Aos domingos limpa-se a casa, primeiramente trata-se da roupa, depois dá-se um jeito ao pó, lava-se a fundo a casa de banho, aspira-se o chão e posteriormente passa-se a esfregona com água e lixívia no chão. E enquanto a casa se limpa, também a cultura é varrida e escorraçada para um saco do lixo preto, juntamente com a sujidade que tiramos de casa. Os tempos cheiram a mudança, ouvem-se os gritos de liberdade e de igualdade, mas também se sente uma certa censura no ar.
Nem tudo pode ser perfeito. Os tempos são efetivamente repletos de história, hábitos e tradições. Uma parte do que vivemos é boa e enchemo-nos de orgulho, outra menos boa, e quem sabe, às vezes até, a vergonha de uma nação. Mas talvez seja esse o cerne da questão, a explicação de quem somos hoje, e o porquê de fazermos o que fazemos. Temos consciência do que já conquistamos, mas também do que nos arrependemos e independente do que possamos acreditar, a história alterou o nosso percurso, abriu novos rumos e hoje, somos quem somos, porque aprendemos com os erros que já vivemos.
No fundo, todo o nosso processo e passagem na terra é bastante cultural. É uma pegada na Terra que nos mostrou o caminho que fizemos até à sociedade que hoje construímos. Estamos a falar de anos de história, onde a mulher era tratada com um objeto e o homem como máquina de guerra. Onde ser gordo ou magro era importante, ou casar e ter filhos era o objetivo de vida. Nunca existiu um balanço entre os seres, nem liberdade para protagonizarem a personagem principal que os mesmos queriam ser na vida. Se a mulher queria vestir as calças ou o homem tratar da casa, tudo isso foi julgado e tratado de forma errada. Mas foi assim que aprendemos a mudar o nosso rumo, olhando para trás com orgulho daquilo que hoje não somos.
Se varrermos simplesmente a cultura da terra como quem limpa a casa na folga da semana, e passa a vassoura no chão da cozinha como quem desvia para a pá, os miolos caídos no chão, estaremos sem sombra de dúvida a retroceder no tempo, e aí, teremos de concordar que o ser humano está a ficar inculto. Podemos perceber que ainda há um longo caminho no que toca às minorias, à sua inclusão, e aceitação. Temos um enorme caminho para ensinar as novas crianças sobre respeito. Mas o motivo por sabermos o que sabemos hoje foi porque as atuais gerações, tiveram oportunidade de aprender com o que foi criado antes de nós. Tiveram oportunidade de saber se aquilo vai de encontro aos ideais atuais ou se não faz de todo sentido. Se uma criança for impedida de cair, ela nunca vai cair enquanto uma criança protegida, mas nunca vai saber superar uma queda enquanto uma adulta.
Ao apagarmos a literatura clássica, porque ofende os leitores mais sensíveis, estamos em primeiro lugar, a censurar clássicos, censurar obras. Será isso tão diferente de uma censura ao estilo azul? Fazemos estas alterações com consciência limpa e dizemos com confiança que são apenas pequenos termos e que não se trata de adaptações, mas são no fundo, mudanças de significados, palavras, frases e quando damos conta alteramos todo o sentido da obra. Reescrevemos músicas, alteraramos a sua letra e no geral a composição. Não é correto e muito menos ético. Para fazermos o bem no presente não precisamos de censurar o que não concordamos no passado.
É errado alterar um livro, apenas porque ele não se encontra dentro das normas que hoje. Se romantizarmos o nosso passado ninguém, jamais, poderá aprender com ele. Lutamos hoje, porque sofremos no passado, caso contrário isto nunca aconteceria. Só poderemos um dia saber o que é a felicidade se no passado superarmos uma tristeza.
Podemos ser nós os próprios autores da nossa Era e trazer ao mundo novas obras, novas músicas, novas culturas. Porque conhecemos esse sentimento, e queremos criar mais para mostrar melhor. Vamos antes criar novo, criar novas condições que ditem a igualdade e o equilíbrio. Ao invés de apagar a cultura que nos chegou.
Rescrever obras clássicas é uma nova forma de censura. É alterar um património que outrora fez sentido, ainda que agora seja incorreto. Apagar a cultura é viver num mundo sem Saramago ou Eça de Queirós. É esquecer Michelangelo, Picasso ou Leonardo Da Vinci. É erradicar Platão, inferiorizar Aristóteles e esquecer Nietzche.
Não podemos concordar com a censura apenas quando a mesma abona a nosso favor. Temos de ser consistentes e inovadores, podemos criar nós o que tanto queremos alterar no nosso passado. Porque se isto for correto, como podemos nós saber que alterações teve a Bíblia até chegar a nós?