O ano de 2023 pode ser o mais cálido da história segundo as Nações Unidas, que exigiu medidas globais de combate às mudanças climáticas. Enquanto isso, os movimentos ecologistas estão sendo criminalizados de fato por governantes de vários países.
Apesar do clima hostil dos governos com os ativistas contra as mudanças climáticas, eles estão endossados por organismos como a Organização Meteorológica Mundial e redes de cientistas especializados na temática.
O chefe da Organização Meteorológica Mundial (OMM), Petteri Taalas, disse que os gases de efeito estufa estão em níveis recorde. As temperaturas globais batem recordes. O mar está em níveis recorde e a banquisa da Antártida nunca tinha sido tão fina.
Todos estes recordes têm consequências socioeconômicas dramáticas, como a redução da segurança alimentar e as migrações massivas.
Antonio Guterres, secretário geral das Nações Unidas, também citou que neste ano vimos comunidades de todo o mundo vitimadas por incêndios, inundações e temperaturas extremas
Entre as pesquisas apresentadas na COP28, realizada em dezembro de 2023 em Dubai, estão as conclusões do Lancet Countdown. Em sua pesquisa, enfatiza-se a necessidade de uma resposta centrada na saúde em um mundo que enfrenta a danos irreversíveis.
Algumas das consequências econômicas e de saúde mais destacadas deste estudo são:
-As mortes relacionadas com o calor de pessoas com mais de 65 anos aumentaron 85% entre 2000-2004 e 2018-2022, mais do dobro do aumento esperado se as temperaturas não tivessem aumentado.
-A perda de capacidade laboral relacionada com a exposição ao calor se traduziu numa perda potencial média de ingresso equivalente a 863.000 milhões de dólares em 2022. Os trabalhadores agrícolas foram os mais afetados. Em comparação com 1981-2010, a maior frequência de dias de ondas de calor e meses de seca se associou com 127 milhões a mais de pessoas que experimentaram insegurança alimentar moderada ou grave em 2021.
-O potencial de transmissão da dengue por Aedes aegypti e A. albopictus aumentou 28,6% e 27,7% respectivamente, em comparação com a média de 1951-1960, e 12,7% mais de costa era apta para a transmissão de Vibrio cholerae (transmissor do cólera) em 2022 que em 1982-2010, colocando em risco a uma cifra recorde de 1,4 bilhões de pessoas. Esta última cifra afeta especialmente os países da América Latina.
Guterres pediu aos líderes reunidos em Dubai que tomem medidas drásticas para conter o aquecimento global, particularmente eliminando progressivamente os combustíveis fósseis e aumentando em ao menos três vezes a capacidade produtiva das energias renováveis.
Não é a primeira vez que a OMM faz um pedido similar: na COP21 de Paris, o compromisso assinado fixava um aquecimento do planeta de não mais de 1,5°C. A comparação toma como referência as temperaturas no intervalo entre 1850 e 1900. Mas em outubro de 2023 já tínhamos um registro térmico planetário de 1,4°C mais quente.
Segundo Petteri Taalas, chefe da OMM, corremos o risco de perder a corrida para salvar nossos glaciares e frear o aumento do nível do mar.
Além disso, Taalas foi contundente: não podemos voltar ao clima do século XX, mas devemos agir agora para limitar os riscos de um clima cada vez mais inóspito ao longo deste século e dos próximos séculos.
Segundo um dos estudos apresentados durante a Conferência pela empresa XDI, especializada em medir riscos climáticos, um de cada doze hospitais no mundo corre risco de ter de fechar as portas, total ou parcialmente, nos próximos anos. Isso devido a fenômenos meteorológicos extremos causados pelo aquecimento global, como inundações, incêndios, furacões ou ondas de calor.
No acordo assinado na COP28, 123 países aderiram à Declaração de Clima e Saúde, iniciativa que coloca a saúde no centro da ação climática. Além disso, reconhece que a necessidade de reduzir emissões e contaminação do ar para protegê-la, mas sem mencionar sua principal causa: os combustíveis fósseis.
A declaração, impulsada pela presidência da cúpula em colaboração com a Organização Mundial da Saúde, foi assinada por potências como Estados Unidos, a União Europeia e o Japão, mas não pelas duas nações mais povoadas do mundo: China e Índia.
Enquanto isso, as potências económicas, políticas e de matérias-primas têm um longo histórico de prisões e criminalização de ativistas contra as mudanças climáticas.
Segundo Greenpeace, há uma tendência crescente de estigmatizar e criminalizar as pessoas e organizações da sociedade civil que trabalham pela defesa dos direitos humanos e o meio ambiente.
Na ante-sala da COP28 de Dubai, em novembro, 16 ativistas do grupo Just Stop Oil foram detidos por protestar em frente à casa do premiê britânico, Rishi Sunak.
Eles protestavam (com cartazes e batendo panelas e frigideiras) contra o outorgamento de 100 novas licenças para a exploração de petróleo e gás natural no Mar do Norte. Eles foram detidos “somente por se manifestar”, segundo os ambientalistas, já que não foram condenados por nada.
Aproximadamente 660 componentes de Just Stop Oil foram detidos no Reino Unido entre 30 de outubro e 30 de novembro e 9 seguiam presos até essa data, incluindo sete que esperam seu julgamento por se manifestar pacificamente por uma estrada.
Na Argentina, um dos países com riqueza de matéria-prima e uma sucessão de governos extrativistas, a lista é longa: podemos falar das causas judiciais armadas contra ativistas do 3° Malón de La Paz, movimento indígena que advoga pela preservação da terra frente às tentativas de exploração do lítio por parte do governo argentino em Jujuy.
Também podemos passar pelos ativistas criminalizados por protestar contra a usina petrolífera Vaca Muerta na Patagônia, que opera através do fracking (ou fratura de rocha, uma técnica que contamina a água e o solo para a extração de petróleo não-convencional), ou pelos ativistas contra o uso de agrotóxicos nos cultivos da província de Entre Ríos.
Na Espanha, os grupos ativistas não-violentos Futuro Vegetal e Extinción Rebelión foram considerados pela Justiça como terroristas.
A criminalização dos protestos na Espanha se intensificou a partir da aprovação da chamada “Lei Mordaça” por parte do ex-primeiro-ministro Mariano Rajoy. Na maioria dos casos, as acusações do Estado são por “desordem pública” e “danos ao patrimônio”, e não deixam de ser uma forma de buscar intimidar as agrupações ambientalistas.
Além disso, 15 ecologistas estão sendo julgados por ter jogado suco de beterraba na fachada do Congresso em abril de 2022.
Na Alemanha, houve repressão policial a ecologistas que protestavam contra a criação de uma mina de carvão lignito a céu aberto. Ao menos 20 pessoas foram hospitalizadas devido à violência policial, e foram empreendidas “ações legais” contra cerca de 150 ativistas.
Na França, Emmanuel Macron diretamente partiu para uma perseguição muito mais radical: declarou ilegal um dos movimentos ativistas do país, sob acusação de terrorismo. É a primeira vez na história nacional que se utiliza de leis antiterroristas para criminalizar o movimento ambientalista.
Em junho de 2023, o Conselho de Ministros resolveu a ilegalidade de Soulèvements de La Terre (Levantamentos da Terra), um grupo formado em 2021 composto por ecologistas, agricultores e moradores de territórios ameaçados pela superexploração dos recursos naturais.
O Governo fez uma operação gigantesca para prender 18 integrantes do movimento.
Em um dos protestos do grupo, em março, a polícia reprimiu com violência e houve mais de 200 manifestantes feridos.
Neste momento, há um recurso impetrado por parte de Soulèvements de La Terre ante o Conselho de Estado francês. Porta-vozes do movimento convocaram novas manifestações para denunciar “uma decisão política que forma parte de um movimento mais amplo para criminalizar os ecologistas”.
Tudo isso só em 2023, e são exemplos de alguns países. Há mais casos.
O Greenpeace se manifestou ao respeito destas manobras dos governos:
Os "discursos manipuladores e sem fundamento ("ecoterrorismo", "terrorismo intelectual"...) estão dando passo a uma repressão cada vez mais violenta. Em sua escalada repressiva o governo deu um passo perigoso. Mais que nunca, devemos nos manifestar para defender as liberdades fundamentais e apoiar quem denuncia os ataques ao meio ambiente”.
Em palavras de Jorge Riechmann, sociólogo espanhol, “a repressão antiecologista ganha terreno em uma Europa cada vez mais entregue à ultradireita, cujas políticas são tomadas progressivamente inclusive pelos governos "de centro", como mostra o caso francês”.