Registros de insinuações de relações homoeróticas são tão antigas quanto o próprio cinema. Alguns historiadores consideram pequenos curtas metragens feitos ainda no século 19 como as primeiras aparições de queers na sétima arte. Personagens “afeminados” eram comuns no cinema mudo como figuras de humor e subversão da expectativa, personagens mulheres aparentemente lésbicas também eram ocasionais como figuras “masculinizadas” fugindo do papel tradicional das donas de casa.
Ainda na era do cinema mudo, casais homossexuais eram esporádicos, no filme dinamarquês “Michael” de “Carl Theodore Dreyer”, narrava a história de um renomado pintor que mantém um relacionamento platônico com um rapaz, quando seu jovem parceiro se apaixona por uma mulher, o artista fica enciumado. Devido a mentalidade da época, o relacionamento entre os dois é sutil nunca apresentando contato físico ou beijos.
Durante a era do Jazz, com o relaxamento dos padrões morais anteriores, a homossexualidade começou a ser tolerada, bares gays eram comuns em Nova York e na Alemanha do pós-guerra o primeiro movimento de direitos dos gays apareceu. Nesse momento aconteceu o primeiro beijo entre pessoas do mesmo sexo no filme “Manslaughter” de Cecil B. DeMille. Entretanto, essa permissividade não iria durar.
Nas décadas de 30 e 40 a censura estabelecida no cinema americano limitou os assuntos abordados na tela, no começo da guerra fria, a paranoia anticomunista causou um endurecimento moral que levou à perseguição homofóbica do “Pânico lilás”, personagens foram criticados por suposta apologia da homossexualidade como a dupla Batman e Robin, vistos como um casal homoafetivo. Códigos rígidos de censura no cinema, quadrinhos e televisão tornaram cada vez mais difícil abordar estilos de vida alternativos na mídia. E a tolerância da sociedade com os queer foi diminuindo.
A mudança dos valores morais na segunda metade do século e o relaxamento da censura facilitaram a dispersam de personagens Queer. Incialmente eles eram mais comuns no cinema europeu pois não era afetado pela censura de Hollywood. O diretor francês Jean-Pierre Melville fez “Dois homens em Manhattan” em que entre os personagens se encontrava um casal de lésbicas. A produtora inglesa Hammer lançou a trilogia “Carmilla” sobre uma vampira bissexual, a serie sofreu com a censura inglesa.
A temática queer começou a se tornar cada vez mais comum com a contracultura alcançando públicos novos. Durante a Novelle Vague japonesa, “Toshio Matsumoto” dirigiu “Funeral das Rosas”, uma inventiva adaptação da peça “Édipo Rei” protagonizada por travestis. Outro cineasta japonês, “Nagisa Oshima” fez nos anos 90 “Tabu” abordando o romance entre dois samurais durante o Japão feudal.
A chegada da revolução sexual permitiu o aumento dos filmes com personagens queer não só no cinema de arte, mas atingiu os filmes populares. Pelo caráter transgressor e de desafio as regras morais tradicionais que os anos 60 e 70 possuíam, os artistas estavam ansiosos por abordar o que antes era proibido. Cineastas como Jean Rollin e Jess Franco na Europa realizavam produções eróticas com lesbianismo. Mesmo o terceiro mundo não escapou ao tema, com o filme mexicano “Satânico Pandemônio” lidando com uma freia que alucinava ser tentada pelo diabo a trair seus votos. Boa parte desses filmes sofreram nas mãos de regimes autoritários anticomunistas, como os do México do PRI e a Espanha de Francisco Franco.
Nem a chegada da reação conservadora com políticos da chamada “nova direita” como Ronald Reagan e Margareth Thatcher, nos anos oitenta extinguiu as produções queer. Brian de Palma fez “Vestida para Matar” uma releitura da obra clássica de Hitchcock “Psicose”, usando a trama para falar sobre transição de gênero. O sentimento contra os homossexuais cresceu durante a década, o Pânico era causado pela chegada do HIV, que era associado a parcela LGBT, o que fez o público se tornar desconfiado dos homossexuais. Ainda assim personagens queer apareciam eventualmente na mídia mesmo que em representações não completamente positivas.
Os anos 90 viram um novo crescimento do interesse no tema, um movimento batizado de New Queer Cinema se consolidou, inspirados pela recente teoria Queer que tratava o gênero como uma performance, os cineastas queer queriam abrir as portas para a subcultura LGBT que começava ter seu espaço na América da época. A década de 1990 viu uma recuperação das pautas sociais após o período conservador dos anos 1980, com políticas mais progressistas ganhando espaço e as questões das minorias se tornando relevantes novamente.
A New Queer Cinema era um movimento artístico, mas era antes de tudo uma estratégia política de levar a subcultura gay ao público enfrentando o estigma negativo que os LGBT tinham sofrido nos anos mil novescentos e oitenta. A estratégia funcionou com a homossexualidade sendo cada vez menos malvista durante a década. Cineastas queer como Jennie Livingston de “Paris is Burning” e Gus Van Sant de “Garotos de Programa” definiram o movimento.
Personagens gays e lésbicas foram se tornando frequentes mesmo em series de televisão como “Friends”, e o tabu sobre o tema foi desaparecendo. Na virada do século sexualidades alternativas eram vistas com um olhar mais positivo como em “O Segredo de Brokeback Mountain” que subvertia os clichês dos filmes de faroeste ao abordar um romance entre dois cowboys.
Com o século 21 e chegada do tema da representatividade na mídia personagens queer existem hoje em grande parte das produções atuais, ainda que eles nunca tenham sido completamente ausentes da sétima arte mesmo durante os períodos mais intensos de rejeição.