Sabe aquele lugar rico em memórias e em espaços convivais? É o museu! O museu é o lugar de patrimônio, de histórias, de imaginação, de vivências, de narrativas e do tempo.

Para compreender melhor, é preciso identificar os lugares de memórias, lugares que deixam saudade, mas, que ao mesmo tempo, transfiguram o presente pelo sentido de futuro. Como tudo passa, há de se considerar que os museus expõem as vivencias das pessoas pela magia do significado do uso de seus objetos. Lugar que transporta sentimentos, o museu ajuda a cidade mostrando o elevado grau das pessoas pela preocupação de suas narrativas. Talvez a cidade ou o lugar, seja medido pela quantidade e intencionalidade de seus museus.

Lembrei-me de uma pesquisa que fiz no semiárido pernambucano, lá no período de 2002 na cidade de Custódia, em Pernambuco, em um distrito intitulado Samambaia, onde pesquisei a comunicação rural e o sentido da água no semiárido para o desenvolvimento local. Pois bem, o lugar tinha na época, um matadouro, um rio que só enchia no mês de janeiro, um cemitério, uma igreja, três bodegas, uma antiga fábrica desativada de caroá1, quatrocentas famílias e cadeiras nas calçadas.

No caminho ao distrito encontrei uma casa pintada de amarelo de portão azul escuro. No muro tinha uma placa escrito 'Museu da Cavalhada'2. A cavalhada é um folguedo que tem como ponto forte o desfile a cavalo, corrida de cavaleiros e o jogo de argolinhas de origem ibérica. Fiquei encantada, como no semiárido, um lugar remoto, existia um museu da Cavalhada? Logo na sala de entrada, um senhor me recebeu, perguntei se ele era o dono do referido museu, e ele disse:

— Não, não sou o dono, o dono é este aqui nesta foto.

Pasmem! Havia uma foto de tamanho natural do dono do citado museu vestido a caráter para brincar o folguedo cavalhada.

No museu tinham muitos vinis de Luiz Gonzaga, o rei do baião. Havia um ferro de passar antigo, movido a carvão, máquinas de costura antigas, e muitos outros objetos que foram doados pela comunidade. Também havia um santuário, e no citado santuário existia um santo sem cabeça. Fiquei curiosa e perguntei:

— Moço, eu tenho essa idade e nunca vi um santo sem cabeça, o senhor poderia me dizer que santo é este?

Na mesma hora, o senhor disse com veemência:

— Olhe moça, este santuário o dono ganhou, e também ganhou o santo. Como o santo não cabia no santuário, ele torou a cabeça!

Na hora fiquei exclamativa, e sorri. Depois bati uma foto pela antiga máquina fotográfica do santo sem cabeça no santuário. São essas narrativas que revelam a alma do lugar, cada objeto, cada fotografia tem sua memória. Quanta riqueza há no nosso país!

Também tem o museu lindo de um rapaz de um coração enorme chamado Pedro Lucas3. Pedro Lucas criou o Museu Luiz Gonzaga em Dom Quintino, Crato, Ceará aos dez anos de idade depois de visitar a cidade de Exu, Pernambuco o museu do Gonzagão. A história de Pedro Lucas conquistou o mundo. Pedro Lucas foi parar num documentário em Londres4! Que riqueza! O Museu fundado por uma criança também foi parar na prova do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) em 2021. Por isso, o autor cubano do livro 'A Idade de Ouro', Jose Martí, afirma que “As qualidades essenciais do caráter, o original e enérgico de cada homem, são vistas desde a infância, numa ideia, num olhar.”

Foi assim também com o baiano Josué de Santana, aos doze anos, após assistir os filmes O Cabeleira5 e o Cangaceiro6, passou a se apaixonar pelo referido tema. Comprou seus primeiros livros sobre o cangaço na década de setenta. Com o passar dos anos, Josué começou a colecionar objetos referentes ao cangaço, guardava todos em caixas de papelão, também começou a visitar lugares históricos do Nordeste. Em 2005 ele comprou uma linda casa na cidade de Saquarema no Rio de Janeiro onde passou a organizar seus objetos do sertão nordestino7. No ano de 2009 participou do evento - O Centenário de Maria Bonita e o Cariri Cangaço, onde é membro e consultor.

Há de se considerar que Josué construiu no seu museu uma réplica da casa de taipa que nasceu na Bahia, além de construir uma mini cidade cenográfica das coisas do sertão. Disse Josué que a casa possui “uma área num total de 3000 m2 com as plantas nativas do sertão nordestino. Angico, caraibeira, quixabeira, juazeiro, umburana de cheiro, umburana de cambão, umbuzeiro, favela, canudo, barriguda, paineira, pau ferro, pau d'arco, alecrim, baraúna, aroeira do sertão, caiçara, pau pereira, cajá-umbu, assa-peixe, baraúna, sete casca, quixabeira, facheiro, cabeça de frade, diversas espécies de palmas, quipá, xique-xique, mandacaru, palmatória e outras.”

Sua biblioteca também é rica para quem quiser compreender o cangaço, coronelismo, messianismo, folclore e alguns personagens como Luiz Gonzaga o rei do baião, cego Aderaldo entre outros. São 1.750 livros, mais de 400 sobre religião e ufologia. São esses museus que trazem afeto das narrativas do lugar de memória pela convivialidade. E, não para por ai.

Você conhece Pedro Popoff? Um jovem que nasceu em Bauru, interior de São Paulo e é apaixonado pela cultura nordestina. Ele montou uma cordelteca reunindo dois mil cordéis da cultura nordestina. Pedro é um multiartista, canta, declama, pesquisa, entrevista, é Diretor Geral da Comissão Jovem IOV (Organização Internacional de Folclore e Artes Populares) e ex-presidente da Comissão Infantojuvenil IOV Secção Brasil, credenciada pela Unesco. “Pedro Popoff, um adolescente de 13 anos, movido por sua paixão pela cultura nordestina, montou uma cordelteca, que batizou com o nome de Gonçalo Ferreira da Silva, em homenagem a um poeta de Ipu, no Ceará, conhecido por ser um dos fundadores da Academia Brasileira de Literatura de Cordel. Pedro contou com ajuda dos pais, familiares, alguns empresários e de uma vaquinha virtual para conseguir o seu objetivo. Além do acervo literário, a cordelteca conta com objetos de origem nordestina, como uma coleção de chapéus e um gibão doado pelo poeta Chico Neto Vaqueiro, de Fortaleza (CE). A cordelteca está localizada na Rua Treze de Maio, 12-45, na região central de Bauru. Fica aberta de segunda à sexta-feira, das 9h às 17h e aos sábados, das 9h às 13h. Visitas monitoradas devem ser agendadas..."8

Mas, lá na terra onde nasceu o destemido cangaceiro Lampião, na cidade de Serra Talhada, existe o museu do Cangaço que foi criado no ano de 2009 para evidenciar a cidade como um lugar de memória. Com mais de 2.300 objetos entre utensílios, fotografias e livros, o museu do cangaço de Serra Talhada favorece a todos da região, desde estudantes, comunidade e turistas. Localizado no sertão do Pajeú, o equipamento cultural é referência de Pernambuco. Nele também há a Fundação Cultural Cabras de Lampião, que faz a dança do xaxado patrimônio imaterial da região. Mas, por questões financeiras o citado museu poderá fechar. Sem apoio, o museu vem passado dificuldades. A presidente Cleonice Maria, afirma que “O espaço atualmente vem passando por dificuldades financeiras e encontra-se sem os recursos necessários para continuar com o local aberto.”9

Como deixar um espaço dinâmico de convivialidade se desfazer? Os Museus são lugares de memória, o termômetro de narrativas de uma cidade. O historiador e escritor Anildomá Willians, conhecedor e morador da região, diz que “O cangaço é peculiar em todo o seu conteúdo, como música, indumentária, poesia e dança própria. E tem um ambiente único, que é esse sertão. Então, nós temos tudo próprio, nós temos uma gastronomia própria. Todas as linguagens artísticas nós temos dentro do cangaço.”10

São essas pessoas que ajudam a incentivar esses espaços. Ricos em narrativas e memória, essas pessoas conduzem esses equipamentos com carinho para construção social de novos futuros. Jamais, nenhum equipamento cultural poderia fechar. Quem sofre com isso é a comunidade. Não podemos confundir equipamentos culturais com comércio. Para tanto, os empresários que queiram abraçar o referido espaço cultural podem contribuir fazendo uma parceria com a Fundação Cultural Cabras de Lampião ou também podem entrar em contato com a presidente da Fundação, Cleonice Maria, através do número: (87) 99938-6035.

Precisamos realizar uma ode aos museus dos interiores do Brasil, são eles que contam nossa história com afeto e guardam a dinâmica do passado para novos futuros.

Referências

1 “O caroá é uma planta nativa da Caatinga que é muito utilizada para ornamentação e para extração de fibras que são usadas para fabricação de artesanato.” Santos, Mónica. Grupo de pesquisa da Univasf descreve em artigo internacional uma nova molécula presente em planta típica da Caatinga. UNIVASF. Pernambuco.
2 “O Dicionário do Folclore Brasileiro, de Câmara Cascudo, registra cavalhada como desfile a cavalo, corrida de cavaleiros, jogos de canas, jogo de argolinhas. De origem ibérica, a cavalhada ou argolinha recorda os torneios eqüestres medievais. Chegou até os romanos, que a tinha como parte das procissões cívicas, triunfos e festividades sacras, depois a Portugal e, daí foi importada para o Brasil.Em Portugal, o torneio das cavalhadas era realizado nas festas religiosas ou políticas. Dele participavam os monarcas, com os príncipes e fidalgos da casa real, até tornarem-se um divertimento popular. No Brasil, a participação das classes dominantes também era uma das características das cavalhadas. Foram introduzidas à época da colônia pelos cavaleiros e fidalgos que chegavam com os donatários. Faziam parte das festividades cívicas e religiosas e, alguns anos depois, dos nossos costumes e folguedos populares. A cavalhada também podia, independente dessas festividades, ser uma festa em si mesma já que acontecia durante vários dias. Um dos mais antigos registros das cavalhadas (argolinhas), no Brasil, remonta às festas públicas promovidas pelo Conde João Maurício de Nassau, no Recife, em janeiro de 1641, quando da comemoração pela proclamação da restauração de Portugal do jugo espanhol e pela aclamação de D. João IV. Com características trazidas da Europa – desfile de cavalos, corridas de cavaleiros, jogos de canas, manequim, manilhas e argolinhas –, a cavalhada espalhou-se pelo Brasil, principalmente nos estados de Minas Gerais, Bahia, Paraná e Goiás. Entretanto, ao longo do tempo, não conservou o modelo original. O folclorista alagoano Théo Brandão observa que a cavalhada nortista é constituída apenas dos desfiles, corridas de cavalos e jogos de argolinhas. De seus estudos foi sintetizada a descrição da cavalhada: realizada em espaço amplo (praça, descampado ou parque) para que possa ser demarcada a pista ou trilha de corrida, a cavalhada é constituída por doze cavaleiros ou pares. Os dois pares dianteiros têm o nome de primeiro e segundo matinadores (em outros estados, mantenedores), que são os chefes respectivamente dos cordões encarnado e azul. Os matinadores, bem como os outros cavaleiros, devem ser mestres na arte da cavalhada pois, desses últimos, cabe obrigatoriamente a retirada da argolinha, caso não o tenham feito os que os antecedem na corrida.” Barbosa, Virgínia. Cavalhada. Pesquisa Escolar Online, Fundação Joaquim Nabuco, Recife.
3 Barbosa, Lucas. Conheça o museu criado por um garoto de 10 anos em memória a Luiz Gonzaga. O Povo. Ceará.
4 Vital, Ney. História do menino que criou o Museu Luiz Gonzaga, no Distrito Dom Quintino, Ceará, é tema do Enem 2021. RedeGN.
5 O Cabeleira - Filme.
6 O Cangaceiro - Filme.
7 Museu do Cangaço!
8 Pedro Popoff, o Menino do Cordel e do Baião é o Convidado Especial do Cariri Cangaço Personalidade desta Segunda. Cariri Cangaço. Nordeste.
9 Museu do Cangaço de Serra Talhada pode fechar as portas. Folha de Pernambuco.
10 Museu do Cangaço de Serra Talhada pode fechar as portas. Folha de Pernambuco.