Fernando Távora opera delicadamente no corpo existente, segundo um claro sentido de revitalização de algo fisicamente decomposto, mas não apagado em presença e valor. A linha de sutura resultante do enxerto assume protagonismo chave por simbolizar em desenho, forma e matéria, o confronto entre o tempo actual e o registo de um passado ainda sobrevivente. Encontra-se, nesta sutura, a relação de tensão significativa entre actualidade e perenidade, e uma vez mais Fernando Távora apoia-se na dimensão do contexto e da materialidade para conquistar uma união silenciosa e natural com a figura e história do lugar. O contexto envolvente é enriquecido por uma ampla variedade de referências ao nível topográfico, morfológico e programático.
A Casa dos Vinte e Quatro encontra-se ladeada à cota alta pela Sé Catedral e à cota baixa, a uma escala mais doméstica, por um casario que expressa a linguagem arquitectónica da habitação burguesa portuense do século XVIII e século XIX. Este contraste surge interpretado como ferramenta para a organização conceptual e formal do corpo suturado. O edifício desenha-se através deste princípio de proximidade, dispondo de dois acessos distintos ao seu interior. Partindo da informação histórica referente à altura do edifício original (cem palmos de altura), Fernando Távora ensaia duas escalas na composição espacial interior.
À cota alta, o espaço de entrada é marcado por uma porta opaca (dispondo de um pequeno óculo que permite uma visão limitada do interior) de duas folhas, de dimensões modestas (10 palmos de altura) que contrastam com os grandes janelões que rematam o topo do alçado, anunciando deste modo um pequeno sinal daquilo que compõe a constante subversão e contraste entre diferentes significados e escalas. O piso de entrada à cota alta caracteriza-se por um pé direito de elevada dimensão (60 palmos de altura), em clara referência à escala de proximidade vizinha, contrapondo-se à divisão em dois pisos da restante altura (20 palmos de altura em cada piso) que separa a cota baixa da plataforma da Sé.
Deste modo, Fernando Távora incorpora no mesmo invólucro, de forma equilibrada e singular, a escala evocativa do “comunal” com a escala modesta e doméstica do casario envolvente. A escada, duplicada em simetria, funciona como elemento charneira nesta transição de escalas, de valores e de contextos circunstanciais, tal como já havia ensaiado, de certo modo, na Casa sobre o Mar, quando utiliza igualmente a escada como manifesto formal no confronto entre valores tradicionais e valores modernos.
Assim como na Casa sobre o Mar a escada simboliza, no exterior, a transição de matérias que encarnam diferentes dimensões do tempo, ou seja, entre a pedra pesada e bruta e o betão ágil e ligeiro, entre o actual e o perene, a escada da Casa dos Vinte e Quatro representa, no interior, a passagem entre tempos distintos, o momento actual contemporâneo entrelaçado no registo sobrevivente do passado.