Depois que o povo brasileiro elegeu o capitão do exército Jair Bolsonaro como seu novo presidente, este vasto país de mais de 200 milhões, profundamente dividido, com perto de 60.000 homicídios por ano, inicia uma nova trajetória e tudo aponta para tempos muito difíceis para os pobres, negros, mulatos e índios, e igualmente para a classe média.
O discurso oficial apresentou sempre o Brasil como um melting pot de negros e brancos, todos iguais, sem discriminação e exclusão, uma grande família feliz. A realidade é bem diferente. O Brasil foi sempre e continua sendo um dos países mais desiguais do planeta e os descendentes de escravos raptados da Africa e levados para o Brasil com início nos anos de 1500 até o século XVII continuam a viver na periferia, constituindo a esmagadora maioria dos pobres.
Julgamos os políticos pelos seus pronunciamentos públicos e pelos seus actos. Jair Bolsonaro nunca fingiu ser alguém diferente. Foi sempre da extrema direita ideológica, idolatra os militares dos anos sangrentos da década de 60 a 80, despreza negros e índios, as mulheres são maquina de fazer filhos, de cuidar da casa. Bolsonaro vai fazer o Brasil igual a imagem do Paraguai do ditador Alfredo Stroessner, Chile de Augusto Pinochet, Nicarágua de Anastasio Somoza e Haiti de Papa Doc.
Durante a década de Lula, o Brasil do futuro sempre adiado, registou muitas conquistas sociais, para mulheres, negros, mulatos, índios; dezenas de milhões foram libertos de extrema pobreza endêmica; o Brasil ganhou prestígio internacional.
Lula deixou a Presidencia com popularidade em estratosfera, de mais de 80% de aprovação. A Dilma Rousseff substituiu Lula no Palácio do Planalto e tomou decisões firmes na purga de membros do seu governo envolvidos em corrupção.
Mas um dos maiores escroques do Brasil, agora em prisão, o deputado federal Eduardo Cunha, presidente da Câmara de Representantes, orquestrou o impeachment da Presidente Dilma porque ela era uma ameaça para os políticos corruptos do Brasil.
O processo contra Lula foi e é perseguição política, visando destronar o Partido dos Trabalhadores do poder pelo que este partido representa para os pobres e negros. Mas é verdade também que o PT se corrompeu, decepcionou muitos, mas a corrupção no Brasil é tão generalizada e entrincheirada no Brasil como na maioria das pretensas democracias do mundo.
A eleição de Donald Trump nos EUA foi em parte uma reacção dos conservadores a eleição de um negro, Barack Obama. O fenómeno Bolsonaro é reação de uma elite brasileira conservadora, racista. Donald Trump é uma ameaça para o mundo; abandonou tratados e Instituições internacionais. Dada a dimensão económica do Brasil, Bolsonaro vai desprestigiar e vai enfraquecer o Brasil na região e no mundo.
Como ministro de Negócios Estrangeiros e mais tarde presidente (2001-2012) apoiei sem reservas as aspirações do Brasil para membro permanente de um Conselho de Segurança da ONU reformulado e alargado que incluiria mais membros permanentes e não permanentes.
Em Outubro de 2009 durante a reunião da Assembleia Geral do Comitê Olímpico Internacional em Copenhague para a qual fui convidado como orador, fiz campanha activa pela candidatura do Rio para os Jogos Olímpicos de 2016, concorrendo contra três outras cidades de peso, Chicago, Madrid e Tóquio. A minha linha de argumentação juntos de muitos delegados do COI era que ao longo de décadas nenhum pais do Terceiro Mundo podia ter pretensões para organizar os Jogos Olímpicos porque não tínhamos know how, infraestruturas e meios financeiros. Hoje, dizia eu em 2009, há um país do Sul que tem todos os meios e esse País é o Brasil..“Brother..please vote rio”, eu apelava a cada delegado. Lula e Rio convenceram, seduziram e derrotaram Tóquio, Chicago e Madrid. Comovi-me com milhões brasileiros aquele belo acontecimento.
Hoje, em consciência, não o poderia fazer; não poderia apoiar essas pretensões do Brasil de Bolsonaro pois o presidente eleito é contra todos os valores e princípios pelos quais eu sempre me guiei, pelos princípios inspiradores da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Vai o Presidente Bolsonaro dizer aos Chefes de Estado desses Países que ele não gosta dos pretos? E se não gosta dos pretos vai abandonar a CPLP? Vai abandonar a Carta da ONU e a Declaração Universal de Direitos Humanos?