Aqueles que já tiveram a oportunidade de ir à Argentina, principalmente até Buenos Aires, provavelmente se encantaram com a beleza e com tudo o que a cidade pode nos oferecer: os diferentes cenários, arquitetura, o tango, a gastronomia, entre outros, são apenas algumas das coisas incríveis que a cidade tem a oferecer.
Em meio a tudo que a cidade oferece, temos acesso a memoriais e museus da história argentina desde seu período pré-colonial até os dias atuais. Porém, há um fato que passa despercebido ou do qual se tem pouco conhecimento: os pequenos adesivos que as linhas de ônibus carregam ou alguns quadros pendurados em estabelecimentos ou vendas com os dizeres:
Las Islas Malvinas son argentinas.
Isso se deve ao fato histórico da disputa territorial entre a Argentina e o Reino Unido sobre o arquipélago localizado no Atlântico Sul conhecido como Ilhas Malvinas (ou Falkland Islands), e para entendermos todo o contexto, precisamos voltar para a metade do século XIX. Não obstante, durante o século XVII, as Ilhas Malvinas foram objeto de conflitos entre Espanha, Reino Unido, França, e a partir do século XIX, a Argentina pelo domínio do território.
A ocupação do arquipélago começou em 1765 pelas autoridades do Reino da Espanha e do Vice-Reino do Río de la Plata (atual Argentina) após os conflitos militares e diplomáticos entre os reinos europeus, e em 1833 houve uma série de discussões sobre o estabelecimento da soberania nas ilhas, o que terminou com uma ocupação do Reino Unido em 1833. A Argentina havia proclamado sua independência do Reino da Espanha em 1816, reivindicando o território que se encontra somente a cerca de 500 km do litoral da Patagônia Argentina.
Porém, em 1820, após uma série de reuniões em Buenos Aires, as autoridades argentinas tomaram posse das Ilhas Malvinas seguindo os mesmos moldes que estabeleceram a independência da Argentina. Foi nomeado um governador das Ilhas em julho de 1829, porém em 1833 houve a expulsão das autoridades argentinas pelo Reino Unido. As relações diplomáticas entre a Nação Argentina e o Reino Unido começaram a ter problemas após este fato.
Avançando um pouco na história, as Ilhas Malvinas foram objeto de disputas entre o Reino Unido e a Alemanha durante a Primeira Guerra Mundial. Em uma das várias batalhas que desenrolaram ao longo de 1914 a 1918, a Batalha das Malvinas aconteceu em dezembro de 1914 e terminou com a vitória da Marinha Real Britânica contra a Marinha Imperial Alemã no sul do Oceano Atlântico.
Durante grande período do século XX, o Reino Unido e a Argentina discordavam diplomaticamente sobre a soberania das Malvinas. Em dezembro de 1965, a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou por maioria a Resolução 2065, onde é dado o reconhecimento formal da existência de uma disputa de soberania entre o Reino Unido e a República da Argentina sobre as Ilhas Malvinas, Ilhas Sandwich do Sul e Geórgia do Sul. Foi levado em conta a Resolução 1514 e foi reconhecido que as Ilhas Malvinas estão enquadradas em situação colonial, logo, visando a descolonização.
A Resolução 1514 e 2065 foram vistas positivas pela Argentina, mas requereu aos países que respeitassem o princípio de autodeterminação dos povos. Porém, a população que vivia nas Ilhas, em sua maioria, era de povos britânicos que desejavam continuar sob domínio do Reino Unido, o que elevou os custos do governo inglês que atravessava uma crise econômica durante o final da década de 1960.
As relações entre Argentina, Reino Unido e habitantes das Ilhas Malvinas foram se desgastando, apesar do clima amistoso entre a junta militar argentina e o governo de Margaret Thatcher até os anos finais da década de 1970. Combinando com o período mais duro da Ditadura Militar na Argentina, que se iniciou em 1976, adotando um regime caracterizado pela violência extrema e indiscriminada sendo o terrorismo estatal uma forma instrumental de governabilidade, onde houveram recorrências de perseguições, torturas, desaparecimentos e etc. A questão das Malvinas era vista como algo glorioso em meio a todo patriotismo exacerbado de uma ala mais extremista, e por outro lado, seria visto como uma revolta contra o colonialismo e as terras tomadas ainda em 1833.
Em 1981 começaram a ser articulados alguns planos de invasão, alguns movimentos sutis e desembarques nas Ilhas Geórgia do Sul e instalação científica militar na Ilhas Sandwich do Sul começaram a acontecer sem muita atenção do Reino Unido. Nos meses iniciais de 1982, a ditadura militar argentina começou a se movimentar e comprar armas, equipamentos e munições por meio de traficantes de armas no Oriente Médio e África. Para não levantar suspeitas, o governo militar passou a usar aviões civis e voos secretos da empresa Aerolíneas Argentinas.
Após o Serviço de Inteligência Britânica ter notado a presença massiva de militares argentinos nas ilhas, e após uma foto ter rodado o mundo, onde soldados britânicos capturados e a bandeira da Argentina tremulando sobre as Ilhas Malvinas, ali se iniciava o conflito das Ilhas Malvinas.
O Terceiro-mundo derrotou uma superpotência com êxodo
Frases típicas como essas começaram a acender uma reação do Reino Unido, porém o governo de Thatcher lidava com crises internas após algumas políticas e reformas econômicas terem sido adotadas naquele período. De primeira reação, o Reino Unido conseguiu a aprovação no Conselho de Segurança, a Resolução 502, que determinava a retirada da força argentina do arquipélago. Após isso, o Reino Unido rompeu todas as relações diplomáticas e comerciais com a Argentina.
Em 2 de Abril de 1982 era dado o pontapé do início da Guerra das Malvinas. O Reino Unido teve grande apoio de membros da OTAN, da Comunidade Econômica da Europa, da Commonwealth e da ONU, enquanto a Argentina contava com as próprias forças, uma vez que a URSS não apoiaria uma ditadura ultradireitista.
Ao todo, o conflito não se estendeu por muito tempo; apenas em 14 de junho de 1982 foi declarado o fim do conflito, e os milhares de militares argentinos em solo malvinos foram desarmados e agrupados no aeroporto como prisioneiros de guerra. No dia seguinte, a bandeira colonial britânica foi novamente colocada no edifício do governo central das Ilhas Malvinas. As baixas da guerra foram massivas para o lado mais fraco, ou seja, a Argentina, considerando militares mortos, feridos e presos, equipamentos, navios e aviões de guerra que foram destruídos, apesar das baixas também terem sido grandes para o lado do Reino Unido.
Os dias seguintes na Argentina foram de manifestações populares que foram reprimidas pelo governo militar, o que só enfraqueceu ainda mais a Junta Militar na Argentina. As consequências econômicas foram desastrosas, piorando ainda mais a situação econômica da Argentina. Na política, o ditador Leopoldo Galtieri renunciou ao cargo de presidente 3 dias após a derrota, o que iniciou um período de trocas que se encerrou em dezembro de 1983, restaurando assim a democracia no país.
Para as Malvinas e Reino Unido, este conflito é lembrado pelas baixas e vítimas. Após mais de 40 anos, a normalidade transcorre para ambos. Para a Argentina, há o sentimento amargo de revanchismo e reafirmação até os dias atuais. A questão das Malvinas teria se esfriado por um período, porém recentemente os anúncios de exploração de petróleo na região reacenderam todo sentimento mal resolvido na Argentina.
Em 2014, foi aprovado o projeto de lei n° 27.023, que estabelece a obrigatoriedade de se ter a inscrição da legenda “as Ilhas Malvinas são argentinas” em todos os meios de transportes públicos de origem nacional que prestem serviços ao Estado nacional dentro e fora dele. A lei começou a vigorar em 2022, e a maioria dos transportes públicos possui um espaço reservado com a figura das ilhas e esses dizeres de reafirmação territorial. Em alguns parques, museus, praças, lojas, feiras e até em alguns hotéis e casas, é possível ver um quadro que remete às Ilhas Malvinas serem da Argentina.
Figura 1: Linha de ônibus com destino ao bairro de La Boca, na cidade de Buenos Aires, com adesivo no carro em referência à lei nacional de n.27.023, onde se lê "As Ilhas Malvinas são argentinas".