Quem somos? Onde estamos? Para onde vamos? Essas são perguntas essências de qualquer despertar espiritual.

Quem sou?

Uma resposta para essa pergunta normalmente começa com nosso nome de registro, seguido de nossas profissões e ocupações. Mas quando mudamos de profissão, por exemplo, será que mudamos quem somos? Ou apenas exercemos uma nova função?

Ou quando olhamos para o futuro, eu posso me imaginar sentada numa mesa grande cercada de rostos familiares, e um pequeno serzinho a correr para o meu colo e me chamar de ‘vovó’. Será que já sou aquilo que serei? Ou nossas ocupações sociais não dão conta de responder quem verdadeiramente somos?

A vida apresenta muitas possibilidades e é muito frágil nos agarrarmos a representações tão impermanentes. Mas para além das ocupações cotidianas que nos nomeiam, afinal quem somos? O que há para além dessas camadas sociais que tantas vezes parecem nos restringir mais do que nos nomear. Como nos identificamos quando estamos sozinhos, em silêncio, e não é necessário nomes e titulações? Como me vejo quando fecho os olhos? O que há para além do corpo físico?

Onde estamos?

A resposta mais precisa conteria meu endereço, uma indicação no mapa de minha localização exata, e a resposta mais ampla poderia mencionar o nome do planeta que habitamos. Mas para além da nossa localização física, onde nos encontramos emocionalmente? Que momento estamos atravessando? Aonde chegamos na nossa jornada da vida?

Essa é uma pergunta muita sutil, porém muito complexa, difícil de ser respondida sem alguns momentos de reflexão e meditação. Uma pergunta interessante que poderia indicar nossa localização emocional é: O que nos irrita? O que nos causa raiva? O que ocupa e polui nossa mente?

A resposta para essas perguntar muitas vezes contém pessoas, situações, acontecimentos, e é um grande indicador de nossa fragilidade. Alguns poetas dizem que estamos onde nosso coração está. E essa é uma grande verdade, estamos onde está nosso coração, nosso pensamento, nossa emoção, em suma nossa energia. Onde está sua energia? Onde você está nesse momento?

Para onde vamos?

“Estamos indo de volta para casa” já dizia Cassia Eller entoando a bela composição de Renato Russo. No final de um dia útil (ou um dia inútil de semana) esse costuma ser o desejo e destino de muitos trabalhadores. Comer, dormir, trabalhar. Esse costuma ser o cotidiano da maior parte do nós, proletariados. Mas para além desse ciclo vicioso que visa alimentar e descansar o corpo físico, quais as nossas motivações?

Para onde vamos quando não temos obrigações profissionais e sociais? Qual o nosso destino? Aliás de onde viemos? E para onde estamos rumando? Qual é a nossa trajetória e onde queremos chegar?

Em busca de sentido

Em seu livro Em busca de Sentido: um psicólogo no Campo de Concentração, o psiquiatra Viktor Frankl apresenta a Logoterapia, a terapia através da busca de sentido de vida de cada indivíduo. No livro, o autor relata sua experiência em um campo de concentração, onde perdeu sua esposa, pais e um irmão. Durante seu tempo como prisioneiro no campo de concentração de Auschwitz, Frankl pode observar que aqueles que apresentavam um sentido de vida, como cuidar de filhos, entre outros, possuíam maiores chance de sobrevivência, independente de sua força física.

Para Frankl1:

A felicidade não pode ser buscada, precisa ser decorrência de algo. Deve-se ter uma razão para ‘ser feliz’. Uma vez que a razão é encontrada, no entanto, a pessoa fica feliz automaticamente. Na nossa maneira de ver, o ser humano não é alguém em busca da felicidade, mas sim alguém em busca de uma razão para ser feliz, através - e isto é importante - da manifestação concreta do significado potencial inerente e latente numa situação dada.

A felicidade é encontrada na razão de viver. Essa reflexão reforça a máxima de que dinheiro não traz felicidade, uma vez que está no sentido de vida, que é singular, distinto para cada indivíduo. Para muitos o sentido de vida pode ser cuidar de um terceiro (filhos, pais, avós, trabalhos voluntários diversos) educar, servir de algum modo com uma habilidade, conquistar um objetivo etc.

Futilidade x felicidade

Por mais que a fórmula da felicidade possa parecer uma equação simples, a aplicabilidade nem sempre é de fácil concretização, especialmente no cenário de grandes estímulos de aquisição material. Objetos, roupas, utensílios, são inúmeras as ofertas, sempre descartando objetos anteriores e ofertando novos produtos que de acordo com o mercado seriam essenciais para uma vida feliz.

Essas ofertas, entretanto, já não conseguem ludibriar muitos indivíduos desperto para a armadilha do ciclo vicioso de excessos do mundo moderno. Na década de 1960 o autor Guy Debord publica A Sociedade do espetáculo, onde aponta a crise dos excessos capitalistas e a transformação de todos os setores da vida em mercadoria, inclusive a experiência. Nas sociedades modernas o real é substituído pela representação, o tempo se torna cronometrado, e a mercadoria é o fim de qualquer produção. Em sua crítica à sociedade do consumo, Debord2 aponta a alienação, a separação e ausência de autenticidade.

Não se pode contrapor abstratamente o espetáculo à atividade social efetiva; este desdobramento está ele próprio desdobrado. O espetáculo que inverte o real é produzido de forma que a realidade vivida acaba materialmente invadida pela contemplação do espetáculo, refazendo em si mesma a ordem espetacular pela adesão positiva. A realidade objetiva está presente nos dois lados. O alvo é passar para o lado oposto: a realidade surge no espetáculo, e o espetáculo no real. Esta alienação recíproca é a essência e o sustento da sociedade existente. No mundo realmente invertido, o verdadeiro é um momento do falso.

O que Debord chama de espetáculo em 1967 é relativo à publicidade, televisão, celebridades etc., que ele declara como uma inversão da vida, do sentido da vida. Hoje essa compreensão poderia ser expandida para os aparatos tecnológicos, e todas as formas de acompanhar o cotidiano alheio, espetacularizando na maior parte das vezes ações de indivíduos ordinários em tarefas medíocres, ou meramente rotineiras.

O contrafluxo

No meio do caos das sociedades industrializadas e capitalistas, cada vez mais observamos tentativas de caminhar no contrafluxo. Inúmeros são aqueles que se propõem a por exemplo, não usar as redes sociais, a limitar seu tempo de uso, ou se permitem tempos offline, em busca do tempo de qualidade. A busca pelo contrafluxo almeja algo novo, distinto, fora do padrão. Muitas vezes esse novo é vislumbrado em locais distantes, longínquos, que podem ser compreendidos como menos convencionais, ou menos espetacularizados.

A natureza muitas vezes é encarada como o oposto da comercialização, do shopping center, do consumo e de propagandas. Em busca pelo silêncio, pelo real, mais e mais pessoas exaustas do caos cotidiano e desacreditadas no ideal da felicidade proveniente do bem material buscam sair desse ciclo vicioso, se retirar. E muitos encontram no retiro espiritual, a resposta para essa busca interior.

Como se retirar sem aniquilar o corpo físico? Talvez uma retirada temporária, que nos lembre os fundamentos essenciais. A natureza é sempre abundante, não nos dá aquilo que desejamos, mas aquilo que precisamos nesse momento. Sou parte da natureza, estou no meio do real e do irreal. Vou ao encontro de mim mesma!

Notas

1 Frankl, Viktor E. Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração. Porto Alegre, Sulina, 1987.
2 Debord, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Ed. Contraponto, 1997.