Após anos de especulação, a Apple revelou a 5 de junho deste ano os óculos de realidade virtual (ou melhor, "mista") Vision Pro, que espera disponibilizar no início de 2024 a um preço astronómico de $3,499. Trata-se do primeiro produto da Apple numa nova categoria e segmento de mercado desde o Apple Watch em 2015.
A opiniões dividem-se, se por um lado o preço torna o produto pouco apelativo à adoção em massa, algo que a Google não conseguiu com o Google Glass, nem a Meta com a compra da Oculus e os vários modelos Rift e Quest, todos eles são dispositivos francamente mais acessíveis ao típico consumidor de tecnologia.
Por outro lado, existem os que dizem que sempre que a Apple se move na direção de um novo segmento, toda a indústria se transforma. E se olharmos para exemplos passados: Macintosh, iMac, iPod, iPhone, iPad, iCloud... Sim, os exemplos para provar esta tese parecem não ter fim.
Ainda assim, a agência Reuters reportou que a empresa chinesa Luxshare, fabricante exclusiva do dispositivo, se prepara para fabricar menos de 400.000 em 2024, o que significa que, no primeiro ano, o novo produto da Apple venderia menos que meio milhão de unidades.
Outro problema, e este não só para a adoção inicial da tecnologia, é a falta de aplicações e jogos que façam uso adequado de tal hardware. Assim sendo, não existe uma enorme demanda para a criação de novos conteúdos tendo em vista um tão reduzido número de utilizadores. Existe sempre o argumento de "porque desta vez é a Apple, vai ser diferente", mas eu não consigo dar razão a isso de todo.
Como contra exemplo apresento o Facebook, que no auge da sua infâmia e poder financeiro mudou de nome para Meta e investiu milhares de milhões em tentar fazer crescer o ecossistema Oculus VR, agora denominado de Meta Quest. O tão falado Horizon Worlds, em outubro de 2022, não ia além dos 200.000 utilizadores ativos, sendo que muitos destes usam um dispositivo muitíssimo mais barato que o da Apple: o Meta Quest 2. A Apple propõe-se a mover montanhas em meses e eu sinceramente não percebo porquê, porque sem um ecossistema com software suficiente essa aventura estará sempre condenada ao fracasso.
Mas mais do que realidade virtual a Apple fala em "mixed-reality", um novo conceito que parece mais voltado para as utilidades da realidade aumentada do que para o entretenimento proporcionado pela realidade virtual. Ainda assim, porque optar por um aparelho tão volumoso e desconfortável, que pode inclusive causar problemas de equilíbrio, enjôo, etc?
Não teria feito mais sentido a Apple ter ido, uma década mais tarde, pelo caminho do Google Glass e ter de facto feito o que o concorrente não fez e popularizado uma nova tecnologia, movendo assim toda a indústria?
Então, e agora se as vendas são uma desilusão ou se os fãs da Apple se queixam, o que acontece? Nada, tratam-se de meramente 400.000 mil unidades, apesar do preço nem sequer serem as peças mais caras do catálogo da Apple, nem perto. Se funcionar, por pouco que seja, a Apple estabeleceu-se no mercado ARVR como a alternativa cara à Meta, como o iPhone já é uma alternativa cara ao Android.
Se por outro lado este lançamento for um fracasso, a Apple simplesmente segue em frente, porque não perdeu nem anos nem milhares de milhões em investigação e desenvolvimento. Viu alguém a fazer uma coisa nova e interessante, apercebeu-se do potencial e tentou fazer melhor, mas não apostou nisso o futuro da empresa.
Para mim, o que fica por dizer nesta história é que para aqueles que cresceram com os discursos de Steve Jobs a anunciar novos produtos inovadores da Apple, que de uma forma ou outra mudaram a indústria a que se dedicavam e por vezes até a sociedades, tudo o que veio desde o Apple Watch (e esse já é um esticão) não é verdadeiramente inovador.
Sucesso ou não, o Vision Pro e este olhar para trás, para o "metaverso", não é o tipo de inovação a que a Apple nos habituou. E a falta de interesse da Internet no produto demonstra-o.