Nos anos 60 e 70, o mundo passava por intensas mudanças culturais e morais. A sociedade de consumo surgia, e com ela, novos padrões de comportamento. Alguns artistas ligados a grupos de protesto e ao movimento hippie faziam críticas irônicas e tenazes através de suas obras. De um modo geral, a idéia era satirizar e ridicularizar a sociedade questionando tabus, zombando de instituições, fazendo apologia às drogas e incorporando novas ideias. Nas artes gráficas as influências do pop art, op art, dripping, expressionismo, cubismo e concretismo resultavam em novas e originais formas de linguagem e de representação. Em meio a esse cenário, surge na França a revista em quadrinhos de ficção científica, “Metal Hurlant,” da Humanóides Associados (Les Humanoïdes Associés). A revista causou uma verdadeira revolução na época, influenciando a criação de inúmeras outras no mesmo estilo. Como integrante da primeira equipe da “Metal Hurlant” estava o françês naturalizado brasileiro, Alain Voss. Dono de um estilo psicodélico e provocador, o quadrinista e ilustrador foi o criador da série Heilman (1978), que foi proibida na Alemanha pela sua referência explícita ao nazismo. O artista trabalhou ao lado de grandes nomes, como: Moebius, Enki Bilal e Richard Corben. Ainda na “Metal Hurlant”, produziu “Tobiaze” e uma série de paródias de personagens famosos, como: Asterix, The Smurfs, Popeye, Blueberry e Superman.
Alain Voss, ou Al Voss, nasceu em 1º de Janeiro de 1946, na França. Ainda criança, mudou-se com os seus pais para o Brasil. Filho e neto de ilustradores, sua trajetória nas HQs começou nos anos 60. Seus trabalhos foram publicados em revistas como “O Loco” e “O Careca”. Teve, inclusive, algumas de suas obras expostas em museus brasileiros. Um fã confesso de rock, Voss fez alguns trabalhos como ilustrador para bandas de rock da época, como a capa do LP “Mutantes e Seus Cometas no País dos Baurets”, da banda “Mutantes” em 1972. No mesmo ano, fugindo da repressão da ditadura militar brasileira, Voss retornou para a sua terra natal. Na França, além de trabalhar para a “Metal Hurlant”, o desenhista participou de algumas publicações das HQs “Charlie Mensuel” e “Mormoil”. Voss recebeu o prêmio de melhor álbum do ano da Europa, em 1982, com a revista “Adrénaline”. Em 1981, após passar nove anos morando na França, o desenhista retornou ao Brasil, onde permaneceu por quase dez anos antes de retornar para a Europa. Durante essa década, o artista teve seus trabalhos publicados nas revistas “Inter!quadrinhos” e “Monga – A Mulher Gorila”. Em 1989, na primeira edição do Troféu HQ Mix, Voss levou o prêmio de melhor desenhista nacional. Um ano depois, uma mostra sobre o seu trabalho realizada no Museu da Imagem e do Som, ganhou o Troféu HQ Mix de mellhor exposição. Alain Voss também chegou a trabalhar com ilustrações publicitárias e promocionais. O artista passou os seus últimos anos em Portugal, onde produziu pinturas, ilustrações para livros e capas de álbuns. Em 2009, após ter-se recuperado de um infarto, Voss decide voltar ao Brasil. O desenhista colaborou com a edição brasileira do “Le Monde Diplomatique”, lançou a série “Anarcity”, produzida no computador, e fez a tirinha “Os Zensetos” para a revista “Caros Amigos”. Com a piora de seu estado de saúde, Voss retornou para Portugal em 2010, onde faleceu em decorrência de um AVC em 13 de Maio de 2011, aos 65 anos.
Autor de uma arte impecável, mestre da composição gráfica e do desenho, Voss era criador de histórias de temas polêmicos, como nazismo, violência e sexo. Contudo, a sua intenção era fazer uma crítica ao sistema através do sarcasmo e sensualidade de suas obras, que aliás, são difíceis de encontrar em sebos brasileiros. Mesmo quando já não podia desenhar como antes, devido às sequelas de seu infarto, Voss continuou a trabalhar utilizando programas de computação. Seus amigos o descreviam como generoso e loquaz. Entre os seus hobbies estavam fazer miniaturas, réplicas de carros e motos antigas, e a pesca submarina. Enfim, essa verdadeira lenda da HQ será lembrada, sobretudo, pela sua imensa capacidade de instigação e pela fidelidade ao seu próprio e genuíno traço.