Desde os tempos antigos, a cultura sempre foi muito importante para a sociedade, tanto a chamada “civilizada” como a “bárbara”. Por meio da mistura de diferentes povos, tradições, línguas, costumes etc., a cultura se desenvolve e se modifica, as vezes de forma mais acentuada ou as vezes de forma bem sutil.
Com o avanço da internet, redes sociais e aparelhos celulares, agora podemos ter acesso e conhecer a cultura de um lugar de forma menos superficial e mais completa, seja através de pesquisa pelo Google, por fotos postadas em redes sociais, até mesmo por youtubers e influencers.
Claro que isso se aplica também ao conceito de globalização que começou a acontecer com as Grandes Navegações no século XVI, passando pelas Revoluções Industriais até chegar aos dias de hoje. Mas o que tudo isso tem a ver com o título do nosso artigo?
Vamos fazer uma analogia bem simples com a comida. Sabemos que para termos um corpo saudável precisamos consumir todo tipo de alimentos como ferro, zinco, vitaminas e sais minerais, com a cultura é a mesma coisa, precisamos consumir diferentes tipos de cultura para sermos mentalmente saudáveis, assim como fazemos com os alimentos.
Assim como um corpo acaba doente, estagnado e não cresce se não consumirmos variados tipos de alimento, o mesmo acontece com nossa mente, se não consumirmos diversos tipos de culturas diferentes não podemos evoluir e aprender, acabamos por ficar estagnados.
Porque a época do Renascimento foi tão importante na história mundial, assim como o Iluminismo, o Modernismo e tantos outros movimentos? Porque foram as épocas em que houve a evolução da cultura e, consequentemente, a evolução de outras áreas como a medicina, matemática, filosofia, ciências, em resumo, a evolução da própria humanidade.
Contudo, a própria evolução cultural acabou por apagar e/ou reduzir culturas consideradas bárbaras, muitas vezes motivadas pela monarquia ou por motivos religiosos. Países mais antigos como Alemanha, China, Inglaterra etc., tem uma cultura mais “homogeneizada”, enquanto países como EUA e Brasil, que foram colonizados, acabam por ter uma cultura muito mais diversa e heterogênea.
Claro que devemos levar em conta o tamanho dos países, tanto EUA como Brasil são dois dos maiores países do mundo, mas isso é só um dos fatores que contribuíram para essa heterogeneidade, visto que países como China e Rússia são tão grandes como os dois citados anteriormente, mas sua cultura é bem menos heterogênea entre suas regiões.
Tanto o Brasil, como os EUA sofreram muitas influências não apenas dos imigrantes europeus que vieram para cá, mas também dos indígenas que já habitavam as terras, dos escravos trazidos de diversas partes da África, América Central e do Sul, além dos imigrantes do Oriente Médio, Ásia e Oceania. Sendo assim, podemos dizer que os estadunidenses e os brasileiros são mais “saudáveis” do que os outros países por terem maior variedade cultural? Infelizmente não.
Os dois países ainda sofrem diversos problemas sociais devido a inúmeros motivos, mas os principais sendo a desigualdade social entre as pessoas, o racismo, a xenofobia, a homofobia e a intolerância religiosa. Vamos exemplificar cada ponto de forma mais fácil de se entender.
Desigualdade social
A desigualdade social acontece, de forma muito simplificada, pela diferença financeira entre as chamadas classes sociais existentes. Peças de teatro, cinemas, shows, livros, exposições de arte, museus etc., na maior parte das vezes custam dinheiro e são caros, o que acaba afastando pessoas com uma renda mais baixa de poderem consumir essa cultura. Se a classe mais baixa não pode consumir essa cultura o que ela faz? Cria uma cultura para ela, para que ela possa usufruir de alguma forma da cultura (o que acaba gerando uma cultura de classes).
O problema é que, a classe mais baixa não pode usufruir de uma cultura “rica”, por assim dizer, e a classe mais alta não quer consumir a cultura “pobre e periférica” o que acaba por estagnar as duas, pois ao invés delas serem compartilhadas, acabam sendo restritas a uma parte só. Mesmo que a cultura da classe baixa comece a ser mais difundida, ela acaba por ser taxada de “cultura ruim” ou “cultura sem qualidade”. Se fossemos classificá-la como um tipo de comida, ela seria como uma junk food, essa classificação não significa que a cultura pobre e periférica é ruim, mas é um exemplo de como essa cultura é vista por muitas pessoas.
Contudo as pessoas esquecem que, mesmo os nutricionistas dizem, que o consumo de junk food de vez em quando é essencial, mesmo que isso não “edifique” a sua vida, tudo acaba sendo uma nutrição para a mente, seja em maior ou menor grau.
O Funk é o estilo musical que mais sofre esse tipo de taxação no Brasil. Considerado muitas vezes como uma “cultura ruim e sem qualidade” ou até mesmo não sendo considerado cultura, o Funk acaba sofrendo não apenas por ser uma cultura periférica, mas também por conta do próximo ponto que vamos falar.
Racismo
Não é nenhuma surpresa que, na maior parte das vezes, seja a cultura de origem africana que acabe por sofrer a classificação de “cultura ruim”.
O problema, além do racismo enraizado na sociedade, é que temos uma visão muito eurocentrificada de que a “cultura boa e chique” é apenas a europeia. Isso é resultado de nossa colonização e do apagamento quase total das culturas dos escravos, dos indígenas e dos imigrantes de fora da esfera europeia. Um exemplo é o fato de que muitos costumes que nossa sociedade absorveu são derivados dos costumes europeus, só depois que costumes de outras culturas, como africanas, asiáticas, indígenas, começaram a ser incorporados, não apenas pela classe mais pobre, mas também pela classe mais alta.
Apesar do Brasil ser conhecido como “o país do futebol e do carnaval”, muitas vezes a nossa cultura nacional é associada ao “povão”, não sendo valorizada como se deve. Quem já não ouviu frases como “carnaval é só baixaria e gente pelada”, “funk não é música”, “pagode é música de pobre” Não surpreendentemente, a maioria delas são derivadas de culturas afro, do Norte e do Nordeste. Até para elas “serem aceitas” pelas classes mais altas, elas acabam sofrendo uma gourmetização e um refinamento, como por exemplo letras com uma linguagem menos “chula”, cenários mais glamurosos, etc.
Em suma, o racismo também é derivado dessa falta de absorção de culturas diferentes, isso acaba por limitar as pessoas.
Xenofobia
Só muito recentemente que países como Coreia do Sul e Turquia ganharam os holofotes por conta de sua cultura. Antes do cantor Psy ter viralizado com sua música Gangnam Style, a Coreia do Sul não tinha sua cultura tão difundida pelo mundo. O k-pop, os dramas e os manhwas (espécie de quadrinho coreano) eram consumidos por um público muito restrito e nichado de pessoas, mesmo as novelas turcas que estão fazendo muito sucesso hoje em dia só estão sendo mais difundidas graças aos serviços de streaming, contudo, mesmo o mundo se tornando cada vez mais globalizado, a xenofobia ainda existe.
Não é nenhuma surpresa que a cultura americana seja a mais consumida mundialmente, principalmente após o final da Segunda Guerra Mundial e aumentando depois do fim da Guerra Fria, contudo, é engraçado notar como o consumo da cultura ainda é tão restrito fora da esfera dos países falantes do inglês (EUA, Inglaterra e Canadá), principalmente em países asiáticos, do oriente médio e do leste europeu.
As culturas africanas e latinas acabam por serem mais consumidas por descendentes de famílias afro e latinas, contudo, acabam por serem apropriadas e modificadas pela cultura mais popular e consumida pelas massas. Outras culturas também acabam sofrendo apropriação, mas como são mais “nichadas” têm-se a percepção de que a ocorrência com elas é menor.
Muitas vezes as obras acabam sendo adaptadas para o público, sendo modificadas para ressoarem mais com o público do país que está consumindo-a, mas isso também é uma forma de apagamento cultural, pois ao invés de manter uma obra no original, manipula-se ela para que se encaixe na cultura do país. Isso acaba empobrecendo tanto a obra quanto a cultura das pessoas, pois ao invés de fazer as pessoas conhecerem culturas diferentes, são modificadas para que se assemelhem ao que o povo já está acostumado, impedindo uma evolução da própria cultura.
O k-pop acaba por sofrer não apenas por conta da xenofobia, mas também pela homofobia.
Homofobia
A comunidade LGBT+ é a maior consumidora de cultura no mundo, entre os motivos estão o fato de não terem famílias com filhos ou terem famílias pequenas, mas um dos fatos mais notáveis é que a comunidade é também uma das que mais produzem cultura no mundo, então como explicar a rejeição de “produtos” LGBT+? Isso é muito simples de se explicar.
Muitas mídias que acabam por retratar a comunidade LGBT+ acabam por automaticamente serem rejeitados por conta de pessoas mais conservadoras. Essa rejeição acontece pelas mídias serem taxadas de “doutrinadoras”, “propaganda” ou de “militância”, contudo, nem todas elas, na verdade a maioria delas, não tem nenhum tipo de conteúdo assim. O simples fato de ter alguma coisa que se relacione com a comunidade LGBT+ já causa a rejeição automática.
O próprio K-pop sofre o estigma de ser “gay” por ter membros de grupos com traços mais delicados, as vezes andrógenos, usarem maquiagem e roupas mais chamativas e brilhantes, afastando principalmente a população masculina cis, que não quer ser associada com nada que possa ameaçar a sua masculinidade.
O ponto é homofobia, mas podemos colocar o machismo e a misoginia também na pauta. Obras que mostrem mulheres mais fortes, uma crítica a sociedade patriarcal ou a figura feminina em uma posição de poder já são rejeitadas por uma grande parte da população masculina. O filme da Barbie (2023) foi um dos maiores exemplos de que apesar de ter batido recordes de arrecadação, ele sofreu muita rejeição por parte de pessoas mais conservadoras, o que nos leva para nosso último ponto.
Intolerância Religiosa
A intolerância religiosa não é algo novo, ela existe há milhares de anos e infelizmente as igrejas ligadas a religião de matriz africana são as que mais sofrem com isso no Brasil. A causa, muita das vezes, acaba ocorrendo por evangélicos e católicos, que são as religiões com o maior número de praticantes no país.
As religiões de matriz católica têm uma grande história de apagamento de outras religiões, desde As Cruzadas nos séculos XI-XIII, a colonização durante as Grandes Navegações e a neocolonização na África no final do século XIX e no século XX, mas antes mesmo das Cruzadas, religiões foram apagadas e consideradas pagãs, como por exemplo a Celta.
E o que isso tem a ver com a cultura? Absolutamente tudo, pois a religião faz parte da cultura, as duas são unidas e indissociáveis. A rejeição de certas culturas ocorre exatamente por conta das doutrinas de alguma religião, portanto não se tem como falar de cultura sem falar de religião.
Como dito anteriormente, a Europa inteira é praticamente católica, os países que foram colonizados acabaram por serem católicos, ou de alguma vertente derivada do catolicismo, por isso não é surpresa nenhuma que a maior parte da população desses lugares siga as doutrinas religiosas delas. Além disso, a maioria das religiões acabam por serem extremamente patriarcais, portanto, a rejeição de culturas que vão contra a doutrina pregada é prontamente rejeitada por pessoas mais conservadoras.
Refinar o paladar
O que esse texto quer dizer é que, assim como consumimos diversos tipos alimentos, devemos consumir diversos tipos de cultura para que possamos evoluir e até mesmo criarmos senso crítico. Assim como a comida, precisamos consumir ela primeiro para sabermos se ela agrada ou não o nosso paladar. Se a rejeitarmos sem antes experimentá-la, podemos estar rejeitando uma coisa que, no final, acabamos por gostar.
Existem culturas mais gourmet e as que são junk food, para saber qual é qual você precisa prová-las. E precisa se lembrar também que não é porque você considera uma cultura “gourmet” que ela não vai ser considerada “junk food” por outra pessoa, o importante é lembrar que, cultura é cultura, no final tudo o que consumirmos vai nos nutrir em maior ou menor quantidade.