Passam apenas alguns minutos das sete da manhã, quando eu, a minha irmã e o meu pai entramos no carro. As três malas já estão tetricamente arrumadas na bagageira, com alguns sacos por cima, e o saco de pano grande com a comida para a viagem também já foi colocado ao meu lado, no banco detrás.
Antes ligar o carro e seguir rumo a Chiclana, Espanha, decidimos que caminho iriamos fazer dentro das três opções que o GPS nos deu: a primeira opção é fazer mais quilómetros, pagar portagens, mas demorar menos tempo; a segunda opção tem menos quilómetros, não se paga portagens, mas demora-se mais tempo; e a terceira opção é a que tem menos quilómetros, paga-se portagens e demora mais tempo que a primeira opção, mas menos que a segunda.
Optamos pela segunda opção, porque, segundo a minha lógica, é preferível poupar algum dinheiro em combustível e portagens do que demorar menos tempo, visto que temos o dia todo para lá chegar. Para não falar que o check-in do hotel é só às três da tarde.
Temos, portanto, seis horas e meia pela frente. Se tivéssemos sempre a conduzir e não fizéssemos paragens nenhumas, o que é altamente improvável, pois o meu pai é o único que vai conduzir (eu não tenho a carta de condução e a minha irmã simplesmente não gosta).
Colocamos a nossa playlist de duzentas músicas a dar, uma quantidade aceitável, uma vez que queremos que dê para o caminho todo, ida e volta, e começamos assim a nossa longa viagem pelas várias estradas nacionais de Portugal. Até ao Montijo é um caminho que conheço relativamente bem, a partir daí, quando começamos a ir em direção ao Pinhal Novo, estamos à mercê do GPS.
Àquela hora da manhã estava uma temperatura bastante agradável – não fazia muito calor, porque o sol ainda não estava totalmente posto, mas também não estava frio, pois apenas se sentia uma leve brisa. Contudo, depois de duas horas de viagem, continua a não estar presente o vento, mas o sol já está em força. O que nos vale é que durante esta parte do caminho muitas das estradas são pelo meio de arvoredo, e sendo assim vamos várias vezes pela sombra.
Nas duas primeiras horas não houve muita conversa entre nós. Comentávamos certos aspetos do caminho, mas praticamente só se ouvia a música, o nosso cantar e os pássaros lá fora. No entanto, quando entramos em terras menos conhecidas, a conversa começa a gerar-se gradualmente. Por um lado, temos o meu pai a contar histórias sobre a primeira e única vez que foi a certo sítio para comprar o seu segundo carro, mas apenas se lembra da cara do homem e já não tem bem a certeza se foi ali; por outro lado, temos eu e a minha irmã a perguntar o que é que quer dizer cada sinal de estrada que desconhecemos; e por vezes, vamos comentando o tempo, a paisagem e os cheiros – bastante característicos do campo.
Não sei se é pelo caminho que escolhemos ou pelo facto de estarmos a meio de julho, porém não houve trânsito durante toda a viagem dentro de Portugal. Havia sim alguns tratores que nos obrigavam a abrandar, mas que na realidade apenas faziam com que o meu pai conduzisse à velocidade estipulada pela lei.
Enquanto fomos por estradas portuguesas apenas fizemos uma paragem, que na teoria até foram três, embora eu só conte como uma. Depois de três horas em constante movimento, todos nós sentimos a necessidade de esticar as pernas. Principalmente o meu pai, que também já dizia que lhe doía o rabo de estar tanto tempo sentado.
Assim sendo, quando vimos um restaurante à beira da estrada pensamos que seria um bom sítio para pararmos. No entanto, pela razão de ser uma Marisqueira, ainda não estava aberto. Porém, tivemos sorte, porque um dos empregados viu-nos e indicou um café, mesmo muito perto, numa transversal. E foi aí que fizemos a nossa paragem.
Não ficámos lá muito tempo, apenas o suficiente para ir à casa de banho e beber um cafezinho. No fim ainda comprámos três raspadinhas, uma para cada um de nós, visto que, no meio de uma conversa, o meu pai admitiu que nunca tinha comprado uma – ele tem 54 anos. Embora tenha sido pela experiência, nem ficámos muito mal: gastámos 3 euros e recuperámos 2.
Faltavam apenas três minutos para o meio-dia, então achámos que era uma boa hora para comer algumas das coisas que tínhamos levado. Mas tal como o meu pai constatou não ficava muito bem estar a comer as nossas coisas mesmo em frente ao café, portanto seguimos caminho durante mais algum tempo até avistarmos umas antigas bombas de gasolina Cipol, mesmo a 4km da fronteira com a Espanha.
Não é o sítio ideal para comer, mas é definitivamente um sítio estranhamente relaxante. Está no cimo de uma ravina, por isso tem uma vista muito bonita para a cidade, e apenas se ouvem os pássaros, o som de folhas a balançar devido à ligeira brisa e mesmo muito baixinho o barulho do café do outro lado da estrada.
A comida que levámos não é propriamente almoço, optámos por coisas rápidas e eficazes. Na realidade, snacks que dessem para comer pelo caminho, mesmo quando estamos em movimento. Claramente, tivemos mais olhos do que barriga, porque a quantidade de coisas que levámos foi mais do suficiente para as duas viagens – ida e volta – e ainda sobrou. Guardámos no saco de pano: três litros de água – um litro para cada um de nós; dois pacotes pequenos de bolachas com pepitas de chocolate; um pacote familiar de batatas fritas normais Ruffles; uma embalagem de batata-doce frita; um pacote de Oreos; um saco de M&Ms; salame de chocolate; uma caixa com churritos; e uma bolsinha com duas panquecas com chocolate.
Diria que a paragem durou cerca de 30 minutos. Comemos apenas algumas batatas fritas, um docinho e bebemos muita água. E conversámos sobre diversas coisas. A minha irmã deixou-se ficar, durante o tempo todo, sentada no carro – ela vai no lado do pendura – enquanto que eu e o meu pai preferimos comer fora do carro, mesmo sendo de pé.
Rapidamente avistámos a tabuleta que dizia “Espanha”.
Ao sair pela fronteira de Vila Verde de Ficalho entramos de seguida na Avenida de Portugal. Esta pequena rua fica na Nacionale 433, uma das mais longas nacionais por onde passei. De forma a chegar a Cádiz temos de fazer toda a extensão da N433, cerca de 155km de arvoredo, que, de vez em quando, reparte-se noutra via de forma a aceder os pequenos espaços para paragens, onde existem uma ou duas mesas.
A Avenida de Portugal é encantadora. Ainda se ouvem algumas pessoas a falar português, alguns dos cafés tem produtos lusitanos e embora esteja no meio de uma estrada com praticamente nada, a avenida apresenta uma arquitetura muito bonita. As casas estão alinhadas umas a seguir às outras, todas apresentam paredes de tijolo pintadas de branco com um rebordo laranja e a enfeitar os passeios estão árvores onde nascem umas flores enormes amarelas, que não sei o nome.
Enquanto ainda seguíamos na N433, o carro deu sinal de que o combustível já estava na reserva. Recordo-me de há algum tempo o meu pai ter dito que mesmo na reserva o combustível ainda dá para mais cerca de 80km, por isso não me preocupei muito. Até o meu pai alertar, ao fim de vários quilómetros sem ver uma bomba de gasolina, que a qualquer momento poderíamos ficar sem gasóleo. Então apressadamente fui pesquisar com os meus dados móveis, pois a internet móvel que levámos não estava a funcionar, onde era a estação de combustível mais próxima. Era a da Cepsa, a cerca de 5km de distância. E foi aí mesmo que parámos, mesmo com o gasóleo a dois euros por litro.
Apesar de irmos passando por locais com pontos turísticos, como por exemplo Aracena e as suas grutas, não parámos por lá, pois queríamos chegar ao hotel o quanto antes para podermos ainda desfrutar da zona. Apenas fizemos uma paragem, quando chegámos ao final da N433, porque a internet móvel continuava a não dar, nós não percebíamos porquê e nem sabíamos o caminho. No final, continuámos sem ela, pois, pelos vistos, só funciona no estrangeiro se pagarmos por fatura.
Percebemos logo quando chegamos a Sevilha. Na entrada da cidade avistamos, e é possível ver a uma longa distância, um recorte enorme de um touro. Cada vez que nos aproximamos do centro, notasse que a paisagem é um pouco mais citadina do que as restantes vilas por onde passámos. Sevilha tem uma atmosfera cativante. Mistura as estruturas modernas com um ambiente relaxado parecido ao do Ribatejo em Portugal.
À medida que vamos ficando mais perto do nosso destino existem certos detalhes que vou reparando. Só depois de vários quilómetros em Espanha é que nos apercebemos que os semáforos trabalham de forma diferente em relação a Portugal. Quando alertam para os “semáforos cerrados” é porque realmente eles estão sempre vermelhos e apenas mudam de cor quando o carro para em frente ao mesmo. Ao contrário de Portugal que apenas precisamos de abrandar.
A 28km de Cádiz a paisagem dos dois lados da estrada altera-se completamente. Aqui é possível testemunhar os vestígios dos grandes incêndios que se têm noticiado por todo mundo. São longos metros quadrados de floresta queimada. Troncos feitos em carvão e terra escurecida. Por enquanto está tudo sob controlo, mas dias mais tarde ouviram-se outra vez alertas de fogos em Espanha.
A paisagem de Cádiz é totalmente diferente. Vemos longos e longos campos de girassóis durante toda a nossa viagem nessa localidade. Embora um pouco murchos é muito bela a vastidão pela qual eles se alongam. E fazem-me lembrar a minha mãe, pois é a sua flor preferida. É uma cidade simples, mas quase perfeita para passar férias. Falta apenas mais natureza verde por onde passear.
Mesmo depois de entrarmos em Cádiz, ainda demorámos mais ou menos uma hora até ao nosso destino, Chiclana. Isso porquê? São apenas três horas da tarde e está um trânsito imenso. Podíamos ter demorado metade do tempo, mas realmente os carros mal andam. Anteriormente, por volta da uma da tarde, também já tínhamos apanhado trânsito, mas não foi tão mau como agora.
Finalmente, conseguimos passar a última ponte, fazemos a última rotunda e o GPS apresenta que nos falta apenas 5 minutos. O que todos achamos estranho pois ainda não vemos mar em lado nenhum e o nosso hotel é suposto ficar a 3 minutos da praia. Pelos vistos estávamos a olhar na direção errada porque realmente quando estacionamos em frente ao hotel, dava para ver perfeitamente o oceano, tal como sentir a brisa fresca e salgada.