A imagem do cenário é bem famosa em filmes e quadrinhos: o homem primitivo em seu ambiente nas cavernas, cercado de neve, disputando sua caça com as feras do local e fugindo dos terríveis dentes-de-sabre. Ainda que essa imagem não seja incorreta, é muito vaga e ignora a riqueza da história dessas criaturas. Com exceção dos dinossauros, nenhum animal antigo é tão icônico quanto os famosos tigres dentes-de-sabre. Porém, apesar de sua popularidade, os felinos são muito pouco compreendidos pelo público; a maior parte das pessoas não sabe muito sobre o animal, exceto sua aparência bem memorável.
O primeiro erro que deve ser apontado está no próprio nome do animal: apesar da aparência, os dentes-de-sabre não eram tigres de verdade. Os tigres pertencem ao grupo dos felinos conhecidos como Panthera, cujos parentes modernos são leopardos, leões e onças. Os dentes-de-sabre eram criaturas com uma história evolutiva bem diferente.
O segundo equívoco comum é acreditar que houvesse uma única espécie de dente-de-sabre. Na realidade, a característica específica (os caninos enormes, maiores do que a própria boca do animal) foi uma arma comum que apareceu várias vezes na história da vida na Terra, de modo que existiram dezenas de espécies de dentes-de-sabre que não possuíam relação umas com as outras, exceto na aparência. Os dentes-de-sabre evoluíram pelo menos sete vezes na história da Terra, logo, a diversidade de animais que tiveram a característica sempre foi grande. Apenas na última dessas ocasiões, os animais com dentes-de-sabre eram felinos de verdade.
Pode parecer estranho que vários animais diferentes sem proximidade tenham todos desenvolvido armas tão parecidas para matar suas presas de modo separado, mas isso é um processo comum na natureza. Os biólogos chamam de “evolução convergente”. Para conseguirem sobreviver, os seres vivos têm que adotar estratégias de adaptação ao ambiente, e por mais que os animais difiram muito uns dos outros, eles enfrentam problemas similares e têm que recorrer a táticas parecidas.
Isso tudo atesta que os dentes-de-sabre deveriam ser muito eficientes em seu propósito de matar presas, para a evolução ter originado tantos animais com essas armas. Por incrível que pareça, a forma de caça dos dentes-de-sabre foi um enigma por muito tempo para os cientistas. Mesmo hoje, ainda existem dúvidas sobre como eram usados seus dentes. Ainda que sejam armas impressionantes, eram frágeis e traziam uma série de desvantagens.
Os dentes eram muito grandes, o que dificultava abrir a boca e atrapalhava comer, prejudicando tanto o ato de matar a vítima quanto de engolir a carne. Isso podia impedir os animais de tirarem pedaços de carne dos ossos quando a carcaça estivesse chegando ao final, dificultando aproveitar todo o abate. Limitações tão grandes no uso de sua principal arma são difíceis de entender em um animal tão próspero. Ainda que fossem grandes, os dentes eram frágeis e podiam quebrar se mordessem a parte errada da presa, como se batessem em um osso durante a caça. Além disso, os predadores não costumavam ter mordidas fortes, logo, o uso dos dentes parecia depender mais da precisão do que do estrago causado. Alguns cientistas acreditam que os predadores atacavam o pescoço da presa, mordendo onde passam os vasos sanguíneos que levam oxigênio para o cérebro. Sem a circulação sanguínea, o animal morreria em menos de um minuto, o que evitaria uma luta.
Os dentes parecem ter sido úteis para derrubar presas maiores do que normalmente o predador seria capaz, o que explica por que boa parte dos dentes-de-sabre eram especializados em matar grandes herbívoros. A maior parte dos animais possui dentes idênticos entre si dentro da boca. Mas os dentes dos mamíferos, de modo geral, são diferentes. Eles possuem três tipos de dentes: incisivos para cortar, caninos para perfurar e molares para mastigar a comida. Outros animais, como répteis, com raras exceções, não possuem essa adaptação.
Entre os mamíferos predadores, os caninos costumam ser compridos para poder agarrar a presa e feri-la. Logo, durante a evolução, alguns adquiriram caninos excepcionalmente compridos para desferir mordidas fatais nas presas rapidamente. Isso explica por que tantos animais conseguiram desenvolver dentes-de-sabre como armas. E por isso, mesmo com suas muitas limitações, a estratégia podia ser tão frequente, era uma forma de se destacar no competitivo ambiente da era dos mamíferos, em que vários predadores rivalizavam pelas presas.
Ainda que os mamíferos sejam atualmente os únicos predadores que tenham caninos, algumas criaturas pré-históricas já possuíam dentes especializados e, portanto, puderam evoluir dentes-de-sabre. De fato, os primeiros predadores com essa adaptação já existiam antes mesmo dos mamíferos aparecerem na Terra. A imagem de répteis (ou criaturas similares a eles) com dentes-de-sabre destoa do imaginário popular, mostrando quão pouco se é conhecido sobre essas impressionantes criaturas.
Na época que antecedeu a chegada dos dinossauros, um grupo de seres que possuía características combinadas de répteis e de mamíferos controlou o planeta. Esses estranhos animais eram os ancestrais dos modernos mamíferos, e entre eles, alguns desenvolveram caninos semelhantes aos dentes-de-sabre. O mais icônico desses estranhos animais era o Inostrancevia, que atingia tamanho maior do que um leão moderno.
Ainda que fossem ancestrais dos modernos mamíferos, eram criaturas com cérebro reduzido, uma característica comum entre os predadores dentes-de-sabre, que, provavelmente, não deviam ser muito inteligentes. Isso indica que não precisavam de grandes estratégias para matar suas vítimas, diferente dos predadores modernos.
Com o desaparecimento dessas criaturas primitivas, veio a era dos dinossauros. Como esses répteis gigantes não possuíam caninos, nenhum deles desenvolveu dentes-de-sabre. Entretanto, sob a sombra dessas enormes criaturas viviam diminutos mamíferos, e alguns poucos conseguiram desenvolver caninos proeminentes. Como os mamíferos dessa época eram muito pequenos, não passando do tamanho de ratos, seus restos são muito difíceis de serem encontrados e estudados, logo, quase nada se sabe sobre os dentes-de-sabre desse período.
Mas, claro, isso iria mudar. Após o desaparecimento dos dinossauros, os mamíferos puderam crescer e dominar a Terra. Os dentes-de-sabre se tornaram um diferencial que vários predadores usaram para se destacar. No começo da era dos mamíferos, os predadores que hoje são conhecidos como cães, gatos e ursos ainda não existiam. Em vez deles, animais mais primitivos, com grandes cabeças e mandíbulas enormes, tomavam conta da Terra. Eram criaturas com pernas pequenas, lentas, mas muito fortes.
Os caçadores da época eram conhecidos pelos cientistas como creodontes e se dividiam em dois grupos: um similar às modernas hienas e outro parecido com os atuais felinos. Deste segundo grupo vieram alguns animais com dentes-de-sabre. Esses predadores primitivos eram pequenos, não maiores do que gatos grandes ou cachorros de médio porte, mas seus dentes permitiam atacar presas muito maiores do que seu próprio tamanho reduzido.
Ainda que fossem os predadores mais temidos do planeta, os creodontes não dominavam o mundo todo, sendo mais comuns na Ásia, África e América do Norte. O hemisfério sul era livre deles, e por isso, outros predadores tomaram essas regiões para si. Entre esses animais estavam os sparassodontes, que aterrorizavam a América do Sul. Eles eram criaturas únicas da evolução, que, apesar de similares aos predadores modernos como gatos, eram, na verdade, parentes dos cangurus e coalas da Austrália.
Dentre os sparassodontes, o mais icônico era o Thylacosmilus, com seus enormes caninos se projetando da boca. Em certo sentido, os Thylacosmilus eram os dentes-de-sabre mais impressionantes da evolução. Enquanto outros predadores tinham que ser cuidadosos ao morder para não quebrarem seus dentes e perderem suas armas de caça, os Thylacosmilus tinham dentes que cresciam a vida toda do animal, similar aos modernos coelhos, o que lhes permitia superar essa limitação.
Ainda que os creodontes e sparassodontes fossem animais incríveis, logo foram superados por predadores mais ágeis e inteligentes, capazes de emboscar as presas e surpreendê-las. Esses animais eram os ancestrais do grupo conhecido hoje como Carnivora, do qual vieram os predadores que dominam o ambiente moderno, como ursos, lobos e leões. Essa mudança na cadeia alimentar foi causada por alterações no ambiente que geraram campos abertos, onde a velocidade se provava mais importante do que a força na hora de capturar suas presas.
Dentre os carnívoros, os primeiros com caninos gigantes não foram os gatos, mas os chamados “falsos dentes-de-sabre”, nome dado porque a semelhança com os verdadeiros felinos confundiu muitas pessoas. Esses animais formavam dois grupos de criaturas conhecidos como Nimravidae e Barbourofelis. Essas criaturas eram muito similares aos modernos felinos, podendo ter vários tamanhos, desde pequenos animais similares a um gato doméstico, até alcançando o tamanho de um tigre. Mas não eram criaturas inteligentes, o que pode ter limitado muito sua capacidade de inovar. Um Barbourofelis do tamanho de um leão tinha o cérebro igual ao de um lince, mostrando que, mesmo com um corpo igual ao dos felinos, não deveriam ter sua vasta capacidade de emboscar presas.
Os chamados “verdadeiros dentes-de-sabre” são conhecidos assim porque eram parte da família dos gatos modernos. O grupo apareceu há cerca de 20 milhões de anos, durante a era do gelo. Os gatos dentes-de-sabre logo se separaram de seus primos, seguindo um caminho diferente na evolução. Enquanto os demais felinos tinham um corpo mais esguio e um modo de se mover gracioso, os dentes-de-sabre possuíam corpos fortes e corpulentos, muitos perderam suas caudas durante a evolução.
Os dentes-de-sabre conviveram com seus primos felinos durante toda a sua existência, competindo com os ancestrais dos leões e guepardos pelas presas nas savanas da era do gelo. Desde o seu surgimento, esses animais foram divididos quanto à forma de usar os dentes. Alguns, como o Homotherium, tinham dentes-de-sabre levemente menores para ferir as presas e eram mais adequados para correr. Outros, como o Dinofelis, eram adaptados para lutar com o inimigo. Essa última espécie também foi um caçador que abatia nossos ancestrais humanos primitivos.
Entretanto, os dentes-de-sabre de mais destaque foram os Smilodon. Esse é o animal que geralmente aparece na cultura pop quando se fala em dentes-de-sabre. Os Smilodon tinham uma constituição mais similar à dos ursos do que aos gatos, e seus caninos eram mais longos do que os dos demais dentes-de-sabre. Essa diferença levou os cientistas a dividirem os predadores em dois tipos: os dentes de cimitarra, como os Homotherium, e os dentes de punhal mais convencionais, como o Smilodon.
Enquanto os outros grupos possuíam caninos menores e cônicos para rasgar as presas, os dentes do Smilodon eram maiores e mais achatados, permitindo que perfurasse a vítima. Os maiores Smilodons eram tão grandes que poderiam intimidar mesmo os maiores predadores modernos, pois chegavam a 400 kg, enquanto um tigre moderno, o maior dos gatos atuais, costuma ter cerca de 300 kg. Os caninos de um Smilodon podiam ser tão grandes quanto o dente de um Tyrannosaurus rex.
Esses animais conviveram com os primeiros seres humanos e deviam ser seus rivais por alimento. Possivelmente, foi essa competição com outro predador mais versátil e inteligente que causou o desaparecimento dos dentes-de-sabre. Ainda que fossem caçadores impressionantes, eram especializados para atacar animais grandes, de modo geral pouco inteligentes (principalmente os mais antigos), e costumavam ser lentos. Seus dentes impunham muitas limitações ao seu modo de vida e principalmente à maneira como podiam caçar e comer. Suas armas podiam competir com seus primos gatos e lobos, mas talvez não fossem páreo para as lanças, martelos e tochas empunhadas pelos seres humanos.
Ainda assim, esse provavelmente não é o fim dos dentes-de-sabre. Tendo aparecido tantas vezes na história da Terra, parece pouco provável que um novo predador com essas armas impressionantes não apareça em um futuro distante. Talvez, quando o ser humano deixar de governar este planeta, a Terra volte a ser comandada por um mamífero com dentes do tamanho de uma espada.