Olhar para dentro e para fora é um exercício que dá expressão a nossa identidade. Quando estamos falando de crianças pequenas, essas que estão iniciando sua vivência escolar, que estão mergulhando em um universo novo, desconhecido, porém interessante, instigante, um espaço de convivência e de muitas oportunidades de ser e aprender.
Para que esse ser seja efetivamente completo, inteiro, é necessário trocar o eu pelo nós. Nesse caminho a visão fica mais ampla capaz de transformar e ser transformado, de se entender como parte do todo, constituindo-se, dando continuidade ao processo de se fazer gente.
Essa construção está completamente ligada à família, escola e a toda comunidade.
José Pacheco diz:
É por meio da construção do vínculo pedagógico que o professor, por sua vez, constrói um lugar psíquico no corpo do aluno. A construção do lugar psíquico no ato de educar o outro por parte do professor é importante, porque permite que o aluno internalize a sua imagem de forma afetiva, ou não, tendo esse modo a possibilidade de significar o seu processo de aprendizagem de forma amorosa e afetiva.
Sustentar essa postura partindo do educador é um movimento de entender o entorno. Dar sentido não é somente olhar, e sim decifrar esse corpo, essa fala, esses movimentos, ter escuta. Caso contrário, não conseguiremos compreender o coletivo, o contexto será findado de forma rasa, superficial.
O corpo fala, basta estarmos atentos a essa comunicação, a essa linguagem diferente. Permanentemente vamos aprendendo e reconhecendo formas variadas de ler o mundo e a criança, para isso é necessário esvaziar-se de si, descontruir-se para se mostrar inteiro, conectado.
O poder da fala das crianças está completamente entrelaçado como validamos essa atitude. Consideramos? Paramos para olhar? Buscamos entender? Ou, simplesmente deixamos passar por estarmos completamente alienados e evolvidos com trabalho, problemas e dia a dia? Assim, somos levados pelo automático, ficando na nossa zona de conforto.
Viver o despertar, o despertar para o agora, para o presente dessa primeira infância, olhando como um terreno fértil, é como se fosse um mergulho em profundas águas, como o rio que segue seu curso com extrema abundância e variados caminhos. Assim são as crianças, cada uma com sua fala própria, com seus medos, pensamentos, sonhos. Nutrir esses rios é estabelecer fortalezas, é influenciar positivamente trajetórias de vida.
Infelizmente nosso sistema é deficiente, cheio de estereótipos e preconceitos. Ainda hoje é difícil entender que a transformação não é unicamente escolar e sim nos diversos espaços políticos, culturais e sociais.
Como diz Manuel de Barros:
Aprender é desaprender, para vencer o que nos encerra e aliena. Tudo que é meramente transmitido tem pouca influência no comportamento da pessoa. Os conhecimentos que podem influenciar os conhecimentos do indivíduo são os que ele próprio descobre e de que se apropria. Enquanto ato intencional, que caracteriza uma existência digna a cidadania é uma técnica de vida.
Basicamente, dar sentido, ter contexto, significado. Ter enraizado no seu ser, no seu íntimo essa visão ou melhor, missão, tira o indivíduo da zona de conforto e o provoca, o coloca a pensar na sua própria existência, na sua essência, na criança que um dia foi ou a que o habita.
Essa clareza se concretiza a partir de uma visão libertadora, ampla, sem antolhos limitadores. Essa humanização acontece com gestos de amor e coragem, reestabelecendo assim novas práticas favoráveis a formação de seres humanos.
À medida que o mergulhar para seu próprio eu e o do outro acontece, aperfeiçoa-se o olhar crítico, pesquisador, inventor pelo viés da ação, dos sentidos.
Acreditar que o corpo é morada, é marcado por experiências, saberes, percursos, comportamentos. Nele povoam linguagens de muita intimidade, impregnadas desde o ventre, da formação, assim a personalidade é construída e o movimento do mundo é visto entendido por uma outra ótica. É com esse entendimento, uma mistura do concreto com abstrato que o eu vai se compondo, vai tomando grande proporção nesse corpo que urge para a transcendência de seres diversos, compreensivos, respeitosos.
O que vai fora de mim contamina, permeia, alimenta, transforma e ressignifica afetando o outro, convidando-o a olhar para si e para o todo. O convite é feito buscando potencializar o que há de positivo, buscando em nossa história escritas especiais, nas infâncias que nos acompanham, que nos constroem, nas infâncias que somos, viver de forma profunda, digna, pois todas as crianças têm esse direito, de viver no seu tempo, de conhecer o mundo e todos os territórios à sua volta.