De todo modo, as tolices não são as cerejas dos bolos, são os recheios que configuram a trama, no drama da vida. Já cantava o compositor Altemar Dutra:

Veja só que tolice
Nós dois brigarmos tanto assim
Se depois nós vamos sorrir
Trocar de bem
No fim, para que maltratarmos o amor
O amor não se maltrata
Não (Altemar Dutra)

Está aí um sentimento difícil enxergar nos momentos de euforia que a vida nos oferece. Se ao menos tivéssemos um curso sobre não fazer tolice, talvez, fizéssemos menos. E você, qual foi a sua maior tolice até agora?

A tolice é uma dimensão que outros enxergam e a gente só percebe que ela existiu depois de muito tempo. Algo impensado, brusco, alimentado pelos hormônios pode virar com o tempo uma grande tolice! O poeta Manoel de Barros no livro do nada diz que “É mais fácil fazer da tolice um regalo do que da sensatez. Tudo que não invento é falso...” As tolices não podem ser descartadas. Elas fazem parte da nossa construção social. Já deixei de namorar um rapaz porque quando sorriu estava com feijão no dente. Também não dei um passeio de helicóptero porque tive medo. Briguei muitas vezes com meus irmãos por me achar coerente, onde estava totalmente desalinhada com a referida situação. Tudo tolices! O impensado machuca e por isso precisamos compreender que toda tolice faz parte da evolução dos seres humanos. Seria bom um medidor de tolices para orientar os desavisados. Então, por que fazemos tolices? Não estamos isentos de fazer tolices. Até em algumas conversas com os amigos, falamos tolices. As tolices nem sempre são feitas por tolos, mas por momentos de insensatez. O ciúme, por exemplo, por vezes é tolice. Ouvi muitas histórias de amor e amores enfeitadas por tolices. Por exemplo, pedir para guardar um segredo, é realmente uma grande tolice, como também falar demais, pode ser uma tolice. Na canção de Raul Seixas, Ouro de tolo, onde ele diz que corremos em busca de um ouro que nunca nos satisfaz e pelo desrespeito que damos a nossa vida indo na busca de sonhos apequenados.

Será que arrependimento e tolices caminham lado a lado? Nas experiências da vida, aquelas que narramos e que internalizamos, nos ajudam a identificar os passos das nossas tolices. Quando eu tinha dez anos fui numa festa de aniversário a convite de uma amiga que morava na minha rua, umas cinco casas depois da minha. O aniversário era em outra rua, era na casa de Marcela. Quando cheguei à festa não tive aprovação da Marcela, ela não me conhecia e perguntou o meu nome. Eu disse baixinho, timidamente, é Rúbia. Ele disse, que nome feio! Você não fica na minha festa. Dei meia volta e fui embora. Voltei para casa, fiquei pensando, não foi o meu nome foi o meu jeito de ser. Depois com o tempo, entendi que tolice ficar chateada com Marcela. Esta experiência serviu para compreender as tolices que aparecem nas nossas vidas. Eu tenho uma lista de tolices. E você? Penso que estamos preocupados em ter, em mostrar mais do que em pensar nas tolices. Quantas vezes fazemos picuinhas de algo que poderíamos deixar de mão. Quantas vezes nos aborrecemos por algo solucionável.

Então, por qual motivo o bullying vem tomando proporções indevidas? Estou muito triste com o recente trágico acontecimento, o menino Carlos Teixeira morreu por agressão de dois colegas na escola em São Paulo.

O que está acontecendo nas escolas? O que falta para que todos entendem que somos seres humanos? Onde está a ternura? Lembro quando dei aula numa escola municipal em Jaboatão dos Guararapes, região metropolitana do Recife, Pernambuco e ofereci aos alunos da primeira série hoje é o segundo ano do ensino Fundamental, massinha de modelar. O aluno fez um boneco e depois com fúria partiu o boneco em vários pedaços. A cena chamou minha atenção. Então, rapidamente afastei todas as cadeiras e comecei a brincar de faz de conta. Cada aluno dizia o que queria ser, um disse, quero ser um coelho, o outro disse que queria ser um super-herói e fizemos as fantasias, brincamos a aula inteira. Notei que a criança precisava brincar. Precisava sonhar. Claro que a diretora da escola, ficou furiosa, abandonei o conteúdo e fui montar as fantasias junto com as crianças. Certo dia cheguei na sala de aula e as cadeiras que eram de madeira estavam todas uma em cima da outra em forma de uma pirâmide. Pedi ajuda a Deus que iluminasse meu pensamento. Comecei a aplaudir o monumento e disse que todos iriam assistir aula sentados no chão. Depois desse dia eles não fizeram nenhuma atividade sem me consultar. Necessitamos compreender que os valores e as virtudes são importantes para um bem viver coletivo. A cidadania do afeto, projeto criado para desarmar toda forma de combate pode ser uma alternativa para construir a ternura nos corações dos seres humanos. Andamos prontos para revidar e aprendemos desde cedo. A Cidadania do Afeto traz atitudes e atividades onde a ternura, o afeto, a gentileza melhoram a convivência em comunidade. Os professores podem criar com os alunos, o soldado da alegria, que vai observar as crianças que estão precisando entusiasmo. A caçadora de arco-íris que vai procurar a união com a natureza, o pintor de sonhos, que vai pintar os sonhos de cada criança, a miss ternura, será a criança fora dos padrões que vai levar ações que enalteçam a ternura. Os professores podem criar com a Cidadania do Afeto uma nova construção social na escola. Segundo Berger e Luckmann1, a realidade não é uma coisa objetiva e imutável, mas sim uma construção social, ou seja, é criada e moldada pelas pessoas através de suas interações sociais. Isso significa que a realidade é diferente para cada indivíduo e grupo, pois cada um tem sua própria interpretação e compreensão do mundo.

Digamos que a nova construção social legitima os símbolos sociais e passam a moldar novas ações humanas. Penso que precisamos unir todas as vozes. Compreender consentimento e consenso em nossas atitudes.

Existem muitas profecias na educação, mas a educação é lugar de profecias ou de curiosidades? A ética do mercado, a ética do lucro, não cabe nas escolas. O pedagogo Paulo Freire1 afirma que devemos ter um pensamento profético. O pensamento profético implica na denúncia de como estamos vivendo e no anúncio de como poderíamos viver. É um pensamento esperançoso, que anuncia um mundo melhor. Profecia não é pessimismo: na real profecia, o futuro não é inexorável, é problemático. Há diferentes possibilidades de futuro. O autor ainda afirma que sem sonho, sem utopia, sem denúncia e sem anúncio, só resta treinamento técnico a que a educação é reduzida.

Diz Paulo Freire:

Como não é possível separar a política de educação, o ato político é pedagógico e o pedagógico é político...não pode reduzir-se a um processo utilitário, interesseiro, imediatista.

Devemos então, aceitar o sonho de um mundo melhor, ancorado na ética, ancorado na poesia, ancorado nos valores dos seres humanos. A esse respeito devemos consultar novas formas de organização como a sociocracia, que evidencia as vozes de todos, também pela metodologia de grupo focal para possíveis resultados na pesquisa qualitativa.

Digamos que criar meios para ajudar a melhorar o relacionamento nas escolas não é tarefa fácil, mas é educação exige muita atenção.

Necessitamos de mais sensibilidade para compreender as relações sociais.

Em algum lugar, um raio de luz
Dissipa a escuridão do futuro, reluz.
Há esperança, não se deixe abater
Pela decepção, mantenha-se em pé.

Em algum lugar, uma criança inocente
Que os demônios não conquistaram, uma mente
Pura e fresca, que não respira corrupção,
E uma felicidade que não vem da destruição.

Em algum lugar, um chamado ao bom senso,
Que alerta para os perigos do autoaniquilamento intenso.
Há gravidade em quem se leva a sério,
E gentileza que vai além do simples refrigério.

Em algum lugar, uma beleza resplandece,
Que permanece bela, não se esquece.
Uma consciência pura, sem mácula,
Que não oculta um crime, não se anula.

Deve existir um amor pela vida, verdadeiro,
Que não fala com língua de engano, é inteiro.
E uma liberdade que não oprime, não aprisiona,
Mas se constrói na dignidade, é sua doutrina.

(Maria Wine, poetisa e escritora sueco-dinamarquesa)

Notas

1 Berger, Peter. L; Luckmann, Thomas. A construção social da realidade. 1966.
2 Freire, Paulo. O livro da profecia: O Brasil do terceiro milênio, Denúncia, profecia, utopia e sonho, Paulo Freire, São Paulo, 28-40 de abril de 1998.