A “pérola do Índico” como é conhecido, Moçambique entrou para a lista dos países ricos em recursos naturais. Para além da anteriormente conhecida riqueza florestal e de minérios, o país está entre as quinze (15) maiores reservas de gás natural do mundo e é também o terceiro país africano com as maiores reservas confirmadas desta commodity. Estimadas em mais de 100tcf só na Bacia do Rovuma, estas reservas atraíram a atenção dos supermajors petrolíferos como a Eni, ExxonMobil e a Total Energies. Por via disto, perspectiva-se que Moçambique se torne a médio prazo um dos dez (10) maiores exportadores mundiais de gás natural liquefeito (GNL).

Com as sanções à Rússia, em decorrência da invasão à Ucrânia, países europeus começaram a buscar por novos mercados para importar o gás, visto que a Rússia é o seu principal fornecedor. Esta é sem dúvidas uma janela aberta para maiores investimentos no sector do gás nos países africanos e em especial em Moçambique.

Não obstante tamanha riqueza, o país ainda possui altos níveis de pobreza (62.8% segundo o Inquérito ao Orçamento Familiar (IOF) 2019/2020, que para além de problemas estruturais da própria economia moçambicana, é explicada pelas sucessivas crises que tiveram lugar nos últimos anos, nomeadamente, a crise das dívidas ocultas, impactos dos ciclones Idai e Kenneth, a Insurgência em Cabo Delgado e a crise da pandemia da Covid-19.

É facto que a riqueza e início de exploração do GNL na Bacia do Rovuma demonstra um elevado potencial de transformar a economia moçambicana e propiciar um crescimento e desenvolvimento económico sustentável. No entanto, existem aspectos que se devem observar para que tal seja efectivo. Exemplos africanos e internacionais de países ricos em recursos naturais dão lições sobre como seguir e não seguir para que a exploração extractiva de recursos tenha um impacto positivo, pelo menos na vertente social e económica. Muito se tem falado da “maldição de recursos naturais” em torno de muitos países ricos em recursos naturais, até entre os maiores produtores e exportadores destes recursos, como é o caso da Nigéria, em África. Embora existam igualmente casos de sucesso como o do Botswana.

O Governo moçambicano tem enormes expectativas de arrecadação de receitas nesta nova fase da história da indústria extractiva no país, marcada pelo início da produção e exportação do gás natural liquefeito da Bacia do Rovuma, no volume estimado de 100 milhões de dólares (91 milhões de euros) anuais nos primeiros três anos e, de forma incremental a partir do quinto ano, cerca de 300 milhões de dólares (273,6 milhões de euros) por ano, chegando, após os primeiros dez anos, a cerca de mil milhões de dólares (912 milhões de euros) anuais. Contudo, para tal é necessário a salvaguarda da capacidade da Autoridade Tributária (AT) em matérias de impostos do sector extractivo (cujas lacunas já são levantadas nas auditorias às contas do Estado, pelo Tribunal Administrativo-TA). Isto passa, não só por uma legislação concertada às práticas mundiais e nacionais do sector, mas também a capacitação e expansão técnica de profissionais experts nesta matéria. Isto vai ajuda a maximizar os ganhos de receitas provenientes da indústria extractiva.

É sabido que Moçambique está também na lista dos países mais corruptos do mundo. Segundo o Índice de Percepção da Corrupção da Transparency International, o país se encontra na posição 142/180 países. Assim, de modo que a corrupção não seja enraizada no sector extractivo, e crie caminhos para uma gestão danosa das receitas e processos relativos, é crucial que se implementem mecanismos de transparência e responsabilização no sector. Embora Moçambique já participe da Iniciativa de Transparência da Indústria Extractiva (do inglês EITI), muito há ainda por se fazer para garantir a transparência no sector.

O fortalecimento macroeconómico é também importante para que o país possa maximizar os ganhos com a exploração dos recursos naturais, em especial o gás natural liquefeito. Visto que, ainda se encontra no mercado internacional como um tomador de preços, não detendo a pujança necessária para influenciar os preços internacionais desta commodity. Deste modo, mecanismos para fortalecer a competitividade do gás moçambicano no mercado internacional também devem ser considerados. Prevê-se, como uma das ferramentas para a gestão macroeconómica e de receitas do gás, a criação de um fundo soberano moçambicano. Entretanto, este não é um fim em si.

Das experiências internacionais, Moçambique aparenta, teoricamente, estar a caminha para os padrões que outros países de sucesso no sector extractivo tomaram, por exemplo, a participação na EITI, a criação de um fundo soberano, a entrada no Processo de Kimberley, marcadamente. Mas isto, por si não garante uma boa gestão das receitas do sector, a forma como os processos são conduzidos, respeitando os preceitos de boa governação, capacitação de profissionais com perícia no sector, e uma boa gestão macroeconómica, e acima de tudo a salvaguarda dos interesses colectivos com perspectiva de longo prazo, é que vai ditar o sucesso e impacto positivo da exploração dos recursos naturais no país.