Embora todos nós saibamos que o momento vivido no instante em que foi vivido já pertence ao passado e que, portanto, é uma porta que se fecha para sempre, vivemos agarrados às coisas, sem querer nos desprender do que consideramos ser um pedaço de nós.
A vida está em constante movimento e nada melhor para expressar isto do que o conceito de devir, oriundo da filosofia.
Devir está relacionado a um contínuo vir a ser... tornar-se, transformar-se como em um contínuo processo de mudança. Compreende o fluxo permanente das coisas, o movimento ininterrupto que atua como uma lei geral do universo, que dissolve, cria e transforma todas as realidades existentes.
Isto significa que a cada dia estamos ganhando coisas novas ao mesmo tempo em que perdemos o que vivemos ontem. Vida e morte estão continuamente se alternando, como duas faces de uma mesma moeda. Sem saber se comemoramos as conquistas de hoje ou se choramos as perdas de ontem, pensamos que, afinal de contas, estas mudanças são para melhor e estão a serviço da lapidação de nosso ser integral.
O fato de se perder para sempre o que foi vivido e/ou nunca mais poder voltar àquilo que inexoravelmente escapou pelos vãos de nossos dedos, tal como a areia escoa pela ampulheta do tempo, merece uma reflexão mais aprofundada.
Por um lado, é necessário viver intensamente cada momento sabendo que o mesmo é único. Por outro lado, estando ciente da perda iminente, é saudável relacionar-se com as coisas e com todos com a clareza e tranquilidade de quem sabe que aquilo não poderá ser apreendido, pegado ou guardado para si. Tudo que está connosco hoje e constitui a nossa identidade, amanhã pode já não estar, e temos que ter ferramentas para lidar com o novo horizonte que então se apresentará. Precisamos de agilidade/flexibilidade física e mental, assim como criatividade para ‘nos virar’ na nova condição que a vida irá nos apresentar.
Não podemos, contudo, ignorar o dolorido sentimento de perda, de nunca mais voltar ao que antes fomos, tivemos ou experimentamos. Tudo passa na vida. Uma bela imagem. Um relacionamento sólido. Um problema insolúvel. Uma dor lancinante, seja ela física ou psicológica. Nossa estadia no planeta.
Lavoisier estava certo: “Na natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma”.
Diante deste incontestável dado de realidade, para viver melhor e sofrer menos, precisamos nos adequar e nos paramentar para enfrentar tormentas, novos desafios e estar continuamente praticando o exercício de desgarrar-se. Quanto mais apegado se é, maior o sofrimento no desenlace. E estar ciente de que tudo que faz parte ou que compõe o momento vivido é transitório.
Uma pequena mostra do processo de devir é a experiência de ver fotos antigas. Além da incontestável mudança na aparência, abrem-se magicamente as portas para um sem par de recordações e passamos então à revivescência dos fatos idos, ao mesmo tempo em que experimentamos uma “doce amargura” devido a, por um lado, viver de novo matando assim as saudades; por outro, estar ciente de nunca mais poder voltar àquele momento que a foto ‘eternizou’/congelou.
O sentimento de perda nos remete sempre ao vazio que se instaura diante do que ficou para trás, principalmente se o objeto era carregado de significado e pelo qual nutríamos algum sentimento positivo (um objeto catexizado, portanto). Se é verdade que não podemos viver sem nos envolver ou sentir algo pelo objeto, também é verdade que não devemos nos apegar a ele. Encontrar aquele ponto de equilíbrio em que nos envolvemos, mas não nos apegamos é de fato, um desafio e tanto.
Aprender a deixar ir... Eis o nosso maior desafio!
Aceitar que o instante vivido está indo embora com tudo que o compõe. “Vá com Deus!”, “Fique em paz!” — Dizemos para quem está indo, mas na verdade, é para nós mesmos e para nosso próprio consolo. Deixar ir não se aplica apenas a uma pessoa, um relacionamento, mas pode ser aplicado a qualquer situação ou objeto, através do qual nosso ego se nutria ou se apoiava.
A mais profunda verdade é que quando se nada na direção contrária à da correnteza de um rio, fazemos um esforço enorme e corremos o grande risco de sermos levados pela maré. Portanto, no rio da vida é sábio aceitar e viver de acordo com a ordem natural das coisas.
Outro fator importantíssimo é deixar para trás o passado e estar inteiro no momento presente. Colocar-se em estado de abertura para a experiência. Por mais desafiador que isto seja e por mais que lamentemos algumas coisas que tenham ficado para trás, esta atitude nos conduz invariavelmente ao crescimento, já que este é o sentido último de nossa existência em nossa passagem pelo planeta: a evolução de nosso ser integral.
Mesmo para os mais renitentes e teimosos, não nos é dado caminhar para trás. É certo que na maioria das vezes desconhecemos as aprendizagens que precisamos realizar para nos tornarmos seres humanos melhores, mas mesmo assim, vale a pena confiar na sabedoria cósmica e seguir adiante.
O contínuo “vir a ser” é o eterno lapidar-se que a lei universal nos impõe, quer queiramos ou não.