Como é chorar pela perda, sentir saudade, querer agarrar o tempo pelos cabelos do vento para que nada se modifique e nada se perca? É desta forma que, imbuídos de uma valentia boba que nos atravessa e, por assim dizer, nos faz supostamente heróis, achamos possível driblar aquilo que está escrito antes de nós e permanecerá depois de nós.
Desiludidos que ficamos pelas expectativas de parar o relógio do tempo, modificar finais e ainda ter a frustração de sermos absolutamente incapazes de limitar finitudes de qualquer ordem, caímos no chão e nos debulhamos em lágrimas, desespero, tristeza, dor e fraqueza. Uma fraqueza das vísceras, um frio gelado que bate na alma impura e perdida, desamparada e distante de tudo que aquece o coração.
Há os que se deprimem e ficam letárgicos, aqueles que são pura ação, os que choram e os que paralisam. Há ainda aqueles que não se importam, mas, sobretudo, há aqueles que lutam desesperadamente para ressignificar aquilo que chamo de perdas desnecessárias.
Viver o luto é importante para dar vazão ao sentimento, às lembranças, entender a falta física, o apego energético e as vivências. Pessoas são presença física do contato, tato, voz, cor, cheiro, gostos, intimidade, sintonia. Essa inapropriada situação perdura até que os laços espirituais se coordenem e permaneçam de alguma forma, em algum lugar ou seguros por alguma corrente invisível, tamanha é a força das nossas conexões com nossos semelhantes.
Desta forma, e apenas desta forma, conseguimos continuar teimosamente respirando e vivendo, desobedecendo nossos impulsos de partir junto ou ficar ali, debulhando-nos em lágrimas até secar e murchar, mesmo sentindo a falta do "Outro".
Assim, ainda incertos de como conseguimos tamanha façanha de viver com a falta, damos lugar a uma culposa gargalhada, alegrando-nos com algo colorido, vivo, inédito, ou simplesmente agradecendo por estar vivo. Na verdade, os dois sentimentos moram dentro de nós, mas é impossível acreditar que todos os sentimentos estão ali à disposição de nossa fugaz interpretação.
Se devo chorar pela falta e me sinto incompleto pela ausência do outro, seus afagos, palavras e carinho, como é que posso me alegrar e dizer ao mundo que consigo viver bem sem o que o outro me causava? Parece uma traição àquele que se foi, mas é nossa alma viva pedindo passagem e dizendo que não importa o que aconteça, houve uma vivência realizada, um encontro concedido e um significado estabelecido. São essas presenças e passagens que nos tornam o que verdadeiramente somos: humanos.
São desses sentimentos tumultuados e em ebulição que nasce a força para nos levar ao momento seguinte, virar a página e encontrar outras motivações e projetos, poder comemorar a vida, as chegadas e as permanências. E por que não?
Qual é o sacrilégio de nos permitir gozar, criar possibilidades e curar feridas tão inoportunas e desagradáveis como a falta, a solidão, o sorriso e a ausência da presença? Somos cheios dos "Outros" que nos rodeiam, porém, nossas vivências são absurdamente solitárias e delas podemos fazer o que for mais necessário às nossas curas, oportunidades e existência.
Se devo chorar e me despedaçar pela falta, há de se ter lugar para sorrir, brincar, alegrar-se e viver. É possível também que, com o tempo, não lembremos a cada instante daquele que se foi, mas nem por isso esquecemos o quanto fomos atravessados por sua vida, e menos ainda maculamos a imagem ou significância de sua representatividade em nós.
Para além da tristeza, existe a alegria; para os momentos gélidos da alma, existe o calor de um olhar que aquece; para a inquietude irritante da falta, há a continuidade de outras presenças; e para a insistente permanência de vida, existem inúmeros recomeços.