Na correria do dia a dia quase não percebemos o quanto nossos armários estão entulhados, revirados, obstruídos por tantas coisas e objetos que lá depositamos. Já aconteceu de você apressadamente se arrumar para sair e ao abrir a porta do guarda-roupa, as peças caírem sobre você? Ali simplesmente já não cabe mais nada. Está literalmente entupido.

Se sua casa tem um porão ou um andar inferior, lá costuma ser o canto da bagunça e da confusão, o lugar para onde você não chama as visitas porque ali você se perde e não consegue sequer fazer uma faxina adequada.

Todos nós costumamos ter ou já tivemos em nossas vidas espaços assim.

O que não percebemos é o quanto isso reflete nosso estado interior, mais do que isto, um retrato de nossa mente. Se o espaço físico que ocupamos está abarrotado e obstruído, nossa mente também o está. Na realidade, nossa mente está confusa, tomada por tantas informações e estímulos. Neste estado, os canais para que novos elementos possam entrar estão obstruídos. Não sabemos o que queremos ou para onde queremos ir. Falta-nos energia para a ação. Falta energia para traçar um objetivo e persegui-lo, pois toda ela está ali aprisionada, contida, represada por conta da desordem e do caos externo.

Em geral o nosso porão interno, por estar soterrado de coisas - coisas velhas, coisas esquecidas, coisas que não gostamos ou não queremos mais, mas que “não temos tempo” de nos livrar delas – nele já não circula mais o ar (a vida) e tudo recende a um ar viciado, em que predomina a estagnação e cheira a mofo.

O porão de nossa mente facilmente pode ser equiparado ao inconsciente freudiano.

Segundo Freud apud Fadiman & Frager (1979), no inconsciente estão elementos instintivos, que nunca foram conscientes e que não são acessíveis à consciência. Além disso, há material que foi excluído da consciência, censurado ou reprimido. Este material não é esquecido ou perdido, mas “não lhe é permitido ser lembrado” (ou seja, é difícil entrar em contato com os mesmos).

Resta então a pergunta: Por que permitimos que as coisas chegassem a esse ponto? O que não pode ser lembrado ou tocado? Um apego às coisas velhas, ao passado? Conservadorismo? Uma atitude de relutância em deixar-se ir o que já foi talvez devido a uma falsa sensação de segurança? Dispor de algo maximiza a dor do vazio? Ou simplesmente preguiça de “botar ordem na casa”? Talvez um pouco de tudo isso e ainda algo mais.

Por outro lado, o conceito de “conserva cultural” de Moreno, o criador do Psicodrama, pode nos auxiliar a entender um pouco mais dessa conduta. Segundo Gonçalves et. alii. (1988), todo resultado de um processo de criação pode cristalizar-se como conserva cultural. “Conservas culturais são objetos materiais (incluindo-se obras de arte), comportamentos, usos e costumes, que se mantêm idênticos em uma dada cultura” (p. 48). Segundo Moreno, se o homem se detivesse apenas conservando e cultuando o que já está pronto, ele perderia sua espontaneidade. Para que a criatividade se manifeste é necessário que as conservas culturais constituam somente o ponto de partida e a base da ação, sob pena de se transformarem em seus obstáculos.

Dispor-se a organizar os “armários da mente”, seja literal ou simbolicamente falando, está diretamente relacionado a empreender mudanças em nossas vidas através da ação. Abrir caminhos; criar espaço para o novo. Exercitar uma seleção que parece simples: “O que vou jogar fora? O que vou doar? O que me é essencial e que quero, vou guardar?” Neste caso, rever os apegos é fundamental. Encarar os fantasmas interiores também. Olhar para eles e ver que não são tão feios assim. Expulsá-los de nossa mente, pois, se estão ali, nós os deixamos ficar ou pior que isso, nós os convidamos para entrar. Em seguida, desejar intensamente algo novo/diferente para si. Munir-se de um novo projeto de vida. Estar decidida e verdadeiramente interessado em agregar à sua experiência algo nunca antes vivido. Perseguir este objetivo incansavelmente. Deter-se apenas quando conseguir alcançá-lo.

É sempre bom realizar uma avaliação continuada sobre o que nos é essencial, pois esquecemos que através do dia a dia estamos constantemente agregando novos elementos sem que o percebamos e rapidamente podemos chegar aos armários abarrotados. É sempre bom estar revisitando a “imagem nova de si” que continuamente está sendo gestada para que possamos aparar as arestas, reconhecendo-nos e aceitando-nos nessa nova imagem, fazendo crescer nosso autoconceito e nossa autoestima. Surpreendentemente conseguimos então enxergar o nascimento de uma nova beleza, quando até aquele momento tudo que éramos capazes de fazer era lamentar a perda da beleza da juventude.

Recriar nossas vidas, obrigação de todos.

Referências

FADIMAN, J. & FRAGER, R. - Teorias da personalidade. São Paulo, Editora Harper & Row do Brasil Ltda., 1979.

GONÇALVES, C.S.; WOLFF, J.R.; ALMEIDA, W.C. – Lições de Psicodrama: introdução ao pensamento de J.L. Moreno. São Paulo: Editora Ágora, 1988.