A escola brasileira se estruturou ao longo da história muito influenciada pelos interesses de instituições dominantes da sociedade. Quem tem poder sempre precisou da escola para formar pessoas com a mentalidade e competências necessárias para a construção de seus projetos. Devido a isso, as crianças, sem saber, sempre foram vistas e tratadas como produtos há centenas de anos por essas figuras que têm interesse em sua própria expansão econômica.
A igreja, por exemplo, teve grande influência, durante e após o processo de colonização, na construção da pedagogia tradicional que conhecemos hoje. Características como a repressão dos desejos e emoções dos estudantes, a busca pela ordem e pela norma, a racionalidade e a disciplina são heranças que ainda se manifestam na rotina e nas metodologias usadas nas escolas. As narrativas eurocêntricas aparecem nos materiais didáticos fazendo com que os alunos se desconectem de suas próprias origens e da história de seu país. Além disso, o objetivo da educação para igreja passava por “civilizar” os alunos para propagarem na sociedade os valores da religião católica, que muitas vezes eram e ainda são extremamente machistas, racistas, homofóbicos e preconceituosos em geral.
Com o avanço do neoliberalismo, as grandes corporações começam ocupar um espaço de influência cada vez maior na sociedade, na política, e por sua vez, nas escolas. Valores como meritocracia, individualismo e progresso vão se tornando base da prática educativa com a intenção, nesse contexto, de formar estudantes competentes para servir a essas organizações e conglomerados nacionais e internacionais que monopolizam grande parte do mercado. Junto a isso, vimos movimentos neoconservadores avançarem no Brasil com pautas contra a diversidade na educação, como por exemplo, o movimento Escola sem Partido, o homeschooling e a chamada ideologia de gênero.
Com esse movimento hegemônico de padronizar as escolas a um modelo que eduque a massa para atender aos interesses de instituições dominantes, os estudantes se afastam de suas raízes enquanto povo brasileiro e tornam-se alienados a referências e valores multiculturais que poderiam fazer parte da construção de suas identidades. Além disso, criam sonhos para seus Projetos de Vida desconectados de suas verdadeiras motivações, pois a referências de sucesso que têm é a inserção no mercado de trabalho e o crescimento profissional dentro dessas empresas.
Me alinho à visão de Paulo Freire quando diz que a educação deve ser libertadora e que, para isso, a escola deve ser um ambiente de diálogo e construção de uma visão crítica sobre a realidade social. Essa mentalidade libertadora (que é contra-hegemônica), segundo ele, passa pela construção da autonomia do estudante durante sua trajetória escolar, ou seja, por permitir que seu contexto social e cultural esteja incluído nos processos pedagógicos, bem como a formação de sua ética enquanto cidadão.
Acredito que o caminho para essa liberdade citada por Freire seja justamente a não-padronização dos processos de ensino-aprendizagem. Isso é extremamente desafiador, principalmente quando nos deparamos com a realidade educacional brasileira, que tem altos índices de defasagem de aprendizagem. Além disso, políticas públicas como currículos e diretrizes nacionais para a educação e programas como o PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) ajudam as escolas a implementarem uma educação de qualidade, principalmente pela falta de processos de qualidade de formação continuada para professores ou até mesmo a falta de equipe docente nas escolas.
Por outro lado, é importante que as lideranças escolares pensem nas especificidades de suas comunidades escolares no momento da escolha de estratégias para a implementação de currículos, metodologias de aprendizagem e construção de seus PPP's (Projeto Político Pedagógico). Algumas perguntas podem ser levantadas pelos gestores para aprofundarem seus conhecimentos sobre suas comunidades escolares e seus contextos, como por exemplo:
- Qual a origem social e cultural de meus estudantes?
- Quais as tradições, rituais e valores das famílias que compõem minha comunidade escolar?
- Qual a diferença de desempenho na aprendizagem entre estudantes brancos e negros?
- Qual o nível socioeconômico das famílias da minha comunidade escolar e como isso está associado aos índices de aprendizagem dos estudantes?
- Quais são as referências e inspirações de meus estudantes?
A partir dessas reflexões, a gestão desenvolve uma visão sistêmica mais ampla sobre a escola que lidera e cria oportunidade para realizar escolhas mais assertivas que promovam equidade na educação.
A construção de uma escola contra-hegemônica deve incluir a diversidade existente na escola no processo pedagógico e trazer referências multiculturais para seu currículo. Além disso, deve promover consciência sobre quem são os estudantes e famílias que fazem parte da comunidade escolar, a fim de criar uma cultura que valorize suas identidades e histórias e promova espaços de diálogo para a promoção de uma convivência intercultural de aprendizagem mútua.