Em 1910, o crítico de arte inglês Roger Fry, valendo-se da importância dada aos artistas franceses das últimas décadas do século XIX, nomeou a exposição que organizou na Grafton Galleries de Londres de “Manet e os Pós-impressionistas”. Após essa proveitosa jogada de publicidade, o termo pegou e foi logo empregado por marchands e, até, pelos museus franceses. Os artistas do, assim denominado, Pós-impressionismo têm como característica um distanciamento da realidade, que já não serve de referência, e uma busca pelo subjetivo, pelos “mundos interiores” do pintor. O desenho e a forma decompõem-se, a luz, elemento tão importante no impressionismo, cede lugar à cor e o intenso e rígido estudo do artista, rende-se à expressão individual do mesmo.
Com artistas originários desse movimento estético e ideológico, o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), em parceria com a Fundación MAPFRE e o Musée d’Orsay traz ao Brasil a exposição “O Triunfo da Cor”. Após temporada no CCBB de São Paulo, onde recebeu mais de 172 mil visitantes, a mostra encontra-se em cartaz no CCBB do Rio de Janeiro até o dia 17 de Outubro. A exposição conta com 75 obras de 32 artistas, entre eles, Van Gogh, Gauguin, Toulouse-Lautrec, Cézanne, Seurat e Matisse. As obras são provenientes do Musée d’Orsay e do Musée de l’Orangerie, ambos de Paris. No que concerne a curadoria da exposição, os responsáveis são: Guy Cogeval, presidente do Musée d’Orsay; Pablo Jimenéz Burillo, diretor cultural da Fundación MAPFRE; e Isabelle Cahn, conservadora do Musée d’Orsay. Os organizadores esperam repetir o sucesso da exposição “Impressionismo: Paris e a modernidade”, que em 2012 foi a terceira mais visitada no mundo, e também contava com obras vindas do Musée d’Orsay, o qual possui a maior coleção de impressionistas da França.
Os artistas da exposição, embora reunidos como pós-impressionistas, possuem muitas diferenças estilísticas. Cada um teve a sua própria trajetória e buscou soluções distintas para os problemas de sua geração. A vanguarda do movimento revela-se segmentada, atuante em uma época de confrontos e com pouca interação entre os seus integrantes. O fio condutor da exposição é a expressão pessoal do artista através da cor, promovendo uma busca pela abstração ao perceber que a cor exprime algo por si só. Através de suas experiências particulares, os artistas instituem uma nova forma de enxergar o mundo, tendo a cor papel principal.
A exposição está dividida em quatro módulos:
A Cor Científica (Módulo 1)
Apresenta uma coleção de obras de pintores inspirados pelos estudos elaborados pelo químico francês, Michel Eugene Chevreul, sobre a percepção das cores em simultaneidade. A técnica neoimpressionista de aplicar na tela pontos justapostos de cores primárias foi baseada nos estudos de Chevreul, sendo necessário manter uma certa distância da obra para que os olhos possam recompô-la. O principal expoente do pontilhismo, Georges-Pierre Seurat, por sua vez, influencia Van Gogh a utilizar uma paleta de cores mais vivas, após contato com a pintura moderna parisiense.
No Núcleo Misterioso do Pensamento. Gauguin e a Escola de Pont-Aven (Módulo 2)
Apresenta um conjunto de obras que revelam os estudos feitos por Paul Gauguin e Émile Bernard. Suas obras são marcadas por uma pintura sintética, com desenho nos contornos e nas silhuetas, e cores simbólicas. A pintura exprime um mundo interior, poético e espiritual. Gauguin é o principal representante desse grupo de artistas, agraciando à cor a função de expor uma dimensão simbólica da pintura.
Os Nabis, Profetas de uma Nova Arte (Módulo 3)
Apresenta um grupo de artistas que definiu-se como profetas de uma nova arte, utilizando a cor como um elemento transmissor dos estados de espírito, reconhecendo a origem espiritual da arte. Dentro do movimento duas correntes distintas podem ser evidenciadas: uma mais mística e simbolista formada por Paul Sérusier, Paul Ranson e Maurice Denis, e outra mais próxima à vida moderna, de natureza intimista, poética e decorativa, representada por Pierre Bonnard, Édouard Vuillard, Félix Vallotton e Aristide Maillol.
A Cor em Liberdade (Módulo 4)
Apresenta obras de pintores do final do século XIX, como Paul Cézanne e Paul Gauguin, o primeiro buscando inspiração na Aix en Provence e o segundo na natureza tropical do Taiti. Além deles, encontram-se quadros de jovens artistas do início do século XX, que partilhavam o interesse por uma composição ornamental, com uma linguagem independente e expressiva, na qual cores puras e violentas tornam-se protagonistas.
Nos últimos anos, o Brasil irrompeu como um destino marcante de grandes exposições internacionais. Em 2015, as três mostras de maior público no mundo aconteceram aqui: “Picasso e a Modernidade Espanhola”, “Kandinsky: Tudo Começa num Ponto” e “Salvador Dalí”. As três exposições receberam, em média, 8 mil visitantes por dia. Em 2013, a mostra “Impressionismo: Paris e a Modernidade” atraiu mais de 500 mil espectadores. Contudo, os altos custos demandados pelo mercado de arte fazem com que exposições como essas sejam cada vez mais difícil de planejar. A logística necessária para trazer obras de arte valiosas para o país é complexa e onerosa. Entre os desafios estão: enfrentar a burocracia alfandegária, as diferenças de temperatura entre os países, que podem prejudicar as obras, e seguros milionários. Os museus europeus, por sua vez, também cobram taxas de empréstimo altíssimas. Para o mostra “O Triunfo da Cor”, o valor previsto é de R$ 6,6 milhões. Há vinte anos, os preços cobrados pelos museus eram simbólicos, porém os governos europeus deixaram de financiar a maior parte dos museus, cabendo a eles buscar novas fontes de renda para sustentarem-se. Assim, criou-se um lucrativo mercado de empréstimos de obras. O Musée d’Orsay, por exemplo, fechou o ano de 2014 com um lucro de 9,3 milhões, quase 50% a mais do que o previsto. Os rendimentos extras, em sua maior parte, são devido as exposições internacionais.
O Brasil é considerado um país de risco para as artes, principalmente, depois dos casos de incêndios que ocorreram no Memorial da América Latina e no Museu da Língua Portuguesa. Esses incidentes resultaram em um aumento na cotação de seguros de artes. O corretor de seguros de arte Ricardo Minc, relatou em entrevista que “A cobertura contra atos de terrorismo, antes não exigida para exposições no Brasil, hoje é obrigatória. Também a cobertura contra guerra, comoção civil, greves, tumultos ou qualquer manifestação popular que possa danificar as obras”. Além disso, os cuidados referentes ao transporte são inúmeros. As obras da exposição vieram em quatro aviões separados, uma estratégia de segurança para o caso de acidentes, o que aumenta bastante o custo. Para o transporte dos quadros foram construídas caixas especiais, de madeira e material isolante térmico, que custaram mais de R$ 700 mil. Os carregamentos são conduzidos por escolta armada. Ao chegar ao local de destino, as caixas ficam armazenadas em ambiente climatizado por 24 horas antes de serem abertas, para que, dessa forma, a obra não sofra danos com a diferença de temperatura. “O Triunfo da Cor” é, até hoje, a mostra estrangeira mais cara já financiada pela Lei Rouanet, custando salgados R$ 14 milhões. Em plena crise econômica, há escassos patrocinadores com fundos para arcar com um empreendimento dessa magnitude, inclusive por meio de incentivo fiscal.
Com tantos obstáculos, é imposssível calcular quando novas mostras desse porte serão exibidas no Brasil. Logo, essa torna-se uma oportunidade única e imperdível para o público brasileiro apreciar obras marcadas por um intenso fervor criativo de grandes personalidades da arte moderna.
“A cor pura. Por ela, devemos sacrificar tudo. A cor, tal como é, é enigmática nas sensações que desperta em nós. Portanto, também deve ser usada de maneira enigmática, quando a aplicamos, não para desenhar, mas sim pelos efeitos musicais que emanam dela, da sua natureza peculiar, da sua força interior, misteriosa, inescrutável (…)” Paul Gauguin.