 10.000 likes numa foto e que isso dará sucesso e futuro. Dizemos que queremos um carro novinho em folha, quando não estamos dispostos e nem podemos pagar o custo e manutenção do mesmo.
Achamos que queremos tanto que nos esquecemos que somos felizes e nem sabemos. Que acordar em cima da hora e comer uma mera taça de cereais, correr para o transporte ou buzinar com quem estorva na estrada também nos preenche de certa forma. Que chegar 5 minutos mais cedo ao trabalho não deixa de ser uma forma de romantizar o nosso dia, e beber o cafezinho na hora de almoço numa chávena “feia” também tem o seu lado belo. Enquanto for mais importante registar o esteticamente bonito do que deveras o real, a vida não passará de uma peça de teatro em exibição na cidade.
Com tudo isto, fixamo-nos em ecrãs e esquecemos as cores reais. O azul do céu, o castanho da terra e o verde da relva. Quando finalmente viajamos, gravamos todos os segundos na memória do telemóvel, com medo de esquecer algum detalhe, mas continuamos a viajar e ver as vistas num ecrã. Porque a nossa prioridade é registar e mostrar, que acabamos por vivenciar momentos lindos atrás da câmara do telemóvel. Entre nós e o palco está um obstáculo. E aí preferimos ver, em vez de olhar. Assim, o telemóvel envia a notificação do dia, mais uma média de 5h gastas por dia em frente do ecrã, fora as que não são contadas em frente a todos os outros equipamentos que perfazem as nossas vidas.
Mais tarde, infelizmente após alguns invernos chuvosos, e verões insuportáveis, damos conta, o que nem sempre é possível, que imensas primaveras fugiram das nossas janelas. Tempos só com uma letra V, vão e não voltam mais. São várias as voltas que o sol deu e a lua que imensas visitas à Terra concluiu. A velhice bateu à porta e estamos sentados num sofá já amolgado de tanto uso a ver programas da tarde para encher o tempo. A saúde voou com o vento e o que vai não volta mais. E assim, ... a busca pela perfeição, virou um estilo de vida que não nos completa. Fez-nos perder a nossa oportunidade na Terra por uma cultura de aparências.