Tal como o Mago, arcano I do Tarot de Marselha, Alice deverá tornar-se uma aprendiz sábia e descobrir nas suas profundezas todas as capacidades que lhe vão permitir clarificar o sentido da sua vida. Tendo como bagagem o seu desejo e sobretudo o seu desejo de viver, ela irá partir à conquista da sua existência e a sua primeira tarefa será a de se identificar. O conflito da identidade perpassa toda a história de Alice e tal como o Mago ela deve passar do lúdico ao lúcido. O seu caminho iniciático é o de se encontrar a si própria mas para isso deverá passar pela porta dos homens e tornar-se adulto.
Neste caso, as pequenas mortes sucessivas do corpo metamórfico de Alice revelam ser um sintoma iniciático nesse sentido.
No entanto, e tal como a Papisa, arcano II do Tarot, Alice possui uma verdadeira dificuldade em viver e assumir a sua corporalidade mas nem por isso desiste de procurar “ o lindo jardim “, isto é, de buscar o seu ideal, de viver o seu próprio projecto individual e isso leva-nos ao IV arcano do Tarot, o Imperador. Ele é o símbolo da porta que tudo abre… tem a ver com todas as portas corporais e sobretudo com os lábios, algo que manifestamente se abre com Alice quando é convidada a comer e a beber ao longo da história.
De qualquer modo, é com o arcano V, o Papa que o indivíduo se questiona a fim de progredir na sua evolução, tal como Alice acaba por fazer no diálogo que tem com a Senhora Lagarta ou no Chá com a Lebre de Março e o Chapeleiro Maluco! Neste caminho evolutivo é necessária uma operação: escolher, decidir.
Tal como o arcano VI do Tarot, o amoroso,Alice tem que aprender a decidir, a escolher, inclusive ao nível da moral e dos valores, quando se encontra perante a ditadora Rainha de Copas.
Para isso, ela deverá caminhar ao encontro do VIII arcano, a Justiça, pois esta funciona com o espelho permitindo o discernimento, o único acesso à verdade interior. São os nossos julgamentos que nos julgam! Os índios costumam dizer que o corpo do homem é “ uma cidade de 9 portas”, sendo que o 9 simboliza o tempo e o arcano VIIII, Eremita, também. Aliás mais, o Eremita representa simultaneamente o tempo e a rebeldia contra ele, tal como Alice, que deseja sair da monotonia diária, do tempo cronológico e instalar-se no tempo do Chapeleiro Maluco, seu aliado, com quem se pode conversar! Alice escuta, ouve os outros e essa é a via da humildade que leva à consciência de que nós somos corpo. Somos olhos, cabeça, coração, ouvidos….
E assim somos chegados ao arcano X, a Roda da Fortuna cuja lei é a de se adaptar constantemente à nossa fisiologia. É o eu profundo que se prepara para aceder à realidade essencial. Tocando no centro tudo entrará em ordem e será com este conhecimento em harmonia que se encontra a chave. Foi o sonho de Alice que lhe permitiu entrar dentro de si própria, n o seu centro metamórfico, de compreender a noção de inconsciente assim como a noção de presente como única realidade existente.
Este arcano simboliza a viagem interior que neste caso Alice fez simbolicamente através da toca do coelho. Com este arcano Alice descobre a realidade do Outro, de outros seres e o seu questionamento incessante ao longo dos diálogos encontra o seu lugar no coração da própria humanidade, já que corresponde aos anseios, dúvidas e arquétipos universais de qualquer ser humano.
Todos nós temos um país das maravilhas.
Falta descobri-lo! Mas tudo está n as nossas mãos, na força para girar puxadores; o que nos conduz ao XI arcano: A Força.
A Força ajuda a Roda da Fortuna a girar. A sua simbologia tem a ver com a palma da mão, com a sua receptividade, demanda, ajuda. Alice utiliza as mãos para comer, beber e rodar a chave que lhe permite abrir as janelas de aprendizagem.
Todavia, o arcano que decisivamente se identifica com a prova libertadora que pode destruir barreiras, medos, preconceitos e ir para além das aparências é sem dúvida o arcano XVI: A Casa de Deus. Ela permite enxergar os verdadeiros valores e prever as situações de conflito. Tal como Alice enxergou de repente que o julgamento era apenas um cenário de um baralho de cartas!
A motivação para tudo isto encontra-se no arcano XVII: a Estrela. Ela continua o trabalho da Casa de Deus permitindo o desembaraço do labirinto e as portas da vida afectiva, o revelar de um segredo que é a inteligência do coração.
Com o arcano XVIII, a Lua, temos o mundo da imaginação humana, que Alice evidencia fantasticamente. Temos a noção de inconsciente colectivo que está presente na porta da árvore por onde Alice entra para o país das maravilhas.
Temos a dicotomia: real / ilusão e a possibilidade de a ultrapassar com a criatividade e vontade de mudar uma parte da realidade. Fazer metamorfoses. No caso de Alice: mudar de tamanho. Crescer ou não conforme o contexto. Adaptar-se e fazer adaptações. O arcano XX torna, por seu lado, o inacessível omnipresente. A pessoa sai do tempo, da temporalidade encontrando uma nova dimensão e criando o seu próprio futuro. Para isso temos que nos aceitar como somos e os outros também. É símbolo da ligação social e da justiça humana.
Aquilo a que Alice chega no final da história, ajudando outros a quem já ganhou afeição, mesmo que sejam totalmente diferentes dela, percepcionando realidades outras e que são manifestamente sociais e finalmente improvisando uma solução com base numa revolução de consciência que ultrapassa o tempo.
Finalmente o arcano XXI, o Mundo, é o coroar da vida, é a animação da própria vida É aquilo que Alice faz no seu país maravilhoso, anima todo o país das maravilhas com propriedades humanas, iluminando outras que o não são. É o arcano das pulsões alimentares e consequentemente da curiosidade que motiva o indivíduo. É o arcano das adaptações a um mundo que é louco, guardando sempre a sua identidade. E para isto nada melhor que a receita do arcano XXII, o Louco, que nos diz que o parecer louco é o segredo dos sábios. Alice dá ouvidos a este sábio que vem ao seu encontro sob a forma de Chapeleiro e escuta os seus sábios conselhos, nomeadamente no que diz respeito ao Tempo.