De certo, o que o coração humano almeja encontrar é um outro que nos faça enlouquecer de paixão, traga risadas soltas, ninho quente, carinho escancarado e planos por vir. Por mais que nos sintamos bem sós, e isso deveria ser uma máxima, também é real que a falta do outro nos entristece. Não é sobre a metade da laranja, também não é sobre alma gêmea ou ainda sobre a tampa da panela ou mesmo sobre queijo com goiabada, Romeu e Julieta e outros encaixes, mas existem entregas plenas. Há encontros eternos, que duram para além do inesgotável.

E o que é isso, afinal? Como pode haver encontros tão perfeitos que não resistem à vida, e outras relações que caminham mornas uma vida inteira? Relacionamentos afetivos são inexplicáveis. Por vezes, você ama intensamente, em outros momentos você odeia, e em outros volta a se apaixonar. Sempre acreditei em dois pontos-chave: o diálogo e a boa conversa trazem intimidade e aconchego. Aquece a alma e gera pertencimento, e não posse. Desincha o peito, encontra uma forma de se colocar, nos enche de clareza e certeza e nos leva adiante. E a química, o tempero certo que azeita nosso prazer.

Entretanto, existem momentos tão desafiadores, como aqueles que envolvem doença e trazem solidariedade e companheirismo ou abandono, os financeiros que podem gerar brigas despertando o que há de pior no ser humano, e descaso que pode gerar doenças e compulsões terríveis. Não é a traição ou a falta de amor, ou ainda os dessabores diários que enlouquecem uma relação, mas o poder. O poder da palavra, o poder financeiro, o poder racial e de gênero. O poder de usar o outro sem limites. Construções já arruinadas em sua base geram luto em vida e perpetuam sofrimentos.

Que difícil, não é mesmo, falar de um assunto que nos parece tão desnecessário e abstrato, porque o bom mesmo é falar dos momentos felizes. Momentos felizes! Momentos felizes? Momentos felizes... Existem momentos tão eternizáveis e doces que nos fazem esquecer as durezas do cotidiano, e ao mesmo tempo, existem momentos tão perturbadores que nos ensurdecem inteiros.

Qual o substrato necessário que garante nossa sanidade para que não enlouqueçamos ou ao outro, o que nos permeia e distingue a ponto de manter a dignidade sem responsabilizar a outra parte pelas nossas torturas, pois mesmo que estejamos lidando com um “vilão”, há de se ter o mínimo de sanidade afetiva para discernir e conseguir traduzir as relações destrutivas e buscar outro caminho. O que pode nos acalmar a alma para que encontremos o caminho de volta e não grudar na existência alheia. Sobre o outro não há nada a dizer, sobre nós há tudo a dizer, sedimentar propósitos, curar velhas e novas feridas e fluir de forma mais integral com o presente. Caso contrário, seremos nós os vilões. De nós mesmos ou dos outros.

Existe um ponto limite que se configura em algum lugar da cabeça, no racional, na alma, no coração ou onde você desejar colocá-lo, que deve nos fazer enxergar o quão distante estamos dos nossos possíveis enamorados. O que faz não desejar mais, apagar da memória ou lutar eternamente por essa convivência. O que não é permitido é vivenciar com dor aquilo que deveria ser valor. Não sei como fazer isso, não consigo me desapegar, amo mais que a mim mesmo, o outro me dá sentido, enfim... muitas frases e sentimentos perturbadores. Há para esse cenário desnorteador uma possibilidade: pedir ajuda! Se reconheça na sua falta e lide com o possível e bom. Esse é um trabalho árduo, demorado e restaurador. Não há jeitos prontos, não há fórmulas, não há receitas.

Sobre as relações afetivas muito já foi dito, escrito, poetizado, romantizado e cantado, e mesmo assim, ainda há o que se dizer e viver, sobretudo o que sentir, encontrar saídas para bons momentos, que hão de ser maiores que os momentos ameaçadores e perdidos. Sim, somos perdidos na magistral retórica sobre relacionamentos afetivos e carentes no entendimento de toda essa trama amorosa, romântica, conveniente, funcional, condicional, carnal. Não importa muito a respeito do que estamos falando, mas como estamos agindo sobre isso. É importante considerar o que estabelece para mim uma zona memorável de conforto ou o que me escapa, me trai ou me consola, eis aí uma reflexão importante para os tempos atuais onde apenas um clique digital define começos, continuidades e términos. E quanto mais parece fácil esse amor digitalizado, mais difícil será lidar com os incômodos e a dor nele estabelecidos.