No Brasil e no ocidente em geral, nós fomos educadas a entender os conceitos de progressão e de acúmulo como parte de uma narrativa de sucesso na vida. Era aconselhado o máximo esforço para alcançar objetivos pessoais, frequentemente relacionados a dinheiro e status, a superação de obstáculos, até chegar ao topo, quando descansaremos na sombra. A família construída seria o propósito e o roteiro seria justificado pela construção do patrimônio.
Os ensinamentos védicos entendem a vida sob outro viés, relacionado ao grau de liberdade dos indivíduos na sua busca pela libertação dos ciclos de samskaras. De acordo com os Vedas, artha, traduzido livremente como base material para garantir o sustento do corpo, é importante, mas não é a finalidade da nossa existência. Embora o propósito de cada existência seja único, o empenho de todos seria uma relação harmoniosa com a realidade como ela se apresenta, sem distorções e enganos. As recompensas pelo empenho não serão a sombra e o descanso, mas a expansão da consciência e a transformação do ser. A vitalidade seria uma característica a ser cultivada, um cuidado da integração corpo e mente.
A partir da interpretação do meu professor de Yoga, Diego Koury, a vitalidade pode ser entendida como a nossa capacidade de estar disponível para viver com inteireza e com leveza. Após viver uma experiência de forma profunda, saber estar disponível para a próxima e, assim, evitar que os condicionamentos do passado guiem as novas experiências. Eu interpreto que uma pessoa com vitalidade tem coragem para se lançar ao desconhecido e vontade e curiosidade de viver. Em casos de doença, temos a nossa vitalidade testada.
Eu devo pontuar que não há imparcialidade neste texto. Ele é, em grande parte, resultado da minha experiência. Pessoalmente, os meus desconfortos são mentais e, por isso, a prática de Yoga se adequa às minhas necessidades. Para você, vitalidade pode ser algo prático e tangível, como se sentir bem-disposta para o dia ao acordar. Certamente, este é um parâmetro de vitalidade, mas sustentar este estado depende de escolhas, de alimentação, de estilo de vida e de uma educação da mente.
A educação da mente envolveria a diminuição dos bloqueios emocionais e das aflições mentais, resultados de condicionamentos inconscientes, em sua maioria. Eu certamente não posso falar por você, mas posso falar por mim e pelo meu empenho necessário para sustentar a vitalidade.
Para o Yoga, a vitalidade está relacionada ao conceito de prana, traduzido como energia vital. Um atributo do prana é a sutileza e trata-se de um conceito frequentemente associada à respiração. As técnicas de respiração são formas de modular o aproveitamento do prana, mas prana não é apenas sobre respiração, embora isto não seja pouco. Para se aproximar do significado de prana é preciso se abrir às experiências além das palavras.
O prana conecta a matéria e a consciência, prakrti e purusa, o corpo e o espírito. Em equilíbrio prânico, a nossa energia vital não é desperdiçada. Ela serve ao nosso sistema corpo e mente na medida suficiente. A sensação é de presença. Por isso, os estímulos excessivos que nos convocam o tempo todo, nas redes sociais e afins, não nos orientam a favor da nossa vitalidade. Basta refletir quem está no comando enquanto você navega ou rola o seu feed compulsivamente em busca de alguma novidade. É você que está ali?
Uma outra associação possível com vitalidade é ojas, que pode ser traduzido como imunidade. Para nós, a observação do corpo, menos sutil e mais palpável, traz informações a respeito da nossa saúde, que associamos com a ideia vitalidade. Podemos perceber uma pessoa saudável pelo seu vigor físico, o brilho nos olhos, a agilidade do sistema corpo e mente e o viço da pele. Para a visão ayurvédica, esses sinais são resultado do equilíbrio entre nutrição e sustentação dos tecidos e a eliminação de excretas e toxinas do corpo.
Ao tratar especificamente da mente, tenho a cautela de considerar as diversas camadas que o esgotamento e o sofrimento mental podem se manifestar nas nossas vidas. O mapa mental que o yoga entrega pode iluminar pontos sombrios nos quais a nossa mente opera, mas há casos diversos e, ao longo da vida de uma pessoa, há uma diversidade de histórias que contamos para nós mesmos. Muitas vezes, um diagnóstico fechado não contribui de forma positiva ao tratamento de uma condição porque não assume uma característica humana: a nossa capacidade de mudar com o mundo e com o tempo e a nossa capacidade de enxergar algo que nos incomoda de outra perspectiva. Afinal, contar a nossa história a partir das emoções ou dos sentimentos apenas, pode ser limitante.
Dificilmente o sofrimento se estabiliza na vida, a pessoa muda e o sentimento também. A sensação pode ser de peso, mas não será a mesma sensação. Esta é uma observação importante: a pessoa, ao testemunhar mudanças, pode se motivar a encontrar o ritmo com a paciência necessária. Ela observa que pode agenciar a sua calibragem, que envolve o reconhecimento das emoções reprimidas, a não identificação ou desapego a elas e a esperança com os aprendizados graduais. É um engano achar que nada muda.
É possível entender que o Yoga propõe a regulação da nossa vitalidade através da respiração, da consciência do corpo e do conjunto de técnicas que chamamos de meditação. A nossa mente opera a partir de padrões, o que tendemos a repetir porque fomos condicionadas e nos sentimos recompensadas a agir de determinado modo. São informações impressas do passado.
Com isso, o silêncio de uma pessoa é diferente do silêncio de outra. Cada pessoa tem as suas histórias, que são, também, as histórias de seus condicionamentos. Cada pessoa guarda, nos seus silêncios, algo que ela esconde dela mesma, como medo e vergonha. Esses sentimentos, quando realçados no padrão mental, nublam a experiência direta com a vida do momento presente.
Mesmo ao considerar a sua origem geográfica e histórica remota em relação às nossas referências ocidentais, o Yoga faz sentido para mim e para muitas pessoas ao redor do mundo. Isto é um dado interessante de pontuar: a nossa mente guarda uma ancestralidade que transcende as nossas diferenças culturais. Então, ao traduzir do sânscrito alguns conceitos e aforismos e me aproximar do que seria o seu ensinamento, encontro um mapa útil para a minha navegação na vida. Para mim, o Yoga é atual porque trata das questões fundamentais que ainda nos orientam. Trata-se de trazer a consciência às nossas ignorâncias, com a licença de trazer esta palavra sem o cunho pejorativo. Ignorância é uma tradução de avidya, o nosso principal obstáculo ao estado de Yoga, segundo Patanjali.
Podemos ser honestas ao reconhecer que todas somos ignorantes em alguns assuntos. Uma ignorância comum é a nossa inclinação por acreditar que iremos nos realizar externamente sem levar em consideração a pacificação e a purificação da mente para o reconhecimento das nossas naturezas mais íntimas, os padrões que nos aprisionam e as nossas reais necessidades.
Quando a pacificação e a purificação da mente não acontecem, podemos estar sujeitas a viver a partir dos pensamentos, que tratamos como nossos, mas na maior parte do tempo são contaminados por outros pensamentos e podem não refletir a nossa verdade mais pura. Dito de outra forma, a sua vida precisa de você e os seus pensamentos não são você.
O inconsciente e os nossos condicionamentos, noções que podem ser aproximadas do conceito de samskara, funcionam como um programa que seguimos sem saber. É possível atualizar este ou instalar outro programa posto que, dificilmente, viveríamos sem condicionamentos. Somos seres que repetimos ações, pensamentos e sentimentos, na maior parte das vezes, de modo inconsciente.
O fato que precisamos repetir ações e usar recursos conhecidos para enfrentar situações parecidas faz parte de um modo inteligente de se viver. Afinal, não poderíamos reaprender a escovar os dentes a cada vez que tivermos que repetir esta ação. As ações automáticas nos condicionam a uma rotina. E, então, devemos reconhecer que os nossos pensamentos também são condicionados. Em geral, usamos o programa conhecido que reflete a nós mesmos de forma positiva, quando estamos bem-dispostos ou negativa, quando não estamos. Raramente nos enxergamos de forma neutra.
Por outro lado, não seria adequado tratar todos os condicionamentos como negativos. Criamos condicionamentos que nos ajudam a interpretar a realidade e eles nos ajudaram até aqui. Como poderíamos descartar o modo como vivemos quando, afinal, sobrevivemos com eles? “Entre mortos e feridos”, somos os feridos. O estado de Yoga seria, justamente, cultivar o estado mental em que não nos sentimos feridas. A mente equânime e consciente, que reflete a realidade de forma perfeita não busca os nossos interesses pessoais ou as nossas preferências determinadas no passado. Ficamos em paz com quem somos no presente; logo, em paz com o que vivemos. Este é o horizonte para onde caminhamos.
O Yoga também é um programa porque propõe um novo condicionamento a partir de outros hábitos que podem ser entendidos como o cultivo da mente meditativa. A partir daí, entrar em contato com as nossas distorções, aflições e bloqueios e trazê-los à consciência. Tudo isso exige a segurança de um professor a oferecer a sua condução atenta. Usualmente, criamos desculpas para nós mesmas no enfrentamento de um fato que vem à tona. Não é agradável se observar de forma honesta porque somos menos legais do que gostaríamos de admitir para nós mesmas. Então, justificamos porque fazemos o que fazemos e não enfrentamos o empenho da entrega e do autoestudo para a transformação.
Por não ser um caminho fácil, apesar de simples, devo pontuar que o Yoga não foi criado para ser uma prática terapêutica no contexto contemporâneo, mas um conjunto de técnicas de expansão de consciência para aqueles que se sentirem motivados a seguir este caminho. De todo modo, se você tem a oportunidade e sente a necessidade de restaurar sua vitalidade ou mesmo encontrá-la, é recomendado conhecer métodos que levem em consideração a integração corpo e mente.
Se você admite que a vitalidade pode não ter relação com o aprofundamento do Yoga que eu proponho, que este caminho do Yoga é escarpado demais e não há disponibilidade, na sua vida, para esta entrega, eu entendo completamente. As referências à Patanjali ou as minhas interpretações não estão fechadas, podem não fazer sentido para você e ainda assim você pode encontrar a sua prática de Yoga. Além disso, há outros métodos para o cultivo da vitalidade. As pessoas não têm as mesmas necessidades. Cabe às pessoas reconhecerem quais são essas necessidades em cada momento.
Eu oriento pela autonomia da pessoa. Em que, qualquer que seja o conjunto de técnicas escolhido, se tenha a consciência dos seus próprios pés em cada passo e reconheça a sua habilidade em ser condutora de si mesma.
Para todas as pessoas, inclusive a mim mesma, desejo que a vitalidade não seja apenas um conceito, mas uma vivência. E que a manutenção da vitalidade, um trabalho de vigilância constante, seja realizado de forma fluida com o movimento da vida. Espero que você assuma o compromisso não como um peso, mas como um prêmio por possuir um corpo e uma mente hábeis e habilitados à vida. Afinal, não iremos descansar na sombra e nem nos aposentar desta existência enquanto estivermos aqui.
Se a nossa mente é condicionada a esperar que os resultados das ações contemplem os nossos interesses a priori e trazemos consciência deste programa, não há mais ignorância. Há um convite: o empenho pela purificação de realizar o que o momento pede. Podemos afrouxar os cadarços dos sapatos, nos permitir caminhar mais leves e cultivar o olhar fresco para a vida. Não precisamos nos culpar, nos frustrar ou viver reféns das expectativas, mas saber abandonar, pouco a pouco, padrões e criar outros. Temos a vida inteira a caminhar, o caminho é a própria vida. Para que a pressa?