Pessoas com as quais temos parentesco consanguíneo, nem sempre possuímos com elas afinidades de alma. Em nossa família de sangue muitas vezes nos sentimos o “patinho feio”, seja porque parecemos destoar da “manada”, seja porque não reconhecemos ali o nosso ninho. E quanto mais passa o tempo, mais se evidencia a sensação de não pertencimento àquele grupo familiar. Não nos encontramos ali e não nos identificamos com aquelas pessoas. Logo, assim que aprumamos nossas asas e nos sentimos capazes de movimentá-las, nos aventuramos em busca de novas paragens, a fim de cavar algo que nos faça sentido ou simplesmente buscar elementos e representantes de nosso próprio bando. Lembrando que, de acordo com a teoria espírita, em geral há um resgate cármico a ser realizado com membros de nossa família de sangue. Tudo isso não a torna menos importante, muito pelo contrário. Os espíritas reiteram que não é por acaso que nascemos em determinada família. Aliás, todo o conhecimento esotérico aponta para o fato de que a lei do acaso não existe.
Seguindo, entretanto, a direção do impulso natural para a diferenciação, começamos então a caminhar com nossos próprios pés e a seguir nosso “faro”, que vai se tornando cada vez mais aguçado à medida que ganhamos experiência. Em nossa trajetória pela vida compartilhamos nossas jornadas com várias pessoas diferentes. Pessoas provenientes de outras raças e linhagens cromossômicas, mas que admiravelmente encontramos no trato com as mesmas, grande sintonia e comunhão de pensamento. E nos embrenhamos com elas em jornadas que se estendem por anos a fio. São nossos parceiros no trabalho, pessoas com quem lutamos lado a lado para concretizar sonhos comuns, ou ainda, pessoas com as quais compartilhamos ideais e lutas sem fim. Nossos parceiros amorosos também compõem esta rede.
A maioria destas pessoas escolhemos para estar do nosso lado, mas ainda há aquelas que não escolhemos, por exemplo, quando participamos de uma missão para a qual fomos designados ou de uma mesma viagem turística coletiva (uma excursão). E nos surpreendemos, muitas vezes, com uma profunda afinidade de alma, com um se sentir à vontade na companhia um do outro, como se esse conhecimento mútuo viesse de longa data. Com estas pessoas não precisamos pedir licença, solicitar “por gentileza” ou nos desculpar por erros cometidos. Formalidades são desnecessárias. Tampouco são necessárias muitas palavras. Na realidade, poucas palavras bastam. Ou até menos que isto: um gesto, um olhar, um toque e está dito tudo.
Trata-se de nossa família espiritual. Com os membros dessa família nem sempre “trocamos figurinhas”, algumas vezes trocamos “farpas”, mas que nos ajudam sempre a crescer. Com os membros desta família tecemos espontaneamente laços profundos, sentidos inexplicavelmente como muito antigos. Junto a nossa família espiritual, podemos ser nós mesmos, podemos tirar a máscara, isto porque nos sentimos aconchegados e aceitos, mesmo que estejamos de “cara amassada”. Pode-se dizer que neste caso, um “laço” (vínculo) nunca morre, pois, mesmo quando há um rompimento, permanece vivo em estado de latência. O reencontro pode acontecer após décadas de uma aparente separação, sendo vivenciados então momentos de grande intensidade. Uma bela imagem que traduz a força dos vínculos entre os membros de uma família espiritual seria um leve e persistente sopro em uma brasa aparentemente apagada. O fogo logo ressurge entre as cinzas e o calor está de volta a aquecer e quebrar o gelo.
Embora a sensação de “estar em casa” no caso da família espiritual seja muito grande, não podemos prescindir da família de sangue nem tampouco negligenciar sua importância em nossas vidas. Bem ou mal ela se constituiu em nossa matriz e nos apoiamos nela para dar os primeiros passos. Para nossa evolução, precisamos lapidar nosso espírito no atrito com membros da família de sangue e, porque não dizer, também da família espiritual.
Precisamos dessas duas experiências para crescer: o frio da lápide nos torna mais rijos ante as rajadas de vento e o calor entre os iguais nos leva a conhecer a experiência do amor, do aconchego, do profundo relaxamento e da entrega. Tudo isso compõe a totalidade e a vivência integral de ser gente.
É interessante ser uma pessoa terna e amorosa, mas também altiva na adversidade. Todo esse caldeamento faz de nossa personalidade um grande mosaico, rico de possibilidades e respostas a situações novas. Nossa família de sangue e nossa família espiritual contribuíram e continuam contribuindo para nos tornarmos aquilo que somos. A generosidade, a solidariedade, a empatia, conseguimos desenvolver graças à interação com as mesmas em nossas vidas. Somos uma obra-prima que diariamente se renova nessa interação.
Nunca é demais expressar gratidão a quem nos deu a vida... E a quem nos fez enxergar melhor as cores da vida... Uma diferença, aliás, bastante sutil.
E ao fazer as pazes com tudo o que a vida nos dá nos colocamos então livres para fluir. Assim, sem se deixar estar atado a qualquer coisa ou sentimento (mágoas e ressentimentos são águas paradas que atam o desenvolvimento), podemos deixar que se cumpra em nós a lei do progresso e da evolução, razão de nossa incursão pelo planeta Terra.