O concílio aprovou, no dia 18 de julho de 1870, “às quatro da tarde, enquanto caía sobre Roma uma terrível tempestade”1, a constituição Pastor Aeternus. Essa constituição definiu como verdade de fé o primado do romano pontífice e a sua infalibilidade magisterial.

O problema da infalibilidade, desde o início do concílio, preocupava e agitava a todos. Não querendo ser a primeira a propor a questão, a cúria esperava que outros colocassem em pauta tal problemática. Inicialmente, surgiu então, um postulado a favor da infalibilidade, que fora assinado por cerca de 450 bispos, porém, logo em seguida, cerca de 150 bispos assinaram vários postulados anti-infalibilistas. Com a inflexibilidade de Pio IX que se impôs à comissão da fé favorável à conciliação, o assunto foi colocado em pauta, vencendo a oposição da minoria. A infalibilidade papal foi analisada e aprovada.

A doutrina da infalibilidade do romano pontífice foi assim formulada:

Com a aprovação do Sagrado Concílio, ensinamos e definimos como dogma divinamente revelado que o Romano Pontífice, quando fala ex cathedra, isto é, quando, no desempenho do ministério de pastor e doutor de todos os cristãos, define com sua suprema autoridade apostólica alguma doutrina referente à fé e à moral para toda a Igreja, em virtude da assistência divina prometida a ele na pessoa de São Pedro, goza daquela infalibilidade com a qual Cristo quis munir a sua Igreja quando define alguma doutrina sobre a fé e a moral; e que, portanto, tais declarações do Romano Pontífice são por si mesmas, e não apenas em virtude do consenso da Igreja, irreformáveis.2

A constituição Pastor Aeternus é composta por um proêmio, quatro capítulos e quatro cânones.

O primeiro capítulo fala da instituição do primado apostólico em São Pedro, que afirma, com fundamentos bíblicos, que Jesus entregou o primado de jurisdição sobre toda a Igreja ao apóstolo Pedro e não a outro apóstolo e nem à própria Igreja, e por meio desta a Pedro.

No segundo capítulo, que tem como título a perpetuidade do primado de S. Pedro nos Romanos Pontífices, afirma que Pedro tem perpétuos sucessores no primado da Igreja universal.

O terceiro capítulo desenvolve sobre a natureza e o caráter do primado do Pontífice Romano. A Santa Sé e o Pontífice Romano têm o primado sobre o mundo, ou seja, têm o primado do poder ordinário sobre as outras igrejas. Sendo assim, “a ela [à Igreja Romana] devem-se sujeitar, por dever de subordinação hierárquica e verdadeira obediência, os pastores e os fiéis de qualquer rito e dignidade, tanto cada um em particular, como todos em conjunto”2. Contudo, o texto afirma que este poder do papa não exclui o poder ordinário e imediato dos bispos em sua jurisdição episcopal.

Por fim, o quarto capítulo trata do Magistério infalível do Romano Pontífice. Este é o capítulo que trata especificamente da infalibilidade papal. O texto, para fundamentar tal questão, recorre a Sagrada Escritura e aos concílios de Constantinopla IV, de Lião II e de Florença.

Adiamento sine die

O concílio ainda em pleno andamento fora surpreendido por situações políticas, como a guerra franco-prussiana e a tomada de Roma, que acarretaram o seu adiamento. Restavam ainda muitos esquemas que deveriam ser analisados e votados, porém, o concílio só conseguiu aprovar apenas duas constituições.

Além da guerra franco-prussiana, no dia 20 de setembro de 1870 deu-se a tomada de Roma pelas tropas italianas, “o concílio agonizava [...] em consequência da ameaça de ocupação de Roma pelo exército do reino da Itália”3. O concílio acontecera num período turbulento entre a Santa Sé e o Estado italiano e em decorrência disso o papa teve que interromper as atividades na espera de tempos melhores para a continuação do mesmo. Segundo Mondin, essas inconstâncias políticas “induziu o papa a suspender o concílio [...] sob a fórmula do seu adiamento sine die, na expectativa de uma época mais oportuna e mais propícia”4.

Quais foram os rumos do Concílio Vaticano I?

Fica evidente que o concílio se iniciou com o objetivo específico de reconstruir a cristandade e dar uma resposta aos males da sociedade, Zagheni afirma que “a relação entre Igreja e sociedade civil era o problema de fundo do concílio e era proposto segundo a particular visão de reconstrução da cristandade”1, porém, com o decorrer das atividades e discussões, o concílio tomou outro rumo.

Foi o tema da infalibilidade papal que orientou e acalorou o curso das discussões dentro do concílio. Isso repercutiu numa nova direção notavelmente diferente do previsto, ou seja, as questões de caráter político deixaram de ficar em primeiro plano e foram passadas para segundo.

O concílio, ao longo dos debates, sofrera uma espiritualização e, consequentemente um afastamento do terreno político. Isso fica claro na constituição Pastor aeternus, e, de certa forma, concorda com os objetivos que tinham sido propostos pela Dei Filius, isto é, “o concílio Vaticano I coloca-se, pois, como resposta religiosa aos problemas dos homens do século XIX e marca profundamente a caminhada seguinte da Igreja”1.

Valor histórico do Concílio Vaticano I

A interrupção dos trabalhos do concílio impediu o desenvolvimento de praticamente todo o programa previsto. Não se conseguiu alcançar o fim último do concílio, ou seja, dar uma resposta oportuna aos problemas nascidos com a Revolução Francesa, a Igreja ainda estava muito atrelada a visão de uma cristandade. Além disso, o concílio não conseguiu examinar o problema de relação entre a autoridade pontifícia e a autoridade dos bispos. Parecia que, segundo Martina, “a teologia do século XIX não estava ainda totalmente madura para enfrentar com fruto a difícil questão e esclarecer o genuíno conceito de Igreja”5.

Entretanto, Zagheni afirma que o concílio foi de fundamental importância para afirmar e fixar na consciência cristã os valores cristãos negados ou combatidos pelos Estados liberais do século XIX.

Além disso, com a definição do dogma da infalibilidade papal, os últimos resquícios dos Galicanismo foram sufocados, o processo de centralização foi estimulado, e “a autoridade do papado, justamente num momento em que ele era violentamente atacado por muitas partes”5, foi reforçada.

O Vaticano I contribuiu com a reflexão na Igreja, embora não tenha trago muitos benefícios explícitos, ele foi realizado após um longo período do Concílio de Trento, e não abriu uma nova época na história da Igreja, como aconteceu em Trento e no Vaticano II, isso porque as circunstâncias históricas não foram favoráveis. Portanto, “o Vaticano I está [...] plenamente inserido na época pós-tridentina, [e] definitivamente fechado pelo Vaticano II”5. Ainda que não tenha sido concluído, o concílio foi fechado pelo Concílio Vaticano II.

Notas

1 Zagheni, Guido. A Idade Contemporânea: curso de história da Igreja; tradução José Maria de Almeida. São Paulo: Paulus, 1999. Vol. IV, p. 145.
2 Concílio Vaticano I. Dei Filius. Constituição dogmática sobre a Fé Católica (24.04.1870), 11.
3 Alberigo, Giuseppe. História dos concílios ecumênicos; tradução José Maria de Almeida. São Paulo: Paulus, 1995, p. 385.
4 Mondin, Battista. Dicionário enciclopédico dos papas: história e ensinamentos; tradução José Joaquim Sobral. São Paulo: Editora Ave-Maria, 2007, p. 594.
5 Martina, Giacomo. História da Igreja de Lutero a nossos dias; tradução Orlando Soares Moreira. São Paulo: Edições Loyola, Vol. III, p. 258-259.