Em minhas incursões agrárias aprendi que não é possível semear sem antes preparar adequadamente o solo. Depois de assegurar-se de que seja um solo fértil e bem estercado, revolver então a terra, preparar o canteiro para somente então deitar a semente e espalhar uma fina camada de terra peneirada. Ainda como medida de cuidado e proteção às sementes, cobrir o canteiro com um tecido de linhagem porosa. Dia após dia o canteiro deve ser regado até que emerjam para a luz as pequenas protuberâncias verdes... Verdadeiro milagre da natureza...
Quando se trata de ‘semear’ entre os seres humanos, isto se torna bem mais complexo. Lembrando que cada pessoa é diferente da outra, isto inviabiliza um padrão e uma regra específica para a semeadura. Se para alguém uma semente que lhe tenha sido ‘depositada’ pode levar anos para germinar, para outro alguém isto pode acontecer quase que imediatamente; e ainda para uma terceira pessoa a semente pode nunca germinar. Os seres humanos, dada a riqueza e pluralidade de suas personalidades e histórias de vida, apresentam reações diferentes, imprevisíveis e até mesmo paradoxais.
Justamente por tudo isso, trabalhar com pessoas costuma ser um desafio bastante grande, quer se trate do nosso cliente, do nosso colega, do nosso superior imediato ou de quem quer que seja que componha a rede de atendimento em que estamos inseridos.
Mas, antes de prosseguir, talvez valesse a pena formular a pergunta: “O que é mesmo ‘semear’ entre os seres humanos?” Isto assume diferentes nuances a partir do papel que se está desempenhando. Na tentativa de construir uma linha de base comum para a definição do termo, poder-se-ia pensar em uma palavra ou uma ação que estaria sendo dirigida até o outro e que visaria a “tocar seu coração”, isto é, desencadear uma mudança positiva de conduta na pessoa; em outras palavras, uma intervenção que possui fins terapêuticos. Lembrando que o ato de semear entre seres humanos deve ser espontâneo e destituído daquela arrogância presumida de quem sabe o que é melhor para o outro, assim, despido de qualquer intenção de mudar ou de “fazer a cabeça” do outro. Apenas e tão somente um ato de generosidade, que pode ser reconhecido ou não, aproveitado ou não pelo interlocutor.
Enquanto psicóloga e no atendimento ao cliente a semeadura deve se constituir ao mesmo tempo num ato de amor e numa paciente espera. Na relação de inconsciente para inconsciente não há determinismos psíquicos preestabelecidos ou posições hierárquicas a serem asseguradas. Apenas e tão somente a atitude incondicional de estar com o outro “para o que der e vier”, isto aliado ao reconhecimento de que o mesmo é o(a) dono(a) absoluto(a) de sua própria vida e que cabe à pessoa decidir o que vai fazer com as sementes que nela depositamos. O respeito é fundamental em qualquer contexto.
Na relação com o colega, o ato de semear torna-se bem mais dificultoso, visto que em geral há mais competição e rivalidade do que cooperação e coleguismo entre os profissionais. São bastante conhecidas as “puxadas de tapete”, as distorções propositais, as tentativas dissimuladas de destruir o trabalho ou a reputação do outro. Neste contexto, costuma funcionar e facilita para a semeadura identificar e colocar uma lente de aumento nos aspectos positivos do colega; neste caso a relação se dá a partir da aliança que se estabelece com a parte positiva do outro. Isto auxilia na diminuição e controle de fantasias persecutórias, de forma que o colega não se sinta ameaçado pelo brilho de seu interlocutor, e ao mesmo tempo, o nosso semeador não se sinta desconfortável ou constrangido ao manifestar competência.
É bom lembrar que a semeadura não se constitui tampouco em um ato para agradar ou adular o outro. A semeadura é aliada da verdade, da espontaneidade, da disposição para a construção de algo essencialmente bom, em resumo, um ato de doação que acontece independente dos resultados.
A semeadura é válida em qualquer contexto, um investimento na raça humana feito com discrição, sem a expectativa de dividendos.
Semear é bom. Faz bem à alma. Vamos continuar semeando...