É muito comum para nós ocidentais, quando pensamos em Idade Média, focarmos a nossa atenção apenas na Europa. Se expandirmos os nossos horizontes, chegando até ao Oriente, veremos que a "Idade das Trevas" é muito mais brilhante do que poderíamos supor. Vejamos alguns exemplos.

Por muito tempo acreditou-se que a invenção da imprensa era devida a Gutenberg. Porém, a grande verdade é que a imprensa surge na China, durante a Dinastia Sui, que governou entre 581 e 618 d.C. A primeira impressão de que se tem registro foi sobre um decreto imperial datado do ano de 593 d.C, cerca de oitocentos anos antes do ocorrido na Europa. Vale ainda destacar que a China já fazia uso do papel desde o ano 105 d.C, quando a Europa fazia uso de outros meios de documentação, como o pergaminho.

Na verdade, a ciência chinesa encontrou um desenvolvimento extraordinário durante a Idade Média, colocando a China na vanguarda da produção científica e tecnológica. Por exemplo, a bússola tem suas origens nos tempos dos Reis Combatentes, ainda na Antiguidade, permitindo o desenvolvimento da navegação chinesa. Existem teorias de que teriam chegado nas Américas em 1421, 71 anos antes de Colombo. Apenas na Idade Média tardia, durante a Dinastia Song, é que a bússola foi levada para o mundo árabe e, posteriormente, para a Europa.

Similarmente, também foi a China a responsável pela descoberta da pólvora, no século IX, por alquimistas, durante a dinastia Song. Seu uso inicial era para a produção de fogos de artifício. Porém, já entre X e XIV, passou a ser usada para fins militares, como flechas incendiárias, armas de fogo e granadas rudimentares. Apenas no século XV é que a pólvora chega à Europa.

Muitas outras inovações poderiam ser citadas como a descoberta da primeira supernova durante a Dinastia Han, a construção de um relógio astronômico em 1088 d.C., a elaboração de uma teoria para a formação da terra pelo pensador Shen Kuo, que viveu no século XI. As descobertas da bússola, da pólvora e da imprensa ganham destaque pelo profundo impacto que tiveram na história, modificando completamente a ordem mundial, uma vez que possibilitaram o início das Grandes Navegações e facilitaram a Revolução Científica, o que faz com que sejam chamadas de "As Três Grandes Invenções". Alguns estudiosos acrescentam o papel e falam das "Quatro Grandes Invenções". O filósofo inglês Francis Bacon, após refletir sobre essas descobertas chinesas, escreveu as seguintes palavras em sua obra Novum Organum:

Impressão, pólvora e bússola: Estas três mudaram toda a face e o estado das coisas em todo o mundo; a primeira na literatura, a segunda na guerra, a terceira na navegação; de onde se seguiram inúmeras mudanças, tanto que nenhum império, nenhuma seita, nenhuma estrela parece ter exercido maior poder e influência nos assuntos humanos do que essas descobertas mecânicas.

Pode-se notar, por meio dessas descobertas acima citadas, que a ciência e tecnologia chinesa apresentava, até o século XV, um nível de desenvolvimento muito superior ao resto do mundo, em especial quando comparado com a Europa. Daí que surge a seguinte questão: por que a Revolução Científica surge na Europa e não na China?

Somente no século XIX é que a China conseguiu a sua primeira contribuição fazendo uso do método científico. A questão acima intrigou profundamente o bioquímico e historiador britânico Joseph Needham, de forma que a pergunta acima passou a ser chamada de Questão de Needham. Durante cerca de cinquenta anos, Needham empenhou-se em buscar a resposta para essa questão, resultando em uma obra monumental, a coleção Science and Civilization in China, em que realizou uma investigação profunda sobre a ciência, economia, política e sociedade chinesa.

Uma das hipóteses levantadas por Needham é que o governo chinês contribuiu para a estagnação do desenvolvimento científico por valorizar mais o pensamento prático do que o criativo, o que ficava evidente nos testes aplicados aos jovens, que compunham a elite intelectual, e desejavam adentrar na burocracia estatal. Ou seja, um sistema educacional focado nos testes terminava por inibir o pensamento criativo, fundamental para a carreira científica.

Outra hipótese levantada vem das origens religiosas e filosóficas chinesas, representadas pelo taoismo e confucionismo, que valorizavam mais a compreensão da moral e da natureza humana do que à compreensão do mundo natural. Em outras palavras, Needham considerava que as bases filosóficas da sociedade chinesa não serviam como incentivo para questionamentos sobre as causas dos fenômenos naturais.

Numa linha semelhante, o historiador das ciências Gennady Gorelik traz a atenção a possibilidade do cristianismo e, principalmente, a Bíblia, terem contribuído para criar o ambiente propício à Revolução Científica. Ele argumenta que a existência de um deus todo-poderoso, criador do universo, e de um homem feito à sua imagem e semelhança, desejoso de compreender a mente divina por meio do estudo de sua criação. O Universo possuía um conjunto de leis, originadas em Deus, passíveis de serem compreendidas por seres humanos inteligentes.

Vale ressaltar que tais características estavam ausentes na religião e filosofia chinesas. Como apoio a esta tese, Gorelik lembra que os primeiros grandes nomes da Revolução Científica como Galileu, Copérnico e Newton eram cristãos e possuíam uma profunda admiração pela Bíblia. Com o desenvolvimento da imprensa na Europa e a Revolução Protestante, que permitiram a tradução das Escrituras para o vernáculo e sua disseminação, houve um crescimento de sua influência no pensamento Europeu, tendo a Revolução Científica como consequência.

Contudo, até o momento não há uma resposta consensual para a Questão de Needham. Há, até mesmo, aqueles que consideram a questão de Needham como não sendo um problema filosófico de fato, mas um problema de origem semântica. A China havia realizado a sua própria revolução científica, seguindo o seu método, que havia se mostrado bem-sucedido até então. Logo, não viram a necessidade de realizar uma mudança de paradigma.

Embora ainda seja motivo de grande debate no meio acadêmico, a questão de Needham, em minha visão, pode ser de grande interesse para nossa sociedade, desde que seja reformulada para atender as nossas necessidades específicas. Podemos fazê-la da seguinte forma: o que faz com que uma determinada nação seja desenvolvida cientificamente e outras não? Quais os aspectos sociais, políticos, econômicos e filosóficos que podem criar as condições para o desenvolvimento de uma potência científica? Qual a parcela de contribuição do sistema educacional? Com base nos trabalhos de pesquisadores como o próprio Needham e de Gorelik, um sistema educacional focado no pensamento criativo é fundamental. O pensamento religioso, ao invés de ser um entrave, pode até mesmo servir de incentivo à formação do pensamento científico. Em todo caso, um ensino liberal, que valorize a pluralidade de ideias, o fluxo amplo de pensamentos, ainda que divergentes, pode ser a forma mais eficiente de se formar uma sociedade em que a ciência tem terras férteis para dar os seus frutos.