Desde que me graduei em 2005, participei como membro da Liga de Genética da minha universidade. Costumo lembrar que sempre debatíamos assuntos de pesquisa em genética, principalmente os estudos direcionados aos irmãos gêmeos univitelinos (idênticos), e sempre tentamos rastrear as semelhanças dos indivíduos tanto no genótipo quanto no fenótipo. Mas e as diferenças? Como explicar que pessoas com a mesma sequência de DNA, sendo irmãos univitelinos, compartilhando o mesmo útero materno e a mesma criação durante seu desenvolvimento, poderiam ter respostas a estímulos de formas tão diferentes? Certamente haveria uma explicação.
Anos se passaram e me deparei novamente com essa mesma questão. Além da já conhecida e familiar genética e do dogma da biologia molecular, onde um trecho de DNA é codificado, transcrito em RNA e posteriormente traduzido em uma proteína, o que mais poderia influenciar nas respostas bioquímicas e fisiológicas de um ser humano?
Foi assim que fui apresentada à epigenética (do grego epi, que significa que está acima da genética). O primeiro artigo que li sobre esse assunto tratava de um estudo que acompanhou gerações de uma família do pós-guerra e observou que determinados traumas vividos por uma geração poderiam ser transmitidos às gerações futuras, mesmo que estas não tivessem vivenciado o episódio traumático. O grupo de pesquisadores analisou o DNA familiar e notou que não havia qualquer tipo de alteração ou mutação em sua sequência. Com a modernização das técnicas de estudo em biologia molecular, os cientistas conseguiram identificar que os genes poderiam ser "ligados" e "desligados" por meio de marcações químicas, hoje conhecidas como mecanismos de metilação. Esse mecanismo atua da seguinte forma: quando um determinado evento externo ocorre no corpo, ele pode desencadear a adição de um grupo (-CH3) ao DNA, mais especificamente em regiões ricas em bases citosinas (C) seguidas de guaninas (G), conhecidas como "C-G". Essa ligação gera o silenciamento (desligamento) do gene.
A ativação e inativação de genes podem ser influenciadas pelo ambiente e por experiências vividas. Isso significa que fatores externos, como alimentação, estresse, exposição a toxinas e eventos históricos, podem afetar essas marcações químicas no DNA.
Um exemplo que me chamou muito a atenção na época refere-se a pesquisas com descendentes de sobreviventes do Holocausto. Essas pesquisas revelaram que, apesar dos filhos e netos não terem estado presentes na barbárie, eles apresentavam maior suscetibilidade ao estresse e maior propensão a desenvolver distúrbios de saúde mental (neuropsiquiátricos). Além da herança genética, havia também a herança epigenética: os descendentes herdaram as marcações químicas (metilação) no DNA. Hoje, essa área de estudo é conhecida como hereditariedade epigenética transgeracional.
Atualmente, existem vários estudos neste campo da biologia molecular em diferentes áreas. Em 2018, um estudo publicado na revista Nature revelou a influência da dieta na epigenética: dietas ricas em gordura podem desencadear alterações nessas marcações no DNA, ativando e desativando genes incorretamente. Neste trabalho, também foram identificadas duas substâncias (fitoquímicas) derivadas do suco de uva que atenuaram comportamentos semelhantes à depressão em camundongos. Isso levanta a possibilidade de que esses compostos, talvez combinados com antidepressivos atualmente disponíveis, possam ser interessantes como candidatos terapêuticos no tratamento de pacientes que sofrem de depressão e ansiedade.
Outra área que tem se aprofundado muito no estudo desses mecanismos de metilação são as pesquisas em câncer. Embora o câncer seja considerado normalmente uma doença genética, as aberrações epigenéticas desempenham papéis profundos e onipresentes. Em 2017, um estudo da revista Science explorou a relação entre a metilação do DNA e a progressão do câncer colorretal, fornecendo novas descobertas sobre potenciais marcadores epigenéticos que poderiam ser utilizados para diagnóstico e tratamento da doença. Essas pesquisas geralmente analisam uma célula saudável (controle) e uma célula cancerígena, conseguindo assim mapear as diferenças entre os dois grupos.
E voltando ao estudo dos gêmeos que desencadeou o início deste artigo, um grupo de pesquisa finalmente examinou pares de gêmeos idênticos para analisar as diferenças (que me consumiam os pensamentos) através das técnicas de epigenética. Eles analisaram a metilação do DNA em uma grande coorte de gêmeos monozigóticos e descobriram que os gêmeos eram epigeneticamente idênticos nos primeiros anos de vida; no entanto, quando mais velhos, exibiam diferenças notáveis em seu conteúdo geral de marcações químicas (a agora já famosa metilação). Desta forma, conforme envelheciam, os gêmeos ativavam e desativavam seus genes de forma diferente.
Assim, além do que a biologia clássica nos traz - que o DNA gera um RNA que produz uma determinada proteína - temos uma série de mecanismos bioquímicos que regulam o DNA, ativando-o e desativando-o, todos podendo ser orquestrados por fatores ambientais como alimentação, estilo de vida e vivências emocionais. E, como sou mais habituada a perguntas do que respostas, a dúvida que fica é: sabemos que acontecimentos traumáticos são capazes de interferir na expressão de genes, ligando-os e desligando-os. Mas, será que acontecimentos felizes também são capazes de provocar essas mesmas reações?
E a resposta é sim! Alguns estudos revelaram que experiências positivas podem influenciar as marcações epigenéticas e afetar a expressão genética de maneira benéfica. Um estudo de 2012 da revista PNAS apontou que um suporte social adequado a indivíduos submetidos a situações estressantes foi responsável por alterar a expressão gênica relacionada à resposta imunológica, tornando-a mais ativa e, consequentemente, deixando o indivíduo menos propenso ao desenvolvimento de doenças.
Nesse contexto, existe um trabalho voluntário na ala pediátrica da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo chamado Projeto Colinho, que tem como objetivo proporcionar contato físico e carinho por meio do colo para ajudar na recuperação de bebês e crianças doentes.
Portanto, todos esses estudos evidenciam que tanto experiências positivas quanto negativas podem influenciar o comportamento do DNA ao longo de toda uma vida. Qual lição fica para nós?