Um dos grandes debates éticos ou filosóficos de todos os tempos é a questão do ser e parecer. Na psicologia, essa questão pode ser visualizada, em um de seus aspectos, como o comportamento humano referente à busca de afirmação constante, o fazer de conta que é diferente do que é, escondendo o que considera depreciador, criando uma “nova figura”, uma aparência aceitável, uma máscara, tanto quanto uma marca.

Massacrado por suas não aceitação, suas não realizações e demonizado na escala social pelos atributos que oferece, como renda, origem e educação, por exemplo, o indivíduo que não se aceita passa a agir como se fosse outro, ocultando ou camuflando o que realmente é. Apesar de ser um comportamento que gera muita tensão para ser construído e mantido, é o que há de mais comum e frequente atualmente. Toda e qualquer sociedade tem seus valores e suas medidas de avaliação. Preconceitos são assim formados: alguns grupos ascendem e maiorias são discriminadas por motivos variados, sejam eles em função da pobreza ou riqueza, da xenofobia, das questões de gênero, de etnia etc. Enfim, inúmeros critérios segregativos ou discriminatórios. Mas o que é constante é a divisão em classes, fundamento de estranhezas/engajamentos, repulsas/acolhimentos, explorações/ganhos, em síntese, de a priori.

Nesse contexto, as pessoas ou aceitam as discriminações e as transformam, as destroem, ou começam a encenar com base nos critérios pelos quais se sentem discriminadas e diminuídas, e passam a imitar, a se considerar uma “boa cópia, boa figura” do estar social. Aparentar ter o que não se tem, saber o que não se sabe, essa simulação como maneira de ser bem considerado aparece nas situações mais corriqueiras, como inconsequentes “pequenas” mentiras sobre lugares que se frequenta, o que se come, o que se compra e supostas amizades, e também em fingimentos graves, como a criação de falsa identidade, plágios e falsidade ideológica. Esse comportamento está presente em vários setores sociais: nas famílias, nas escolas, nos ambientes de trabalho, entre comandados e chefias, nos ambientes universitários, na política e nas comunidades religiosas.

Sendo assim, representar é o que interessa. Mentir ajuda. A verdade atrapalha, pois revela o que não se aceita, o que não é aceito. Nesse horizonte de mentiras, erros e acertos, são geradas espertezas, ansiedade, depressão e medo. É também nesse contexto que surgem contemporizações, desistências e penalidades. As mentiras criam mais mentiras. Tudo o que é vendido passa, algum tempo depois, a ser comprado mais caro. O adiamento, a vaidade, o fazer de conta, o jeitinho possibilitam alguma coisa, mas cada vez mais inviabilizam a aceitação de si. Personagens são assim criados e validados pela aceitação do aparente. A frase de consolo dessas pessoas que trocam ser pelo parecer é: “Vindo de onde eu vim, muito já consegui, isso é bom, é o que vale, posso me olhar no espelho e sorrir, mesmo que tenha chorado.”

Essas ações e esse comportamento são direcionados para resultados, para a conquista de uma imagem como definição da individualidade e, assim, criando mais um robô para a fileira massificada da alienação. Cada vez mais diversificados em fábricas esmeradas, determinam e governam o que se faz e o que não se faz. É o processo de despersonalização que engendra a massificação atual existente. É um ciclo vicioso que se retroalimenta nas instituições sociais, se expressando de várias maneiras, como quando se vota em um governante, um representante popular, em troca de benesses como emprego, viagens, contratos etc.

Estar preso às conveniências, judicializando desejos e exibindo aparente lucidez, fingida sensatez e cultura, abre portas, cria adeptos, estabelece sociedades que continuam a levar adiante a simulação, a despersonalização e a destruição do que é legítimo e verdadeiro, ou seja, o humano, suas possibilidades de revolta e de mudança como exercício continuado de sua honestidade, do perceber que existe sem escondê-lo por circunstâncias.