O ensino de história e cultura africana e afro-brasileira é obrigatório por lei desde 2003. Essa conquista tem como um de seus objetivos poder criar condições para a transformação das relações de subalternidade na educação e na sociedade brasileira. Mas é importante nos perguntarmos se algo está sendo efetivamente feito, pois, ainda que seja lei, nem todas as escolas e professores estão repassando esse tema para seus alunos. Na maior parte das escolas, esse tema ocupa pouquíssimas páginas dentro do ensino de história. E no ensino superior nem se fala, o ensino de cultura africana e afro-brasileira ainda é disciplina optativa em praticamente todos os cursos de licenciatura e pedagogia (isso quando ela está presente na lista de optativas!).

Um dos grandes desafios é construir uma identidade negra positiva em uma sociedade que, historicamente, ensina aos negros, desde muito cedo, que para ser aceito é preciso negar-se a si mesmo. Dentro da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), na parte do ensino de história, dentre as habilidades que devem ser desenvolvidas, temos o “eu”, o “outro, e o “nós”, porém, dentro de uma sociedade na qual o racismo está enraizado, como podemos mostrar para os alunos negros que eles são cidadãos que possuem direitos e deveres assim como os demais? Quando, na verdade, a sociedade mostra para eles que eles devem ser rebaixados e marginalizados? Vemos aí a importância e o impacto que pode ser gerado através do ensino de africanidades.

Segundo as Diretrizes1 curriculares específicas para o ensino de africanidades:

Reconhecer exige a valorização e o respeito às pessoas negras, à sua descendência africana, sua cultura e história. Significa buscar, compreender seus valores e lutas, ser sensível ao sofrimento causado por tantas formas de desqualificação: apelidos depreciativos, brincadeiras, piadas de mau gosto sugerindo incapacidade, ridicularizando seus traços físicos, a textura de seus cabelos, fazendo pouco das religiões de raiz africana. Implica criar condições para que os estudantes negros não sejam rejeitados em virtude da cor da sua pele, menosprezados em virtude de seus antepassados terem sido explorados como escravos, não sejam desencorajados de prosseguir estudos, de estudar questões que dizem respeito à comunidade negra.

Outra pergunta que podemos fazer é: de que forma podemos abordar esse conteúdo de maneira instigante e motivadora dentro da sala de aula? Uma das estratégias utilizadas é relacionar o ensino de africanidades com a mitologia grega, de forma que o aluno possa desconstruir estereótipos, pois, além de impedir maniqueísmos, relativiza a cultura e desperta o senso crítico nos alunos, permitindo uma prática docente qualificada no ensino de História, da diversidade e da educação das relações étnico-raciais. A depender da série, o professor pode utilizar quadrinhos que possuam personagens negros; apresentar jogos de origem africana; debater sobre pessoas negras que tiveram grande importância dentro ou fora do Brasil; ler livros de autores negros, podendo haver uma partilha acerca de suas impressões sobre a leitura; organizar com as demais instâncias da escola uma roda de conversa sobre combate ao racismo, entre outros.

Portanto faz-se necessária a educação da cultura africana e afro-brasileira, pois é preciso que as pessoas tenham conhecimento das contribuições que descendem dessas culturas, e, acima disso, é importante conhecer e valorizar suas raízes. Ter esse conhecimento nos ajuda a entender o passado, pensar e repensar o presente, podendo rever ações e falas preconceituosas, o que pode nos ajudar a construir um futuro melhor, mais humano e igualitário. A partilha desse conhecimento advindo tanto dos professores quanto dos alunos é extremamente importante e enriquecedor. A partir do ensino de africanidades podemos trabalhar juntos para finalmente conseguir mudar a terrível realidade, não só brasileira, mas mundial, esperamos ansiosamente para que esse dia chegue logo.

Notas

1 Brasil. Ministério da Educação/Secad. Diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana na educação básica, 2004.