Que haja estrelas no céu toda vez que você precisar procurar uma resposta.
(Rodolfo Cézar)
Estando já a passos largos na caminhada da segunda metade da vida, a infância parece mais viva e reverbera fortemente através de flashes de cenas, palavras e atos. Assim é que as palavras de nossos pais - nossos primeiros amores -, as mais singelas, ditas ao acaso, ecoam através do tempo e vêm ganhar um novo sentido.
Minha mãe era uma mulher do campo. Ao cair da tarde íamos regar a horta e ela dizia: “O sol está baixinho!”, como que a anunciar que o dia já estava quase findando. O homem do campo normalmente costuma guiar-se pela posição dos astros, particularmente o sol, para sua orientação.
Tal como se expressou abaixo com simplicidade, o compositor Janisvaldo em sua canção sertaneja Deus e eu no Sertão:
Nunca vi ninguém / viver tão feliz / como eu no sertão...
Perto de uma mata / e de um ribeirão / Deus e eu no sertão...
Casa simplesinha / rede para dormir /
De noite um show no céu / Deito pra assistir / Deus e eu no sertão /
Das horas não sei / mas vejo o clarão / lá vou eu cuidar do chão...
Trabalho cantando / a terra é a inspiração / Deus e eu no sertão” / (...)
Retomando a fala de minha mãe, logo após o escurecer, ela sempre perguntava quando eu, criança, saía à janela para contemplar a noite: “Tem estrela no céu?” Para o homem do campo, os astros não estando visíveis à noite é um sinal de que há nuvens de chuva encobrindo o que poderia ser o “show no céu” a que se refere Janisvaldo.
Nas entrelinhas do trecho da canção percebe-se que aos olhos do homem do campo, é preciso muito pouco para ser feliz.
Minha trajetória na vida sob a luz do sol do meio dia, entretanto, deixou-me marcas na face e calosidades na alma, muito embora minha origem rural.
Jung, o psicólogo suíço, em sua sabedoria compara o curso da vida humana ao curso diário do sol, sendo que o sol do meio-dia seria o zênite, o ponto mais alto da existência, e a partir de então começa um lento declínio em consequência da ação da lei da entropia.
Paradoxalmente, é na segunda metade da vida que começamos a buscar as estrelas no céu, isto é, necessitamos de respostas que aplaquem nossas angústias. Queremos saber o que há mais além desta nossa trajetória terrena, visto que ela nos parece tão curta, já que os nossos projetos de vida estão em sua maioria ainda inacabados.
Segundo Chevalier & Gheerbrant (1996), no que se refere à estrela costuma-se reter sua qualidade de luminar, de fonte de luz. As estrelas, assim, transpassam a obscuridade, são faróis projetados na noite do inconsciente. Funcionam como guias na escuridão. Negrume da noite. Negrume da alma.
Quando somos crianças ou quando somos jovens, sentimos que temos a vida toda pela frente como se ela fosse infinita e que a nossa luz nunca se extinguiria; no entanto, quando já percorremos mais da metade do caminho percebemos que a vida é um sopro e mesmo assim, teimosamente, buscamos reencontrar no olhar da criança a sensação gloriosa de que o caminho é largo e a estrada é contínua.
Na verdade, o caminho é estreito e a estrada é cheia de buracos, bifurcações, desvios, interdições, até o ponto em que alcançamos a sinalização de “rua sem saída”.
As falas do homem erudito e do homem do campo coincidem e se cruzam quando encontro uma citação em um dos livros de Jung (1991) a que ele se refere como ‘adágio francês’, o que meu pai já dizia como homem rude e semi-analfabeto: “Ah! Se os jovens soubessem e se os velhos pudessem...”.
Desnecessário se faz explicar o profundo significado dessas palavras. Um sentimento de nostalgia, talvez... E a certeza de que nunca poderemos ter tudo. Um retrato fiel da mais pura realidade da vida.
Isto nos remete ao fato de que em sua essência o homem, não importa sua cultura, sua condição social ou econômica, tem as mesmas inquietações e rumamos todos para o mesmo norte.
Para não deslizar vertiginosamente montanha abaixo nisto que é a curva de Gauss, é preciso recriar a vida, empreender uma mudança geral de hábitos, tomar novos projetos como meta, coisa que a grande maioria das pessoas não está disposta a fazer. Acima de tudo não podemos ter preguiça de alavancar novos ideais e continuar correndo atrás de nossos sonhos. A nossa infância, como um grande reservatório da psique, sempre vai estar lá para nos nutrir e para nos fazer ressurgir revigorados para novos desafios.
Nunca nos esquecendo, contudo, de agradecer a nossos pais que deram o melhor de si para nos tornarmos o que somos hoje. Há, no entanto, algo mais. Algo que podemos fazer por nós mesmos. Estar sempre à procura de uma melhor versão de si mesmo é tarefa que cabe a cada um de nós e pode ser uma bela receita para a longevidade.
Outra frase muito conhecida nos diz que “o corpo alcança o que a mente acredita”.
Vamos, pois, praticar.
Nota
Entropia é um conceito da Termodinâmica que mede a desordem das partículas de um sistema físico. De acordo com esta que seria a 2ª Lei da Termodinâmica, quanto maior for a desordem de um sistema, maior será sua entropia. A entropia nos sistemas biológicos, inclusive no homem, é chamada de envelhecimento. É um conjunto de alterações degenerativas que, a seu tempo, leva à desorganização extrema: a morte. Enquanto sadios, dispomos de um organismo, isto é, de um sistema organizado. Quando a entropia domina, passamos a ter um ‘des-organismo’; estamos então em declínio para a decomposição final (Hermógenes, 2004).
Referências
Chevalier, J. & Gheerbrandt, A. Dicionário de símbolos. Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1996. 996 p.
Hermógenes. Saúde na Terceira Idade. 12ª ed. Rio de Janeiro, Editora Nova Era, 2004.
Jung, C.G. A natureza da psique. In: Obras completas de Carl Gustav Jung. 3a ed. Petrópolis, Editora Vozes, 1991, vol. VIII, t. II. 402 p.