O Fórum Social Mundial, que celebra seu vigésimo aniversário em 2021, é apenas um espaço aberto ou poderia (deveria) ser, também um espaço de acção? Esta questão foi discutida durante anos no seu Conselho Internacional e até agora não foi possível chegar a uma conclusão.
No FSM em Porto Alegre, em 2005, alguns de nós lançamos o "Manifesto de Porto Alegre", preocupados com a crescente marginalização do FSM no cenário global. Sabíamos que estávamos a violar a regra de que o Fórum não pode fazer declarações, mas parecia-nos uma maneira de contribuir com os ricos debates em Porto Alegre para a política internacional. No ano seguinte difundiu-se, no mesmo sentido, o "Apelo de Bamako". Nenhum deles teve resposta.
Após 15 anos, a nossa preocupação revelou-se muito real. O Fórum nasceu em 2001, graças ao esforço generoso e visionário do grupo brasileiro e ao apoio que encontraram na época de Lula. A internacionalização progressiva levou o FSM a todos os continentes. A ideia de abrir um espaço para os movimentos sociais e intelectuais críticos trocarem experiências e ideias, a fim de combater o pensamento único do neoliberalismo, era uma ideia revolucionária com grande impacto no mundo. Diante da ameaça do início da guerra dos EUA contra o Iraque, o FSM mostrou seu imenso potencial convocando marchas de protesto maciças e coordenadas globalmente. Contudo, este tipo de iniciativas não prosperou.
Infelizmente, o FSM não aceitou nenhuma mudança nas suas regras e práticas, embora estejamos às vésperas de duas décadas desde a sua criação. A ideia de um espaço aberto, sem a possibilidade de interagir com o mundo exterior como sujeito político global, fez do Fórum um actor marginal, que deixou de ser um ponto de referência. Nos últimos anos, pelo menos três grandes movimentos populares mobilizaram milhões de pessoas em todo o mundo: o da luta contra as mudanças climáticas, pela igualdade de género e o anti-racismo. O FSM esteve totalmente ausente como actor colectivo global. Mas a ideia fundadora do FSM, de lutar contra o neoliberalismo com uma visão holística e não sectorial, mantém toda a sua força e validade, juntamente com as lutas anticolonial e antipatriarcal e pelo respeito à natureza e aos bens comuns que hoje nos convocam.
É preciso agir. O mundo mudou, e não para melhor. Hoje, não enfrentamos apenas as consequências devastadoras de quarenta anos de capitalismo neoliberal, como somos dominados pelos mercados financeiros e ameaçados pelas rápidas mudanças climáticas que poderiam tornar impossível a vida humana na Terra. A pobreza maciça e as crescentes desigualdades dividem as nossas sociedades, juntamente com o racismo e discriminação.
A resistência também está a crescer. O ano de 2019 registou um fluxo avassalador de movimentos, principalmente de jovens, num grande número de grandes cidades ao redor do mundo. Eles sabem que o velho mundo está a morrer e desejam ansiosamente construir um novo mundo de justiça e paz, onde todos os homens e mulheres sejam iguais, onde a natureza seja preservada e a economia esteja ao serviço da sociedade. Muitas alternativas estão a ser preparadas, mas falta um espaço que possa reuni-las e construir novas narrativas comuns e globais, baseadas em experiências populares e capazes de orientar ações futuras. Activistas e estudiosos progressistas estão tão fragmentados que correm o risco de perder não apenas a batalha, mas também a guerra.
A COVID-19 é apenas mais uma crise, que pela primeira vez afecta todas as pessoas ao mesmo tempo, embora não com a mesma intensidade. O mundo tornou-se uma aldeia na qual somos interdependentes. Nunca antes foi tão claro que temos realmente que actuar e fazê-lo juntos. O Fórum Social Mundial mantém um grande potencial para dar voz e ajudar os movimentos a colocar as suas alternativas num contexto global em que novos discursos e práticas possam convergir. Por isso, nós que participamos do FSM desde a sua criação e assinamos as declarações de Porto Alegre e Bamako, pedimos um "Fórum Social Mundial renovado". Estamos a enfrentar uma crise global multidimensional; são necessárias acções a nível local, nacional e global, com uma articulação adequada entre elas. O FSM é a estrutura ideal para promover esta acção, e é disso que trata esta iniciativa.
Nós, Frei Betto, Atilio Borón, Bernard Cassen, Adolfo Perez Esquivel, Federico Mayor, Riccardo Petrella, Ignacio Ramonet, Emir Sader, Boaventura Santos, Roberto Savio, Aminata Traoré, fomos signatários da declaração de Porto Alegre, no Fórum Social de 2005. Desde então, perdemos companheiros brilhantes (Eduardo Galeano, José Saramago, François Houtart, Samir Amin, Samuel Ruiz Garcia, Immanuel Wallerstein). Mas compartilhamos muito com eles e achamos que sabemos o que pensariam hoje. Aqueles que ainda estão vivos decidiram enviar esta mensagem ao FSM, para que constitua um elemento mais de incentivo e reflexão. O espírito da nossa iniciativa está bem representado na mensagem de adesão do Prémio Nobel da Paz, Adolfo Pérez Esquivel: “Obrigado pela iniciativa de reviver a força e a esperança do FSM, há muito tempo que pensávamos em algo semelhante, para redescobrir caminhos que nos identifiquem na diversidade de pensamentos e acções para enfrentar os desafios de nosso tempo. De agora em diante, queridos irmãos, junto à vossa a minha assinatura e o meu abraço”.