Quando estamos num labirinto de espelhos, a única saída é parti-los!
É precisamente este acto que é custoso ao comum dos mortais. Primeiro porque o comum dos humanos vive como imortal, como se tivesse a vida no seguro e tivesse sempre mais um dia para resolver aquela situação ou dar aquele beijo mil vezes adiado…segundo, porque o comum dos mortais vive com o olhar dos outros colado à sua consciência e por isso a autenticidade, a espontaneidade e a visão do coração são fatalmente esmagadas à nascença!
Assim sendo, encontramo-nos diariamente frente a frente a realidades postiças! A inconsciência é colectiva e vai ganhando pontos à medida que o cenário dito real se opaciza de tal modo que ganha um corpo tal que passa por sólido e real.
É curioso pensarmos nas perucas do cabeleireiro, que disfarçam as mazelas do cabelo natural ou a sua ausência por doença…é curioso pensarmos nos actores que são belos fingidores e nos políticos que idolatram de tal modo as palavras que elas passam a ser sua única acção ! É curioso que não paremos um pouco para reflectir o quão falsos somos connosco neste Palco na vida, de tal modo que fingimos as coisas autênticas que sentimos…Porquê? Porque elas são mal vistas…porque dá trabalho desaprender os mecanismos, osa hábitos formatados pela nossa mente, porque, porque…e mil e uma desculpas servem este propósito que é o de morrermos cópias em vez de sermos originais!
Lembremos aqui Lewis Carroll e a sua obra Alice do outro lado do espelho, uma obra que mostra a recusa deste mundo “ real”, isto é “postiço” e o seu interesse manifesto pelo estado onírico acrescida da sua vontade de suscitar aos leitores um outro mundo, um outro reino, apelo semelhante ao que fez Sophia de Mello Breyner nos seus contos! O apelo do triunfo da criança sobre o adulto! Alice permite a Carroll dar voz à criança que ele foi um dia em tempos, um sujeito livre e sem constrangimentos!
Há que despertar com urgência essa criança adormecida em cada um de nós, esse ser sem medo, livre, criativo, que apaga fronteiras com a paixão e o entusiasmo pela vida, que acredita que pode mudar o mundo e sai com os sapatos de sair à rua para dar esse passo! Há que percorrer novos caminhos que vão dar a diferentes lugares e fazer essa travessia simbólica que é ir de encontro a nós mesmos para não ficarmos à margem de nós!
Ai o rosto e as máscaras de que o Poeta maior falava ( Pessoa) tão actuais se revelam neste carnaval contínuo do disfarce. Disfarces que já têm a forma do nosso corpo e se agarram à nossa pele como sanguessugas. Abandonemos essas roupagens usadas e tenhamos a coragem de sentir as emoções que nos levam às escolhas, às opções armadilhadas pelo contexto social.
Façamos dos nossos sonhos um verdadeiro despertador onírico, que faça soar alarmes na nossa alma e que nos faça viver o tempo como Arte. E que esse tempo seja de comunhão de ideias e não de bens! Que esse tempo seja de amor altruísta e não egoísta, que esse tempo seja o da partilha de segredos, o do verdadeiro comunicar! É tempo de alcançarmos as estrelas inalcançáveis!
Não esqueçamos que por detrás das palavras estão imagens preciosas, por detrás de cada letra uma luz de cor diferente e o nosso sopro que é a entoação que damos ao nosso discurso, ao nosso poder de criar realidades. Que o postiço dê lugar aos originais!