Qual seria o seu maior patrimônio? Corresponderia a sua digna formação acadêmica? Passamos a construir nossa vida a partir da conquista de diplomas, certificados e outros atestados de nossa vaidade na sociedade de mercado. Começamos a jornada apostando e investindo em alguns valores que não dignificam o crescimento espiritual humano. Daí então, aprendemos a nos defender de todos e de tudo, colocamos um escudo para enfrentamento das artimanhas das pessoas sem valores éticos.
Para tanto, o que fazemos na vida? Fazemos escolhas, muitas escolhas e muitas vezes não convém com o esperado. Passamos a construir muitas expectativas falsas de um mundo superficial. E tudo isso para quê? Para termos um diploma? Para sermos bem sucedido? Talvez? Para você o que seria uma pessoa bem sucedida? Sempre escutei dos meus pais: fulaninho é bem sucedido, venceu na vida. Ficava pensando cá com os meus botões, o que seria vencer na vida? Aprendemos mais a dizer o que conquistamos de bens materiais do que a recitar uma poesia, a ouvir os sonhos de alguém (sou apaixonada pelos sonhos das pessoas), ou a conhecer as histórias das músicas, a compreender sobre honestidade, liberdade, afetos entre outros valores que muitas vezes são démodé na sociedade de consumo. É muito fácil querer algo quando estamos numa zona de conforto. E, pasmem, até os sonhos e desejos tiveram uma baixa em sua qualidade na atualidade. É botox, é plástica no nariz, enchimento aqui, alisamento ali. Não que eu seja contra, mas ninguém pode mais ter nada fora do lugar. Para o filósofo Felipe Pondé1 em seu livro Filosofia para curiosos, valores como eficácia, vaidade e sucesso são aceitos pelos “bonitinhos”. “Suspeito que nunca existiu uma época tão ridícula como a nossa em sua farsa ética”.
Mesmo sabendo que não é fácil ser digno no Brasil, mas é o que algumas pessoas nos ensinam desde pequeno a pregar valores éticos com exemplos não éticos e o pior com a moral voltada para os padrões superficiais de uma sociedade de consumo. Comprar não é ruim, apenas estamos ostentando o vício da insatisfação. Talvez eu seja boba, quem sabe?
Teve um tempo que passei a observar os pequenos empreendimentos no bairro em que morava. Como esses comerciantes possuíam um mercadinho, uma padaria e tinham apenas até o quinto ano de escolaridade, a antiga quarta série. Comecei a entrevistar esses comerciantes. Quando perguntava quem ensinou ao senhor(a) a construir esse mercadinho? Foi na Escola? Eles respondiam: não, aprendi com a vida. Dos quinze empreendimentos que entrevistei todos disseram que não, não foi a Escola. Eles disseram em sua maioria que desistiram de estudar porque não entendiam nada, por vergonha de não ser inteligente, por não obedecer ao padrão da educação, por se sentirem excluídos. Que triste! Não compreendia como a educação desmotiva os que tinham a verve da logística e dos negócios. Uma característica comum a todos, foi à construção de uma rede de relações de afetos. Todos esses comerciantes possuíam relações afetivas que ajudavam na divulgação de seus produtos e vendas. E o melhor eles sabiam poupar e tem como base a família no trabalho e na fé.
Esses pequenos comerciantes possuem uma característica fundamental para quem sabe e gosta de negociar. Eles possuem o sorriso como porta de confiança e aconchego. Revelam ainda modelos tradicionais como a antiga caderneta do fiado, mas apostam no novo quando colocam maquinetas para cartão de crédito. Além disso, ajudam os necessitados da vizinhança. Entrevistei uma vendedora de doces, que criou sua família vendendo doces de jaca, goiaba, mamão com coco, banana entre outros. Saía de ônibus para vários lugares e instituições com suas delícias adocicadas. Construiu sua casa e ainda quer mudar o telhado. Muito organizada e alegre, diz que o seu maior patrimônio é sua família. Já a Dona Maria que vende em seu mercadinho de um, tudo, como farinha, chupeta, desentupidor de fogão, gás de cozinha, água mineral, papel higiênico, picolé, carnes entre outros produtos, revela que uma pessoa bem sucedida é aquela que sabe viver com a família. Quanta riqueza!
Por mais que esteja fora de moda a honestidade, o perdão, o respeito entre outros valores éticos, esses comerciantes carregam em seu dia a dia um patrimônio de afetos. E, pasmem! Por eles possuírem iridescência a partir de valores éticos seus empreendimentos são fortalecidos pela alacridade, paciência e conhecimento de seu público alvo. Sempre tive curiosidade em saber como eles conseguiram formar seus filhos, comprar uma casa, carro sem nenhum diploma. Realmente as relações sociais ajudam na construção de novas relações sociais. Conheci um vendedor de picolé que conseguia com seu carrinho convencer a todos que o seu picolé era o melhor da redondeza. Seu Lili, como é conhecido na localidade, consegue ter uma rede de clientes a partir de suas histórias. Ele coloca vida e alma em cada picolé que vende. Para tanto, o mundo maravilho de seu Lili atrai uma diversidade de público em busca do geladinho adocicado com frutas da época. Tudo isso ocorre pelos valores éticos sinalizado em suas histórias mirabolantes. Nem percebemos, mas, colocar valores éticos em seu empreendimento parece confiável pera que seja uma grande e poderosa característica de fortalecimento das pequenas empresas.
São pessoas iridescentes que refletem seus valores éticos no trabalho, na família e na vida. Na sociedade de consumo onde se constrói mais farmácias do que bibliotecas os valores éticos são abafados em detrimento de novos padrões de mercado.
Necessitamos cada vez mais de pessoas com reflexos da iridescência dos valores éticos. Que se camuflem com várias cores e brilhos de bondade e dignidade mediante a tanta tentação do mundo superficial. A iridescência ajuda na proteção dos valores éticos em tempos de falta de alacridade.
Em certo tempo quando fui fazer a minha pesquisa de mestrado no município de Custódia em Pernambuco, semiárido, no distrito de Samambaia, fui indagada por uma senhora que queria que eu colocasse no meu caderno que as pessoas lavavam as galinhas nas águas do rio. Fiquei pensando estão poluído o rio! Como minha pesquisa foi em detrimento do desenvolvimento local e comunicação rural sobre como a população da referida região eram reticentes nas questões relacionadas à agua, achei que o rio estava sendo prejudicado.
Foi com muita paciência que comecei a pensar. Eu era conhecida como a menina do caderninho. Tinha que me distanciar do meu objeto de pesquisa. Foi então, que percebi que eles queriam dizer que estavam poluindo a galinha e não o rio. Havia um leilão com galinha assada na festa do padroeiro São Sebastião comemorado dia 20 de janeiro na igreja. Ou seja, a galinha não poderia ser lavada no rio onde água não era de boa qualidade. Comecei a questionar a dimensão e valor da natureza, neste município a galinha valia mais do que o rio que passava pela cidade em períodos de chuva. Cada local tem sua dimensão dos valores éticos. Por isso, ser iridescente é deixar que os valores éticos, sejam maiores do que a sociedade do consumo.
Rubem Alves, pedagogo afirma em seu livro Educação dos sentidos que “Os sentidos brutos são os sentidos em si mesmos. Os sentidos se educam ao serem tocados pela poesia”.
Para continuar o debate dos valores éticos na sociedade de consumo Rubem Alves ainda diz:
Os teólogos medievais diziam que, na eucaristia, o pão e o vinho se “transubstanciavam” na carne e no sangue de Cristo. Analisados objetivamente, o pão e o vinho continuavam a ser pão e vinho. Mas uma magia acontecia quando o pão e o vinho eram tocados pela palavra poética: tornavam-se oura coisa. A poesia transforma a coisa em taça onde uma alegria é servida. O pão continua a ser pão: alimento que tem a função prática de matar a fome. Mas o seu cheiro bom faz-me lembrar minha mãe na cozinha...O pão tornou-se portador de uma felicidade ausente...
(Alves, 2005, p.46)2
Digamos que a educação com sentido e com poesia nos leva ao despertar dos valores éticos existentes na vida para compreensão na sociedade de consumo.
Pois bem, temos que aguçar a sensibilidade para podermos discernir e entender os valores éticos numa sociedade de consumo. Por isso, o que é que te falta?
Sempre estamos necessitando algo? Precisamos analisar as dimensões que sinalizam o respeito, a honestidade, a bondade e a dignidade humana. Pode até parecer incoerente, mas não estamos aqui na Terra apenas para consumir, não é verdade?
A cooperação em servir pode alavancar qualquer negócio. Esses comerciantes que entrevistei sinalizavam valores éticos no modo de ver a vida. Eles sinalizam paz e harmonia como propósito de bem estar e tem uma grande preocupação com o futuro, tanto da sua família como do planeta. Outra característica fundamental são os sonhos, todos possuem sonhos e isto é muito importante para impulsionar o empreendimento e a vida.
Das utopias
Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
A presença distante das estrelas!(Mario Quintana)
Notas
1 Pondé, Luiz Felipe. Filosofia para Curiosos. São Paulo: Planeta, 2016. p. 122.
2 Alves, Rubem. Educação dos Sentidos e mais...Campinas, SP: Verus editora, 2005, p. 46.