No dicionário a definição de voluntário afirma ser: aquele que se compromete com um trabalho, ou assume a responsabilidade de uma tarefa, sem ter a obrigação de o fazer. Acrescento em dizer que é um ato de colaboração com interesses incomuns.
Através do voluntariado conseguir mudar de país e realizar o sonho de viver em uma nova cultura. Com meu trabalho, contribui para a organização e execução de tarefas primordiais de uma comunidade que atende pessoas com necessidades especiais na Irlanda do Norte.
A minha história com o voluntariado começou em 2019 quando comecei a buscar instituições que ofereciam visto para intercâmbio voluntário. Quando consegui uma oportunidade, ingressei na Camphill Mourne Grange na Irlanda do Norte. Fui voluntária entre 2022 e 2023. Durante um ano, tive a experiência de viver com nativos e voluntários de outros países, em uma cidade chamada Kilkeel, aproximadamente 80 km de Belfast, capital do país.
Antes de chegar a uma instituição como esta, eu não tinha conhecimento sobre como funcionava uma comunidade. As informações que colhi ao longo do meu processo de aprovação para a vaga, da aplicação do visto e preparo para o embarque, foi conversando com outros voluntários que já estavam vivendo a experiência.
Acredito que essa seja a melhor forma de ingressar em um projeto como a Camphill: conhecer o trabalho, conectar-se com pessoas com mesmo propósito e ir de mente aberta para os desafios que virão.
Foi um ano de muitos aprendizados. Passei por várias fases que me fizeram crescer e evoluir como humano. Também dei um salto no meu nível de inglês em relação aos mais de 20 anos estudando verbo to be no Brasil. Vivi muitos momentos gratificantes ao lado de novos amigos.
Fazer um voluntariado é hoje uma das formas mais econômicas e legais de fazer intercâmbio. Existem diferentes modalidades de intercâmbio na internet e todas tem seu ônus e bônus. Esse texto é para você que busca se engajar em um voluntariado que tem como missão desenvolver uma causa social. Com minha experiência quero colaborar com outras pessoas que tenham sonhos parecidos e desejam explorar oportunidades pelo mundo.
Tudo que você precisa saber sobre o voluntariado em uma Camphill
O que é uma Camphil?
O movimento internacional Camphill é uma iniciativa social que atende crianças e adultos com necessidades especiais e dificuldade de aprendizado. Baseada nos princípios da antroposofia, as comunidades são espaços para dividir a vida e o trabalho entre os residentes, trabalhadores e voluntários.
Em todo o mundo, são mais de 100 comunidades em mais de 20 países. Em cada uma, as atividades sociais, culturais e domésticas são compartilhadas. Os lares das Camphill são espaços criados para fornecer uma rotina familiar entre as pessoas atendidas e os trabalhadores.
Quem fundou a Camphill?
A primeira Camphill foi fundada na cidade de Aberdeen na Escócia no ano de 1940. Um pequeno grupo de Austrios dedicou-se ao trabalho social e de cuidado com crianças. A inspiração do Dr. Karl Konig veio dos ensinamentos do filósofo e pesquisador austríaco Rudolf Steiner que desenvolveu o conceito de antroposofia. Essa área de estudo se aprofunda no ser humano como tríplice de espírito, alma e corpo, e estabelece o desenvolvimento para a idade adulta por meio de três estágios: a primeira infância, meio da infância e adolescência.
A proposta nesse primeiro projeto foi de colaborar para que as crianças, de variadas necessidades, crescessem em um ambiente de oportunidades e desafios que lhe fizessem evoluir como ser humano.
Com a expansão das Camphill no ano de 1950 na Inglaterra e Irlanda, as comunidades foram sendo desenvolvidas para adultos com necessidades especiais. Após esse formato, outras comunidades foram sendo criadas e trabalhando de maneira autônoma dentro de seu propósito, embora seguindo os princípios estabelecidos para a vida em comunidade.
Por que ser voluntário em uma Camphill?
O trabalho voluntário é uma das possibilidades para gerenciar autodesenvolvimento, se conectar com pessoas, viver novas experiências e colaborar com projetos de impacto. Em uma Camphill é possível adquirir novos conhecimentos e ter a oportunidade de compartilhar a vida com pessoas de nacionalidades diferentes.
A proposta de viver em uma nova cultura, provar culinária diferente, falar um novo idioma é intensamente explorado pelos voluntários. Se você está em busca de um intercâmbio para praticar inglês e colaborar com suas habilidades, se juntar a uma Camphill é boa uma oportunidade.
O que faz um voluntário de Camphill?
Em todas as comunidades os residentes precisam de apoio nas suas rotinas. Sejam elas domésticas, trabalho ou lazer. Os voluntários que integram as Camphill trabalham como suporte para os residentes.
Nas rotinas diárias é comum ajudar na organização da casa, no preparo de refeições e com a medicação, por exemplo. Também no ambiente de workshops ou oficinas, os voluntários contribuem para que os residentes desempenhem suas tarefas.
Em muitas Camphills existem produção de pães, bolos e biscoitos nas padarias, plantação de legumes e hortaliças, cuidado de animais como bois, galinhas e ovelhas. Além de produção de artesanato para explorar o lado artístico dos residentes.
Durante o ano são programadas festividades, em que muitas seguem o calendário do catolicismo e das próprias tradições das Camphill.
Nesses momentos, os voluntários são responsáveis por organizar apresentações de teatro, dança ou música. Também há momentos de lazer como visitar parques, museus ou ir a espetáculos e restaurantes. Em cada comunidade as atividades variam para os voluntários.
Quais os requisitos para ser voluntário?
Para se candidatar a vagas é preciso ter mais de 18 anos. Nível intermediário de inglês e está disponível para trabalhar por um ano.
Como ser um voluntário em uma Camphill?
As comunidades estabelecem processos de admissão variados. Para se inscrever a uma oportunidade você deve aplicar através do site ou e-mail da instituição. A maioria fornece formulários online ou para preenchimento no word (por exemplo). Esse é um processo para conhecer um pouco o perfil de quem está se candidatando.
Se você está buscando uma oportunidade como essa, esse primeiro contato é essencial demonstrar o que você pode agregar na comunidade e porquê está interessado em se candidatar.
A próxima etapa geralmente é uma entrevista em inglês como parte do processo.
Nas entrevistas, a instituição deja fazer contato com o candidato a fim de entender os motivos que lhe fizeram aplicar para a vaga, conhecer mais sobre as habilidades e experiências, como também saber em que o candidato pode contribuir.
Não é necessário ser fluente ou ter um nível avançado em inglês. Mas a comunicação básica é essencial para ingressar em uma Camphill.
Que tipo de vistos são ofertados pelas Camphill?
Cada país oferta uma modalidade de visto de acordo com sua política de imigração. Para o Reino Unido, o visto é Tier 5 de trabalhador de caridade e é válido por um ano. Nos Estados Unidos ou Canadá, os vistos mais comuns são de voluntários B1 ou alunos das Camphill Academy o visto de estudante F1. Também válidos para um ano.
Existem Camphill em muitos países, nas páginas de aplicação para voluntário você pode verificar quais tipos de vistos são fornecidos pela instituição. As comunidades fornecem orientações sobre o processo de visto a partir do momento que você é escolhido para a vaga. No entanto, é importante saber que custos de visto geralmente ficam a cargo do voluntário.
Em muitos países também é cobrado em conjunto com o visto, o seguro saúde durante a sua estadia no país. Esse valor é de responsabilidade do aplicante do visto. Dependendo de qual comunidade você realizará o intercâmbio esse valor pode ser reembolsado. Porém não é uma regra para todas.
Por quanto tempo posso ser voluntário?
O período de voluntariado para estrangeiros é de um ano. Esse é um tempo mínimo que as instituições oferecem para os programas de curto prazo. Após um ano, se for de seu interesse, é possível aplicar para outros tipos de vagas. Não é comum ter voluntário menos que um ano que precisem de visto, porém tem programas de verão em algumas comunidades que duram 6 meses ou menos.
Quais os meus benefícios como voluntário?
Os voluntários que se juntam as Camphills têm direito a hospedagem e alimentação durante todo o programa. Muitas das comunidades oferecem um suporte financeiro mensal para despesas básicas. Além disso, as comunidades ofertam passeios e atividades de lazer aos voluntários durante os dias livres. Todo voluntário tem direito às férias, que podem ser aproveitadas para conhecer novos lugares.
Como procurar por oportunidades?
As oportunidades para voluntariados em Camphill podem ser encontradas nos site das instituições na aba de “volunteer” ou “join us”. Também é muito comum as comunidades informar e-mails nas páginas de contato. Nesse caso, se não achar um e-mail para inscrição de voluntário, você pode enviar um e-mail na aba fale conosco, demostrar interesse e perguntar por novas oportunidades.
Uma busca no Google com o nome “Camphill” você encontrara informações em comunidades de diversos países. Muitas delas trabalham de forma independente, mas outras são interligadas. Em um mesmo site, você pode encontrar informações sobre mais de uma instituição.
Como foi a experiência de quem trabalhou em uma Camphill?
A experiência em viver em comunidade é muito singular. Afirmo para todos que me questionam sobre meu ano na Camphill e o que posso dizer é que eu encontrei um espaço de muita organização e cordialidade. Nas comunidades eles seguem procedimentos de inclusão dos novos voluntários nas rotinas de forma bastante amigável.
Morei em duas residências diferentes durante o meu período de voluntário. Nessas casas moram os residentes, coordenadores com famílias ou sem famílias, e voluntários. Porém isso não é regra para todas as instituições. Onde o voluntário vai morar e com quem, depende mais do formato da instituição.
Nesse meu período na Mourne Grange, realizei diferentes funções. Quando comecei a trabalhar nos Workshops iniciei na horta e na Jardinagem. Minha função era auxiliar as coordenadoras no adubo, plantação, organização do espaço e limpeza. Fiquei em torno de 5 meses nessas funções, em paralelo na minha casa eu ajudava na cozinha e limpeza aos finais de semana.
Depois migrei de workshop para a marcenaria. Nesse local, eu tinha mais contato com os residentes e ajudava no apoio as atividades com madeira e de artesanato. Construíamos materiais para serem vendidos na loja da instituição ou em eventos. Também era responsável por organizar o espaço de trabalho e executar qualquer tarefa solicitada pela coordenação. Fiquei nesse workshop durante os meus 9 meses no turno da tarde.
Durante a manhã eu passei a auxiliar na cozinha da minha casa no preparo as refeições. Possuía apoio de um residente que era responsável pela limpeza do nosso lar.
Nos meus últimos 3 meses na instituição, quando mudei para outra casa, passei a integrar a equipe de padaria. Nesse workshop eu ficava pela manhã. Produzia pães, bolos, biscoitos, panquecas, massa de pizza. Também realizava entrega de massa de pizza e pães nas casas.
A minha rotina durante a semana funcionava em ir para workshops pela manhã e tarde. A noite e finais de semanas ser suporte em casa. Tive dois dias livres na semana, porém nos meus primeiros meses eu só possuía um, as quintas e depois fiquei com as quintas e domingos.
Nesses momentos aproveitava para explorar o país. Uma dos benefícios de ser intercambista é sempre estar em contato com o novo. Conheci muitas pessoas e tive a oportunidade de ir a muitos lugares incríveis. A Irlanda é muito linda e com paisagens de tirar o fôlego. Aproveitei cada momento livre que tive no verão. É das melhores estações de se viver para quem gosta de calor. Eu morava perto da praia e das montanhas. Todas as vezes que podia aproveitar o sol, que é muito raro na Irlanda, eu subia uma montanha ou ia para a praia.
Também com a ajuda financeira que recebia da comunidade para gastos essenciais fui juntando para poder viajar para outros países. Essa é uma das melhores oportunidades de fazer intercâmbio na Europa, pela facilidade de viajar. Apesar de não pagarem os voluntários, as comunidades contribuem para fornecer alguma experiência ao voluntário durante o ano. Na minha, os voluntários recebiam um valor para férias. Dentro da Europa você consegue viajar com passagens econômicas e conhecer muitos lugares gratuitos.
Assim, a experiência de viver todas as tradições do ano em outro país foi impactante. No momento que você se estabelece em outra cultura e modos de viver, uma semana parece mais que 7 dias, e assim sucessivamente.
A imersão em uma Camphill é uma realidade diferente de experimentar. Os seus dias não são como todas as pessoas que tem um trabalho e uma casa. E esses dois espaços não são divididos na sua vida. Na comunidade é muita conexão dos dois espaços, que por um lado se torna uma rotina extensa e por outro se cria facilidades e uma vida mais confortável.
Cada momento que se vive em uma instituição exige dos voluntários a adaptação a novas formas de viver. Ninguém deixa de ter sua essência e fazer as coisas que gosta. Porém você deve seguir regras e culturas que talvez não esteja acostumado. O respeito nesse processo é fundamental.
Em minha vivência teve dias que não estava de bom humor para fazer refeições com meus residentes. Mas ao sentar-se à mesa eu tinha que compartilhar daquele momento especial com eles e isso eu não encarei como obrigação, mas como respeito à rotina estabelecida. Assim como teve obrigações da comunidade que muitos voluntários não se sentiam dispostos a participar, porém nos dedicamos ao proposto. Uma vez que você está em vida em comunidade, você deve se dedicar aquele ambiente.
A vida em Camphill é de trabalho árduo, mas também de diversão. Os voluntários sempre buscam meios de quebrar a rotina com festas no meio da semana, com passeios e encontros para jogar conversa fora. Cozinhar juntos e provar de novas culinárias era minha parte favorita. Então, viver em comunidade é uma oportunidade enriquecedora em vários aspectos.
Eu recomendo para todas as pessoas que sintam esse desejo de explorar uma vida diferente por um ano e querem se envolver com um projeto grandioso como a Camphill. Para mim é um grande orgulho ter na minha trajetória de vida o voluntariado na Mourne Grange. Foi muito desafiador em diferentes perspectivas. Embora todas as vezes que eu ousei reclamar da rotina exaustiva que tive, eu fui contemplada com muito carinho e afeto por pessoas que conheci ao longo dessa caminhada.
Eu escrevo hoje esse relato com intuito de estimular as pessoas a conhecerem formas de explorar a vida em outro país, além de se engajarem em algo que vai ajudar a você com um novo idioma, por exemplo. É muito importante compreender que o voluntariado nas Camphill não é um intercâmbio para apender inglês, mas auxilia muito no processo.
O que posso dizer para quem quer ingressar nas comunidades é conheçam bastante a instituição. Seja curioso por tudo que encontrar de informação. Não tenha receio de perguntar sobre a experiência de quem já foi. E por fim...viva a experiência. Todos os voluntários têm diferentes perspectivas sobre como foi viver em uma comunidade, mas todos ficarão contentes em relatar como foi ser parte do movimento Camphill.