A interrupção voluntária da gravidez é legal no Brasil em caso de risco de morte para a mãe, em caso de anencefalia (ausência do cérebro), e em caso de estupro. Nestes casos, quem precisar fazer o procedimento pode procurar o SUS e fazê-lo gratuitamente.
Ao mesmo tempo, o aborto é a maior causa de morte materna, e uma das maiores causas de morte de mulheres no Brasil. Segundo cifras oficiais, uma de cada 28 grávidas morre tentando abortar.
Então por que tantas pessoas morrem tentando fazer um aborto?
Porque o fato de que o aborto seja ilegal nos outros casos não impede a sua prática. O desespero de encontrar-se entre uma gravidez indesejada, a prisão ou a morte termina forçando muitas mulheres a recorrer a métodos inseguros.
Também porque há pessoas que buscam fazer do aborto um tema religioso, quando na verdade é uma questão de saúde pública.
Esta é uma encruzilhada comum a mulheres e diversidades de todas as raças, classes, idades, religiões e regiões.
Mas há uma diferença muito grande entre elas: as ricas pagam e as pobres morrem.
Um aborto na rede privada custa cerca de 10 mil reais - dados não oficiais devido ao caráter clandestino. Este valor está em uma realidade muito distante da maioria das mulheres brasileiras.
Mesmo nos casos onde o aborto é legal, quem busca usar o sistema público nem sempre tem sorte: muita vezes se encontram com barreiras para a realização da prática.
Oito de cada dez pessoas (84%) reconhece que a ilegalidade do aborto é uma das principais causas de morte de grávidas no Brasil. O dado aparece em relatório divulgado pelo Instituto Patrícia Galvão e pelo Instituto Locomotiva. Para conhecer as opiniões dos brasileiros sobre o assunto, as instituições fizeram diferentes perguntas a 2 mil pessoas a partir de 16 anos de idade, de 27 de janeiro a 4 de fevereiro de 2022.
Ao todo, 67% declaram que considerar a interrupção provocada da gravidez um crime não resolve o problema, já que as mulheres continuarão a praticá-lo e, como consequência, a morrer ao ser submetidas a um aborto inseguro.
Para 73% das pessoas entrevistadas, quem defende a proibição ao aborto em qualquer circunstância não leva em conta os impactos na vida da mulher ou menina grávidas, caso sejam obrigadas a levar a gestação adiante.
Falando em meninas grávidas, o Brasil experimentou uma leve redução nos índices de gravidez adolescente nos últimos anos. Apesar desta redução, o país ainda apresenta dados elevados de gravidez e maternidade na adolescência. Cerca de 380 mil partos foram de meninas e adolescentes com até 19 anos de idade em 2020, o que corresponde a 14% de todos os nascimentos no Brasil. Esta é uma cifra do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA).
A OMS (Organização Mundial da Saúde) usa um conceito chamado de "saúde integral", que abrange a saúde física, a saúde mental e a saúde psico-social de uma pessoa. Em muitos países onde o aborto é legalizado, este é o conceito adotado para pedir uma interrupção voluntária da gravidez em caso de risco à saúde.
De acordo com o Instituto Anis, a cada ano cerca de um milhão de gestações são descontinuadas no país, e a estimativa é de que mais de 4,7 milhões de mulheres já tenham feito aborto ao menos uma vez na vida.
A Pesquisa Nacional de Aborto (PNA) de 2021 – que é feita face a face, ou seja, possivelmente os valores sejam muito maiores – mostra que uma em cada sete mulheres aos 40 anos já interrompeu a gravidez. Das que fizeram o procedimento em 2021, 43% tiveram que ser hospitalizadas.
A OMS recomenda a interrupção da gravidez com medicamentos, principalmente misoprostol ou mifepristona com misoprostol. Esta é a prática que ocorre nos países onde o aborto é legalizado. Inclusive, comparam a obrigatoriedade de levar adiante uma gestação indesejada à tortura.
O dia 28 de setembro é o Dia Latino-americano e Caribenho de Luta pelo Acesso ao Aborto, e com ele vemos manifestações e mobilizações em diferentes lugares do país e da América Latina, todos os anos.
Na Argentina, onde a interrupção voluntária da gravidez já é lei desde 2020 graças à “marea verde” (maré verde, movimento que lutou pelo acesso livre aos anticonceptivos, a implementação da Lei de Educação Sexual Integral e pela legalização do aborto voluntário), a mortalidade materna diminuiu consideravelmente - o que demonstra que a legalização do aborto protege a saúde e a vida das mulheres. Apesar de que persistem algumas resistências no acesso e na implementação na totalidade do país, é notável a diferença que isso trouxe na qualidade de vida das mulheres e meninas grávidas.
No Uruguai, onde também é lei, chegou a zero: o método usado normalmente é ambulatório (fora do hospital) e em poucos casos precisam de auxílio médico pós-procedimento. Tudo isso porque ambos países seguem os protocolos da OMS para a prática da interrupção.
A pouco mais de um ano da legalização do aborto na Colombia, o direito ainda não está assegurado: setores antidireitos apresentaram diferentes recursos judiciais buscando anular a despenalización, devidamente negados pelo tribunal. Mesmo assim, alguns destes recursos derivaram em dificuldade para o acesso à interrupção voluntária da gravidez em caso de mulheres indígenas. Estes mesmos setores antidireitos continuam tentando proibir o aborto em nível constitucional. Em suma, ainda há muita falta de acesso ao aborto devido à falta de informação.
O México é outro país com aborto legal. O tribunal deste país resolveu que a absoluta criminalização do aborto é inconstitucional e despenalizaram a prática no código penal federal. Ou seja, o tribunal reconheceu o direito ao aborto no país e determinou que era obrigação das instituições federais que se implemente. Outra vez, topamos com a dificuldade de acesso devido a restrições locais e da baixa quantidade de clínicas disponíveis.
O Perú, que permite somente o aborto terapêutico, também enfrentou problemas. Houve várias tentativas de barrar o direito ao aborto terapêutico no país, ignorando que, segundo cifras de 2021, cada dia 4 meninas menores de 15 anos foram forçadas a ser mães. Sobre isso, em junho de 2023, o Comitê da ONU sobre os direitos infantis determinou que o Estado peruano violou os direitos à vida, integridade e saúde de Camila - uma menina indígena vítima de estupro que teve o direito ao aborto negado.
No caso do Brasil, a Ministra Rosa Weber, antes de aposentar-se, votou a favor dos direitos reprodutivos das mulheres, das meninas e de qualquer outra pessoa que necessite fazer um aborto.
Um argumento comumente usado contra a interrupção voluntária da gravidez é que poderia gerar mais custos ao SUS. O que é mentira: enquanto os abortos medicamentosos custam uma consulta ginecológica, o preço do remédio e de uma ultrassonografia, muito mais caros são os procedimentos hospitalares derivados de abortos inseguros, como atenção médica de emergência, curetagem ou a limpeza do útero por aspiração. Sem falar no fato de que as grávidas mortas não podem ser contabilizadas em dinheiro.
Além da clandestinidade, quem fez um aborto muitas vezes passa por um estigma social, o que faz com que muitas delas não falem sobre isso abertamente. Por isso e por tudo o que comentei, talvez você tenha uma - ou várias - delas por perto e nem saiba.