The end is in the beginning and yet you go on.
(Samuel Beckett, Endgame)
O artista italiano, com raízes na Argentina, Lucio Fontana, traduziu com suas obras uma ideia que se generalizou pela Europa logo a seguir ao fim da II Guerra Mundial – o choque, provocado pela violência pela qual passaram todos, não era representável, pelo menos não da mesma forma como fora antes, após a I grande Guerra. Se havia possibilidade de representação, ela estava noutro espaço, era preciso expandir a ideia de arte, e de objeto artístico, até ao limite do absurdo para que ela pudesse conter o sentimento do mundo e o gesto necessário do artista. Stefano Amoretti, ao falar da obra de Fontana, diz que ela é, ao mesmo tempo, uma meditação e uma performance. E esta ideia de performance meditativa, ou de gesto pensativo, leva-me diretamente ao trabalho de Rodrigo Rosa.
As obras que apresenta nesta exposição fazem-me recordar o gesto meditativo-performático de Fontana e também a escuridão iluminada da obra de Pierre Soulages. Da mesma forma que as peças de Patrícia Serrão fazem-me pensar em Giacometti, desde a sua fase surrealista, ao seu período mais conhecido, que desponta exatamente no final da II Guerra.
Ao relacionar a obra destes artistas com outros, que lhes antecederam, não pretendo, de modo algum, fazer comparações. Mas, pretendo, isso sim, falar de sensibilidades. Há uma sensibilidade comum que os une, um sentimento de desespero otimista: mesmo sem acreditar em mais nada, ainda acreditam na arte como portadora de uma mensagem, como meio capaz de falar ao mundo, como um meta-texto que se reinventa a cada instante. Cada peça de Patrícia Serrão é composta de material diverso e dissonante, criando um jogo entre o efémero e a memória, que perdura. As obras são constituídas pelo que vemos, mas, sobretudo, pelo que lá não está.
Samuel Beckett, cujos textos influenciaram artistas plásticos e foram por eles influenciados, diz sobre o artista holandês Bram Van Velde que a sua pintura era a pintura da coisa em suspenso, ou melhor, da coisa morta. A coisa isolada. O objecto puro.
O que Beckett diz sobre Van Velde, pode ser dito, por exemplo, sobre a obra de Antoni Tàpies ou Antonio Saura – são artistas que ultrapassaram a ideia de representação sem, no entanto, abrir mão da arte de representar uma memória, uma marca, uma ideia, um gesto. E vejo, passados tantos anos, estes gestos replicados, consciente ou inconscientemente, na obra de dois jovens artistas que criam objetos puros, sejam eles escultóricos ou pictóricos, instalados no espaço ou fixados na parede.
São objetos que valem por si mesmo e que dialogam, nesta exposição, com as outras obras, com o processo de criação de cada um dos artistas e com uma genealogia que lhes escapa, mas que tem origem nesta arte atormentada, mas nunca desistente. Patrícia Serrão traz-nos um conjunto de peças, de dimensões variáveis, marcadas pelo binómio delicadeza-inacabamento. A aparente fragilidade, ou mesmo a pequena dimensão de alguns trabalhos, dá-nos a sensação enganosa de ocultação e de silêncio.
As peças desta exposição, que existem em si mesmas, foram pensadas para funcionar em relação. As obras de Rodrigo Rosa – de grande dimensão, criam uma continuidade de significados, expandindo o espaço da sala e conduzindo-nos ao espaço da arte.
Uma arte lúcida a pari passu com seu próprio tempo, um tempo que revive, vezes sem conta, os seus erros e as suas tragédias. Por isso a arte é tão necessária. Por isso esta exposição é tão urgente e vital.