Todos os clichês que envolvem o Brasil e o futebol você já conhece. O país do futebol. O maior campeão do mundo com 5 títulos. O país do Rei do futebol e do seu possível sucessor. O país dos craques de salários astronômicos no futebol europeu e chinês. O país do Maracanã.
Entretanto, não só de luz vive o nosso futebol. Ele tem seus escândalos tenebrosos e muita violência nos estádios país afora. O nosso futebol é cruel com a modalidade feminina que passa longe do luxo mesmo tendo uma seleção de destaque. Ele domina os noticiários e as propagandas sufocando todas as outras modalidades. Ele “dá dinheiro”.
Mas existe um futebol que o Brasil não vê e que está na penumbra junto com outros esportes que “não vendem”. Mas tais esportes não se destacam porque “não vendem” ou “não vendem” porque não se destacam? É um dilema Tostines que, se deixarmos a ingenuidade de lado, conseguimos resolver rapidinho. Enfim... fato é que esse desconhecido futebol tem os últimos três melhores jogadores do mundo e é tetra na paralimpíada. É o Futebol de 5. O futebol de cegos.
O futebol de 5, ao que tudo indica, se originou na década de 20 na Espanha e chegou ao Brasil três décadas depois, onde era jogado com latas ou garrafas com pedrinhas dentro. Depois tentou-se uma adaptação com a bola tradicional ao envolve-la com sacolas plásticas. Entretanto, como as sacolas se desfaziam com facilidade, pensou-se em envolver a bola com guizos. Mais tarde os guizos foram parar dentro da bola e é assim que os jogadores se orientam nas partidas.
Por esse motivo também, como nas partidas de goalball, a torcida deve manter silêncio para que os jogadores consigam ouvir não só os guizos da bola, como também a movimentação dos adversários e as orientações do Chamador, um guia que se posiciona atrás do gol adversário e que orienta os jogadores verbalmente nas jogadas. O Chamador também usa um bastão de metal para bater nas traves, orientando o cobrador de faltas, pênaltis e chutes livres.
Composto por 5 jogadores , 4 são vendados e se dividem entre as categorias B1 (B – Blind - cegos totais ou que têm percepção de luz); B2 (cegos com percepção de vultos) e B3 (cegos que conseguem definir imagens). O último jogador possui visão total, o goleiro. Joga-se numa quadra que segue as medidas do futsal e as laterais são envoltas por barreiras de madeira na altura da cintura dos jogadores. Assim, a bola não sai de jogo nas laterais, apenas no fundo da quadra. A disputa se dá em dois tempos de 25 minutos cada e 10 minutos de intervalo.
O primeiro jogador brasileiro de futebol de 5 de destaque foi Mizael Conrado de Oliveira que fez parte da conquista do ouro na primeira paralimpíada do futebol de 5, Atenas 2004. Repetiu o feito em Pequim 2008 e deixou o posto de melhor da seleção entre Ricardo Steinmetz Alves, o Ricardinho, e Jeferson da Conceição Gonçalves, o Jefinho, ambos atualmente tricampeões olímpicos – Pequim 2008, Londres 2012 e Rio 2016.
Quando esses craques pegam na bola você simplesmente esquece que eles são cegos. Os dribles e seus chutes precisos e indefensáveis deixam todos de queixo caído! A mágica que fazem com a bola é digna de aplauso, mas lembre-se que não se pode fazer barulho, então a gente deixa a alegria transbordar só quando a bola está no fundo da rede e o juiz apita o centro da quadra!
Esses jogadores são tão vencedores quanto os nossos outros craques. Como que a modalidade mais amada do país desconhece uma de suas versões paralímpicas sendo ela tão vencedora e de gols e passes geniais mesmo às escuras? Infelizmente o desconhecimento é a realidade não só do futebol de 5, mas das demais modalidades paralímpicas.
Mesmo que tenhamos tido um enorme público nos jogos do ano passado e que tenha havido uma certa visibilidade, as modalidades paralímpicas não têm o apoio midiático que merecem. Veja só o exemplo dos Jogos Parapan- Americanos que aconteceram entre os dias 20 e 25 de março desse ano em São Paulo, no Centro de Treinamento Paralímpico Brasileiro.
Eles tiveram baixíssima repercussão na mídia apesar de seus números expressivos. Essa foi a quarta edição e contou com 800 atletas de 19 países entre 13 e 21 anos. O Brasil liderou o ranking de medalhas com 66 medalhas de ouro, 41 de prata e 32 de bronze. Nossa delegação também foi a maior, com 174 atletas. E o futebol de 5 foi medalha de ouro mais uma vez contra a Argentina. Não podemos ignorar o peso desse segmento esportivo do nosso esporte. Entretanto, infelizmente, nós somos reféns de decisões que não se pautam apenas pelo peso do esporte. Mas a gente segue tentando. Afinal como o clichê diz: brasileiro não desiste nunca.
p.s.: Para quem quiser saber mais sobre histórias fantásticas de atletas paralímpicos recomendo o livro Para-Heróis da jornalista esportiva Joanna de Assis, editora Belas Letras. Relatos emocionantes das vidas sofridas de atletas brilhantes.