Desobedecer um deus ou desobedecer o poder divino na Grécia clássica gerava punição e severos castigos. É memorável o castigo imposto a Sísifo, que eternamente tinha que carregar imensa pedra até o alto de uma montanha e sempre que se aproximava do topo a pedra rolava para baixo até o ponto inicial, obrigando-o a repetir o esforço ininterruptamente.
O suplício de Tântalo, castigado por realizar um banquete antropofágico do próprio filho e oferecê-lo aos deuses, é exemplar. Ele fica privado de beber e de se alimentar, embora rodeado de mesa farta e de todo tipo de alimento: carnes, frutas e outros acepipes deliciosos. Sempre que tenta saciar a sede, a água escoa, quando tenta pegar algo para comer, o alimento se move para longe de seu alcance.
Íxion, também é castigado, sofre punições terríveis pela insistência em seu desrespeito aos deuses. Quando se apaixonou a primeira vez prometeu dar vários cavalos ao futuro sogro em troca do casamento com sua filha. Casou-se e negou-se a entregar os cavalos, ao que o sogro reagiu pegando os cavalos à força e Íxion, por vingança, o jogou em uma câmara incendiária para matá-lo. Ao ouvir os gritos do sogro sendo incinerado, arrependeu-se e tentou salvá-lo, não conseguindo, enlouqueceu quando o viu carbonizado. Foi nesse momento que Zeus, por pena, o salvou da loucura, restituiu-lhe a sanidade e o convidou para um banquete.
Nesse banquete, Íxion desafiou o deus insistindo em seduzir sua esposa. Para testar sua ousadia, Zeus metamorfoseou uma nuvem em sua própria esposa que assim foi engravidada por Íxion (os filhos foram os centauros, salvo Quiron). O deus, então, o fulminou com um raio e o jogou no Tártaro (inferno) condenando-o a rodar eternamente amarrado em uma roda.
Quando Sísifo aceita o castigo, segundo interpretação de Albert Camus, ele se liberta, pois entende que o castigo não acaba ao completar o trajeto, tudo se reinicia, a pedra derrubada tem que ser outra vez levada para cima, esse é o castigo. Esse insight, a exata dimensão dos limites, é libertador - não há mais deslocamento para esperança, consequentemente para ansiedade.
Se Tântalo percebesse que sua morte por inanição, por falta de comida e água, foi um castigo causado pelo fato dele transformar ser humano em comida, que além disso era seu filho, implicaria perceber que sua crueldade e prepotência em enganar os deuses, utilizando seu semelhante, o aniquilou, o impediu de viver. Perceberia que não era um castigo, mas sim uma consequência de seus atos, perceberia que ele próprio inviabilizou a sua vida. Da mesma forma, Íxion descobriria sua finitude quando foi transformado em peça de uma engrenagem, quando se viu como objeto - o desumanizado que sempre foi - uma caixa que apenas guardava ódio e desejos.
Sentir culpa, medo, remorso, desespero são também tentativas de neutralizar responsabilidade, desejos destruidores, invejas conflitivas e omissões justificadoras. A não aceitação de erros e falhas, a extrapolação dos limites dados pela sociedade ou pelo outro criam atitudes onipotentes de destruir e matar. Aceitar punições, sanções e mudanças causadas por tais comportamentos é uma maneira de se humanizar, ao passo que se lamentar, se sentir culpado mantém a impotência e o faz de conta causadores de culpas e mentiras.
Os julgamentos da lei, tanto quanto as transformações causadas aos algozes pelas suas vítimas quando os abandonam, expressam justiça e castigo. São reações necessárias para questionar os malefícios causados, para fazer com que os indivíduos aceitem as consequências de seus atos, percebendo que certos sistemas podem ser suprimidos e transformados, enquanto no caso de outros, a única forma de superação é a paz e tranquilidade causadas pela admissão da punição. Essa vivência é humanizadora e cria novas perspectivas para a sociedade e para o próprio indivíduo. Aceitar se responsabilizar pelo que faz é restaurador, cria harmonia e paz.
Culpa, medo, irresponsabilidade, agressividade diminuem e deixam de açoitar os indivíduos quando limites são aceitos. Essa vivência é profilática, tanto quanto terapêutica e curativa. É uma forma de enxergar nexo, continuidade nos processos do estar no mundo com os outros, é uma maneira de conter seus deslocamentos de raiva, inveja, de busca do próprio prazer sem limites.