Sempre que penso em Nova Iorque penso em Woody Allen. O cineasta é tão apaixonado pela ‘big apple’ que a associação já está feita em minha cabeça. Mas nem sempre que penso em Woody Allen penso em Nova Iorque, mas sim em Billie Holiday, Bogart, Tennessee Williams, Sinatra, Cézanne, Potato Head Blues e toda a sorte de referências culturais que o próprio Woody faz questão de, em absolutamente todos os seus filmes, referir.
Acho bonito, mas cansativo um bocado. Cansativo a ponto de pôr-me em estado de quem pesca uma truta em tarde interminável. Porque reunir tantas referências em uma única película obriga-nos a filtrar muito em pouco tempo e isso cansa, e cansada eu durmo. Pois já não basta a própria intelectualidade de Woody Allen a atacar-nos no sofá – entre elegantes baforadas de charutos e fala pausada e eloqüente sobre correntes filosóficas e glamour decadente – que já vêm outras inferências, por meio de suas personagens, a fundir os cérebros de cinéfilos desprevenidos como eu. São tantas teorias sendo consideradas, analisadas e discutidas em seus filmes que, por vezes, enlouqueço e penso que Diane Keaton é algum filósofo existencialista que não conseguia, de nenhum jeito, acomodar-se em um terno.
Entrementes, apesar de exigir atenção por tanto apontamento cultural – e por isso ser considerado, por muitos, um cinema “bored” – os trabalhos de Woody Allen são deliciosos justamente por colocar-nos inquietos diante de tantas influências. Incoerente? Talvez, mas Woody Allen disse que “a coerência é o fantasma das mentes pequenas”. Devo dizer, também acho.
E digo mais, entendi finalmente o motivo de suas personagens serem incoerentes: porque são grandiosas. Porque a verdade é que pessoas coerentes o tempo todo são chatas, a ponto de Tom Hanks parecer empolgante. Pessoas que não dramatizam, não agem por ímpeto, não pensam em algo realmente estúpido vez ou outra são o que há de mais tedioso. E Woody Allen sabe disso, porquanto jamais admitiu que suas personagens fossem de todo coerentes. Compreensível, tratando-se de um cinema cuja característica é o comportamento neurótico de pessoas aparentemente comuns.
Woody explora o cotidiano sob um viés filosófico, mas com uma tendência irônica. Suas personagens provocam um pensamento crítico com inteligentes diálogos travados nas mesas de botequins e em corredores de exposições de arte.
E como um bom intelectual neurótico, virou mestre em criar tais personagens que são adoravelmente intrigantes. Sem dúvida, as personagens de Woody formam o grupo mais ‘cool’ de todos os tempos, para desespero dos ‘indies’.
A densidade de Woody veio inspiradíssima dos filmes de Ingmar Bergman, no entanto, Woody cutuca-nos com mais misericórdia, uma vez que o sueco é capaz de abrir a nossa mente para uma introspecção tão densa quanto perturbadora, a qual parece sugar o ensolarado dos dias para levar-nos aos lugares mais escuros do ser humano. É incômodo, invasivo e obriga-nos a enxergar a nós mesmos - e, pior, enxergar a gravidade das coisas.
Woody, não. Woody pega leve, sabe brincar. É mais dado ao blasé e está mais preocupado em mostrar nossas loucuras do que em nos fazer refletir sobre elas. Isso é perceptível quando, com toda sua espirituosidade, coloca as reflexões dentro de um contexto bem humorado e, por vezes, cômico.
Seus filmes podem ser verdadeiros canais inspiradores. São sempre compostos, indutivos e, principalmente, generosos no que se refere a infinitas interpretações. Woody pronuncia-se acerca das coisas mais simples como quem o faz acerca de coisas extraordinárias. Acima de todas as citações e influências, o cineasta confessa inspirar-se na cidade. Na sua Nova Iorque, palco de quase todos os seus filmes.
Woody Allen é tão urbano que tenho a impressão de que se encontrasse Virginia Woolf – e sua paixão pelo frenesi metropolitano – seria um encontro de uma fatal sensação orgástica.