Resistindo à industrialização, à venda ou ao franchising, os Pastéis de Belém continuam a ser um dos melhores embaixadores de Lisboa. Todos caem na doce tentação.
Na zona de Belém, ponto turístico obrigatório de Lisboa, há uma pastelaria muito especial, cuja fama corre mundo: “a única e verdadeira fábrica dos Pastéis de Belém”. Durante todo o dia, todos os dias do ano, cerca de dez mil pastéis, artesanais, totalmente feitos à mão, saem dali, fresquinhos, prontos a comer.
Reza a lenda que, tal como em relação a quase toda a outra doçaria tradicional portuguesa, a origem dos Pastéis de Belém terá sido uma receita conventual do vizinho Mosteiro dos Jerónimos. Com a revolução Liberal, em 1820, as ordens religiosas foram extintas em Portugal, e os seus conventos nacionalizados. Os trabalhadores laicos que lá viviam, entre eles os pasteleiros, foram arranjando emprego cá fora. Parece que o doceiro dos Jerónimos, detentor da preciosa receita, foi trabalhar para uma refinaria de açúcar das proximidades, e dentro de pouco tempo os “verdadeiros Pastéis de Belém” eram vendidos ao público.
O êxito foi imediato entre os alfacinhas, que acorriam a comprar o novo doce. Depois, foi a notoriedade nacional. Com o aparecimento do turismo de massas, em meados do século passado, a fama dos Pastéis de Belém tem corrido mundo, de Nova Iorque ao Japão.
Não admira que, com este êxito, muitos tenham tentado, em Portugal e no estrangeiro, imitar o produto. Mas, até agora, sem resultados. O primeiro doceiro, o tal que veio do Mosteiro dos Jerónimos, trabalhava de madrugada, em segredo, fechado num quarto, onde não deixava ninguém entrar, enquanto misturava os ingredientes na proporção certa, tal como lhe tinha ensinado o frade inventor da receita.
Acautelando imitações, o dono da pastelaria registou mais tarde a patente da receia, e o segredo tem sido bem guardado até hoje.
Actualmente, apenas três pessoas estão a par da receita mágica – um pasteleiro que trabalha na casa há meio século, e dois ajudantes, da sua total confiança, que também ali estão há décadas. Eles tiveram que fazer um juramento e assinar um termo de responsabilidade em como não podiam ensinar o segredo.
Actualmente, é fabricada uma média de 10 mil pastéis diários. Segundo os pasteleiros da casa, o que distingue os Pastéis de Belém dos pastéis de nata normais que se vendem em outros estabelecimentos é, além da receita com as proporções certas, o investimento no trabalho manual e os ingredientes de primeira qualidade – farinha, açúcar, leite e ovos.
O êxito dos Pastéis de Belém tem sido objecto de estudo para os mais variados fins. Desde alunos da escola primária que enviam cartas manuscritas perguntando quais os ingredientes da receita, até aos estudantes de Antropologia que constroem teses sobre aquele doce, tudo tem passado por Pedro Clarinha, gerente da casa desde 1984. Pedro Clarinha garante que responde a todos os pedidos e prova o seu interesse pela história dos Pastéis de Belém ao coleccionar não só estes trabalhos como os recortes de imprensa, curiosidades, fotografias e autógrafos de todos os famosos que por ali vão passando.
O processo de fabrico continua a ter o seu lado artesanal. A massa é moldada nas formas à mão por um grupo de mulheres, que poderiam ser substituídas por uma máquina se não fosse a preocupação com o método artesanal que faz parte da filosofia da casa.
De resto, a Fábrica dos Pastéis de Belém tem estado frequentemente “contra a corrente”, explica Pedro Clarinha. Há uns anos, quando muitos cafés quase aboliram as cadeiras para afastar os clientes que permaneciam uma tarde inteira à frente de uma ‘bica’, a Fábrica decidiu apostar em mais mesas – e com resultado. Mais recentemente, aumentaram as propostas de compra e de franchising mas, sem rejeitar a ideia de expandir o negócio, o dono tem resistido.